quinta-feira, 1 de julho de 2021

Uma ementa de origem improvável

 

Agradeço ao meu amigo Pedro a oferta desta ementa que me atraiu logo pelo grafismo, mas que me surpreendeu pela proveniência.

Não se pode saber como chegou a Lisboa esta ementa de 1944, desenhada à mão, desdobrável (tipo pop-up), feita pacientemente em Moçambique na Missão da Imaculada Conceição de Amatongas.

Ementa montada
Pintada com aguarela sobre cartolina verde, apresenta no plano de fundo a ementa (já lá iremos), anunciada por dois pretinhos, vestidos à ocidental, o menino com livros no braço e a menina com um estandarte. Ambos têm ao pescoço um fio com uma medalha que se adivinha religiosa. Seriam, como supomos, alunos da escola da Missão. No plano frontal um galeão recortado tem numa das suas velas a expressão “Bem Vindo” e a data numa vela superior.

Falemos primeiro nesta missão, inaugurada em 1914, e dirigida por padres franciscanos. Nela se ministrou o ensino primário, para além de vários ofícios. Mas especial relevância teve o ensino agrícola que foi subsidiado pela Companhia de Moçambique. De tal modo que nos anos 20 foi chamada Escola agrícola de Amatongas. Em 1930 deu origem à missão de vila Pery.

Casa da Missão de Amatongas.ANTT
Foi lá que cursou o Cardeal Dom Alexandre dos Santos (1924-), que foi o primeiro sacerdote negro, o primeiro Bispo e primeiro Cardeal Moçambicano. Em Setembro de 1939, deu entrada no Seminário Menor de Maria Imaculada de Amatongas, na actual província de Manica, onde fez o nível básico do ensino secundário, tendo concluído o 5º ano em 1944.

Igreja. Padre e alunos. ANTT
Por esta altura era dirigido pelo Padre Joaquim Marques que fora nomeado em 1942. Estranhamente o seminário parece ter acabado em 1944, consoante consegui apurar nos escritos na revista Missões Franciscanas, de 1948. Este facto torna mais difícil compreender a quem se destinava esta refeição de recepção.

Alunos da Missão de Amatongas 1925. ANTT.

Vejamos então a Ementa:

Começava com “Canja à Musungo” que, em linguagem bantu significa homem branco, o que nos faz algum sentido. Seguia-se “Peixe frito com salada”; depois “Costeletas de galinha à portuguesa” e por fim “Bifes de Mpala-mpala à africana”, que presumo fosse impala. A terminar a refeição “Creme – Pudim”; queijo e frutos colhidos na Missão.

Maquete geral apresentada na Exposição Colonial de Paris em 1931. ANTT
Os alimentos referidos eram todos locais e explicam-se pela abundante produção agrícola aí existente. O padre Santos Denis considerava que “Em toda a colónia não existia nenhuma outra missão em que as árvores de fruto estivessem tão desenvolvidas”.[1] De tal modo que a Missão chegou a influenciar o nome das plantas. No mesmo artigo era dito: “A banana do Natal, por nós introduzida nesta região, tem em algumas povoações o nome de Mutigu ná padiri, por ter sido levada da Missão. E os europeus com quintas cultivavam o abacate, cujas sementes foram dadas pela Missão, chamando-lhes do “tipo Amatongas”.

Sobre a pecuária o mesmo padre dizia que a maior influência sobre a economia indígena fora a criação de galináceos. Embora entre os indígenas ainda se encontrasse a pequena galinha cafre, muitos levaram exemplares mais apurados da Missão.

Que a Missão era pródiga nestes animais não há dúvidas, a avaliar pela ementa!.

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Bibliografia:

- Missões franciscanas portuguesas, 1898-1949: no seu cinquentenário. Director P. E José Alves Pereira. Braga: Missões Franciscanas. Número 62. Junho-Setembro de 1948.

- Blog Delagoabayworld - https://delagoabayworld.files.wordpress.co

 [1] Missões Franciscanas, p. 53.

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