quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O espírito dos licores. A exposição e o livro

Para completar a exposição sobre licores que está presente no Centro de Artes Culinárias, intitulada  «O Espírito dos Licores. Arte e Tradição» vou fazer uma palestra no domingo, dia 2 de Fevereiro às 15,30.
Falarei sobre a ideia inicial, que desencadeou a exposição, e sobre o livro «Licores de Portugal (1880-1980)» que a completa.
No final teremos uma degustação de ginjinha de Alcobaça feita pela firma MSR. Apareçam!


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O licoreiro da Casa Museu Anastácio Gonçalves (CMAG)

Para os que não puderam estar na apresentação da minha última palestra na CMAG, e se interessam pelo tema, aqui ficam alguns apontamentos sobre o objecto em si.

O licoreiro foi adquirido em 1963 pelo Dr. Anastácio Gonçalves (1889-1965), médico e amante de arte, para a sua casa de habitação em Lisboa, que adquiriu a José Malhoa em 1932 e onde reuniu uma diversificada colecção. A casa, hoje transformada em casa-museu, foi projectada inicialmente por Norte Junior para casa de habitação e atelier de José Malhoa.
Fotografia retirada do site da CMAG
Foi o interesse do coleccionador que fez surgir em Portugal um licoreiro francês do início do século XIX (1810?), com características interessantes. Integra-se no que os franceses designam como «cabaret à liqueurs», uma expressão para a qual nós não temos tradução, ficando-nos pela palavra «licoreiro», que tanto pode designar a garrafa em si como o conjunto desta, com ou sem cálices, integrado numa estrutura.
O licoreiro de que falamos é em prata e foi executado por um ourives de Lille, Theodore-Frederic Hardy, que trabalhou nesta cidade nos finais do século XVIII e início do século XIX. Sabe-se que trabalhou também com Seraphin Delahaye, cerca de 1800, mas não consegui apurar mais nada (1).
É constituído por um prato circular com 4 pés circundado por uma galeria arrendada e tem uma coluna central encimada por um vaso em forma de urna que serve de pega. Sobre a base apoiam-se cinco cestinhos de prata arrendada onde se inserem os cinco frascos destinados a licor. Estes são em cristal lapidado em todo o corpo e apresentam ainda restos de dourado, que os enriqueciam.
O facto de serem cinco os frascos licoreiros é já de si raro, um vez que estes habitualmente se apresentavam em número par. Mandava a etiqueta que se oferecesse aos convidados uma variedade de licores, de forma a estes poderem escolher os seus preferidos e, este tipo de utensílio, facilitava a sua apresentação, com evidentes vantagens estéticas.
Gravura existente no Museu de Artes Decorativas, Paris.
Um outro aspecto interessante diz respeito à existência de argolas adossadas aos cestinhos, destinadas à colocação das tampas, igualmente em cristal, quando se pretendia usar os frascos. Esta opção, que encontramos frequentemente nos galheteiros, é muito mais rara nos licoreiros. Torna-se contudo compreensível se pensarmos que a sua concepção saía das mesmas mentes de ourives que idealizavam as duas peças .
É o que podemos constatar neste desenho de um galheteiro e de um licoreiro, feito por um ourives francês entre 1814 e 1830 e que se encontra no Museu de artes Decorativas em Paris.
Galheteiro de Claude Delanoy. Foto de Antique Store 
Ou num outro galheteiro da autoria de Claude Nicolas Delanoy, com punção de Paris de 1789, em prata, da época Luís XVI em que apresenta a base oval mas, tanto os cestinhos como a coluna, apresentam semelhanças evidentes com o licoreiro da CMAG.

Este exercício de análise de um simples objecto faz-nos ver como é necessário pensarmos mais demoradamente sobre as coisas para melhor as compreender.

(1) Para quem estiver interessado no tema existe um livro de N. Cartier, Les orfévres de Lille, 2 vol, publicado em 2007, a que não tive acesso e que pode fornecer informação adicional.
(2) As fotografias não identificadas são minhas, feitas com autorização da direcção da CMAG.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Uns guardanapos e bases de copos Vintage

Há alguns anos a autora de um blog brasileiro colocou o meu blog nos seus links em «vintage». Fiquei surpreendida até porque esta palavra se presta a imensas confusões.
Em relação aos vinhos a definição é clara e aplica-se a vinhos de qualidade de um determinado ano. Quanto ao vinho do Porto destina-se ao vinho de uma só colheita, produzido num ano de boa qualidade e que é engarrafado cerca de dois ou três anos após a colheita, maturando em garrafa durante 10 a 50 anos.
A noção de vintage estendeu-se para objectos que têm mais de 50 anos e menos de 100 anos, período a partir do qual passam a ser designados antigos. Assim, os objectos das décadas de 1950 e 1960 encaixam neste conceito e aqueles que apresentam características desse período são facilmente identificados, provocando nas pessoas algum enlevo e ternura. Para outros esse apelo é tão forte que, ao entrar em moda, se tornou para algumas pessoas num estilo de vida.
Hoje o meu blog é completamente vintage. Os guardanapos e bases de copos destinavam-se a uma festa, a um refresco ou a um cocktail de fim de tarde.
São dois modelos, um deles em que as bases são acompanhadas de guardanapos condizentes, enquanto o outro foi apenas comercializado como bases para copos. Foram abertos mas mantiveram-se na sua embalagem para uma outra oportunidade que, finalmente, chegou hoje.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Conferência «Conversas à volta de um licoreiro»

Utilizando um belo exemplar de licoreiro existente no espólio da casa Museu Dr. Anastácio Gonçalves vou fazer uma conferência 
na próxima 5ª feira dia 23 de Janeiro às 18,30 horas.
Falarei sobre o objecto em causa e sobre os utensílios relacionados com a sua conservação e degustação e, a propósito, falarei sobre os licores em Portugal.
Lá os espero.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O livro «Como devo governar a minha casa»

Devo dizer que, a princípio, nada me fazia estabelecer uma relação entre a italiana Giulia Ferraris-Tamburini e a portuguesa Virgínia de Castro Almeida.
Da condessa Giulia Tamburini pouco consegui saber para além de que publicou em Milão, para a editora Ulrico Hoepli, o livro «Come devo governare la mia Casa?», em 1898. 
Em 1900 a autora publicou «Come posso mangiar bene. Libro di cucina con oltre 1000 ricette di vivande comuni facili ed economiche per gli stomachi sani e per quelli delicati », que a iria tornar na primeira autora feminina de livros de culinária em Itália. Este facto não foi exclusivo deste país e, em toda a Europa, à excepção de Inglaterra, só neste período começaram a surgir livros de culinária saídos de mãos femininas. A vida estava a mudar, as criadas começavam a rarear e da mulher esperava-se que ocupasse então o papel de vários funcionários domésticos. A função de dona de casa passou a ser mais valorizada, mas exigia-se uma mulher mais culta e com múltiplos conhecimentos caseiros.
Nasciam as noções de Economia Doméstica que mais tarde seriam ensinadas nas escolas. No final do século XIX, na Europa, o ensino era dado pela leitura de livros de que é exemplo «Come devo governare la mia Casa?». O livro incluído na colecção «Biblioteca delle famiglia» fornecia ensinamentos sobre a forma de governar a casa, noções de etiqueta, como educar os filhos, sobre lavagem de roupa, receitas, utilidades, medicina doméstica, etc.
Quanto a Virgínia de Castro Almeida (1874- 1945), que em 1907 viria a dirigir a colecção Biblioteca para os meus Filhos e publicaria vários livros destinados a crianças, aceitou o convite da Editora Sá da Costa, para a tradução e adaptação do livro de Giulia Ferraris-Tambourini. Editado com o título «Como devo governar a minha casa», foi publicado em 1906. 
Na introdução a escritora revela o interesse do livro mas diz ter cortado capítulos inteiros, substituído outros e introduzido nova doutrina, de modo a adoptar a obra italiana ao meio português. Adaptando o texto ao que chamava a “vida peninsular” encarava a dona de casa como «administradora, esposa, mãe, enfermeira e senhora da sociedade».

O resultado foi um livro realmente diferente, ajustado à realidade nacional e onde não falta mesmo, nos “modelos de menus”, o caldo verde.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Aprenda a fazer licores

A minha amiga Sofia, além das suas múltiplas virtudes pessoais, profissionais (é uma das melhores  anatomopatologistas nacionais) e literárias (poeta com vários livros publicados) e autora do blog Defender o Quadrado, é também especialista em coisas mais terrenas, como saber fazer licores. 
Se quiser aprender a  fazer estas delicias doces venha no próximo domingo ao Centro de Artes Culinárias.
Eu sou apenas uma teórica, por isso vou lá estar.
Apareçam também!

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Objecto Mistério Nº 39. Resposta: Ferro de passar com duas pegas

Este objecto intrigante deu-me muito trabalho, até porque não consegui encontrar um igual.
Penso tratar-se de uma variante do ferro a que os franceses chamam fer à ballonner. É um tipo de ferro em que o objecto destinado a alisar os tecidos se encontra na extremidade de uma haste, quer esta seja vertical ou horizontal. O “ferro” em si pode apresentar a forma de um ovo, esfera, cogumelo e, pelos vistos, de um cilindro.
Este tipo de ferro era aquecido e destinava-se a alisar os locais mais difíceis do vestuário, como os folhos ou as mangas em balão (daí o balloner que vem de ballon).
Os utensílios com pegas de madeira são do final do século XIX e entre elas encontram-se os que apresentam duas pegas, tal como o exemplar apresentado.
Esta forma cilíndrica poderia destinar-se a passar folhos ou fitas. Uma das variantes para passar as fitas era o ferro de haste vertical chamado girafa, em que ficava em cima a parte propriamente destinada ao alisamento.
A propósito deste tema, não posso de deixar de dizer que na minha busca por este tipo de objectos, descobri que hoje em dia as fitas se alisam com maior facilidade com um alisador de cabelo (também conhecido por Babyliss) do que com o ferro de engomar.
Não é que eu necessite frequentemente de passar fitas mas experimentei e fiquei admirada pela forma como nos adaptamos, de forma inteligente, às inovações tecnológicas.


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Objecto Mistério Nº 39


O utensílio doméstico apresentado tem de comprimento  33 cm.

Tem duas pegas de madeira e um corpo metálico com um cilindro na parte da frente com um comprimento de 7 cm e um diâmetro de 3 cm.

Qual era a sua utilidade?

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os “milhos” de Trás-os-Montes

 Num país tão pequeno como é o nosso parece difícil de acreditar que haja pratos regionais que desconhecemos.
Há pouco tempo comi em casa da minha amiga Adriana, transmontana de gema, pela primeira vez, um prato que na sua região, Pombal de Ansiães, é chamado «milhos». 
O milho moído
Para o fazer, usa-se milho moído de forma grosseira, isto é, não serve a farinha de milho por ter um grão muito fino. Na minha receita usei a farinha de milho que numa das lojas da rua do Arsenal, em Lisboa, onde o comprei, chamam “milho para xerém”. 

A receita é simples. É feito como um arroz de tomate malandrinho. Começa-se por alourar a cebola picada, junta-se tomate picado, eventualmente adiciona-se um pouco de concentrado de tomate para reforçara a cor e o paladar, sal e quando está tudo cozinhado juntam-se 3 chávenas de água quente para 1 de milho. Deixa-se cozer o milho (não em excesso, devem sentir-se os bocados) de modo a ficar com bastante líquido. Uma dos modos de saber quando está pronto é parar o cozimento quando começar a fazer “vulcões”.

Esta receita simples serve de acompanhamento a qualquer tratamento de carne ou peixe, em substituição de arroz, por exemplo. 

Este prato fez-me lembrar o texto de Henry Frederick Link (1767-1851) o botânico alemão que visitou Portugal no século XVIII e que escreveu o livro «Travels in Portugal», publicado em Londres em 1801. Nele mencionava o milho que abundava nas Beiras e dizia que muitas pessoas viviam do pão com ele feito e que se chamava broa
Henry Frederick Link (1767-1851)
Se Link tivesse provado estes “milhos” seguramente que se teria referido a eles com apreço. Pelo menos foi o que aconteceu com as pessoas que o provaram, na minha tentativa de reproduzir o prato transmontano.
Experimentem!.Vão gostar.