terça-feira, 27 de agosto de 2019

A romã na nossa vida e na arte


 Foi um presente de romãs ainda verdes mas abertas mostrando os seus grãos de um vermelho reluzente que desencadeou este poste. Apeteceu-me imediatamente fotografá-las pela sua beleza e utilizei um prato verde das Caldas da Rainha para, no conjunto, formar uma peça bordaliana.
A palavra romã (Punica granatum L.) provém do antigo nome semítico “rummanu”, que deu ” rimmon” em hebreu e “roummana” em árabe[1]. Mais tarde as línguas grega e latina usaram a expressam genérica “malum” ou “pomum granatum” (i.e. cheio de sementes), onde a língua inglesa foi buscar o pomegranate. José Pedro Machado dá-nos a origem a partir do latim rõmãna (¨mala), «(maçã) romana)»[2].

Antonello de Messina
A presença da romã no Oriente esta provada arqueologicamente desde o 4º milénio aC e no Egipto desde o 2º milénio bC[3]. Apesar de na Península Ibérica dever anteceder a sua identificação arqueológica no século 6º bC na região costeira aonde chegaram os fenícios e que provavelmente corresponde à introdução da árvore na Andaluzia.
Pormenor menino Jesus com romã. Sandro Boticelli.
Desde sempre esteve associada à fertilidade e à abundância, é essa a simbologia que encontramos na sua presença no bordado de Castelo Branco.

Durante a idade Média e a Renascença vamos encontrá-la em obras como a de Antonello da Messina “Nossa Senhora com o menino” (c. 1460), existente na National Galery em Londres ou na pintura de Sandro Botticelli “Nossa Senhora da romã” (1481) existente na Galeria dos Uffizi em Florença onde o menino Jesus segura uma romã, como um fruto símbolo da vida. Este é um dos exemplos em que os alimentos estão presentes na Arte da Renascença com poderes simbólicos.
Luiz Melendez, 1771
Mas a romã atraiu muitos outros pintores como Melendez ou  Simeon Chardin (1763) presente no Museu do Louvre. Não esquecendo a nível nacional a sua representação por Maluda, num dos mais felizes dos seus quadros e de que já falei anteriormente.
Maluda, 1984



[1] Lorenzo Nigro; Federica Spagnoli. Pomegranate (Punica granatum L.) From motya and its deepest oriental roots. [Vicino Oriente XXII (2018), pp. 49-90]. Consulta online.
[2] José Pedro Machado. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.
[3] Lorenzo Nigro; Federica Spagnoli. Pomegranate (Punica granatum L.) From motya and its deepest oriental roots. [Vicino Oriente XXII (2018), pp. 49-90]. Consulta online.


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

O Pudim Selvito da Flor da Selva


O pacote de “Pudim Selvito” está ainda cheio. É um pudim de baunilha, em pó, corado artificialmente e a que bastava juntar leite e açúcar e levar ao lume brando para engrossar. Depois era só pôr numa forma e deixar arrefecer. Para fazer creme bastava aumentar a quantidade de leite e seguir a mesma receita.
Era uma modernidade para a época que, pelos vistos, chegou até aos dias de hoje. Na época, a década de 1950, existiam outros pudins deste tipo, sobre um dos quais já falei: o pudimJané.
Este era distribuído pela firma A Flor da Selva, Lda. que se situava na Rua da Esperança, 50, em Lisboa e que foi fundada em 1950 por Manuel Alves Monteiro, natural de Paderne, Melgaço. De acordo com a informação da empresa[1] que ainda hoje existe, pertença dos filhos Vasco Faria Monteiro e Jorge Faria Monteiro, o pai veio para Lisboa aos 13 anos trabalhar na distribuição numa mercearia. Foi recebido, em 1937, por seu tio materno o grande fotógrafo Manuel Alves San Payo, que seria responsável pela fotografia oficial de Salazar e por muitas outras de qualidade que deixaram registos da época.
Pacote de açúcar
A essa actividade associou estudos nocturnos no Ateneu Comercial. Logo que lhe foi possível adquiriu uma quota no estabelecimento de cafés Ferreira & Maurício, Lda., de nome comercial “Flor Africana” que ficava na Rua da Rosa nº 113, em sociedade com Manuel Ferreira. Em 1950 fundou uma nova empresa a designada A Flor da Selva, Lda., com loja na Rua da Esperança nº 50, em Lisboa.
Imagem no registo inicial de 1951
Neste período é possível encontrar em Portugal muitas marcadas e imagens associadas a África, como aconteceu com esta empresa. A marca “Flor da Selva” só foi contudo registada em Agosto de 1951[2]. A insígnia da firma foi a imagem de uma mulher africana a beber café desenhada por seu primo Nuno San Payo, filho do fotógrafo Manuel San Payo. Nascido no Brasil (1926-2014) formou-se em Arquitectura na Escola Superior de Belas Artes do Porto. Foi também pintor, cenógrafo, desenhou cartazes e ilustrou vários livros e revistas[3].
Registo inicial em 1958
Nuno San Payo adaptou a imagem desenhada para a Flor da Selva com pequenas variações. Embora a principal produção da empresa seja hoje a torrefação do café, numa fase inicial a oferta de produtos era mais alargada como se constata pelo registo da marca que abrangia: «café, chá, farinha, especiarias e sucedâneos do café». O registo da marca “Selvito” da Flor da Selva foi feito em 1958[4]. Sabemos que não se aplicava apenas ao pudim mas a outros produtos por existir uma maqueta para o desenho de uma carrinha automóvel com publicidade às “Especiarias Selvito”. 
Também aqui o tema africano foi utilizado com um jovem negro em ambiente tropical, com palmeiras, apontando para um pudim voador. Uma imagem que me faz lembra o Vicente desenhado por Sara Afonso para as Novas Aventuras de Mariazinha em África, escrito por Fernanda de Castro, uma das minha leituras de infância mais queridas.
A empresa mantém-se ainda hoje pelas mãos dos filhos e netos do fundador.


[2] BPI, Nº 10, 20 de Agosto de 1951.
[3] Como no Jornal da Mocidade Portuguesa, Camarada, Lusito e Diabrete.
[4] BPI, Nº 3 de 10 Maio de 1958.