No artigo anterior falei sobre a bebida chocolate. Era minha intenção continuar o tema falando sobre os objectos que surgiram para o seu consumo.
Fig 1- Cafeteira para café turco, designada cezve
Acontece contudo que, neste intervalo, estive uma semana numa ilha grega, chamada Kos, junto à costa da Turquia. Kos é a terceria maior das ilhas do Dodecanesio. Fiquei feliz por aprender que eram doze ilhas, como o nome indicava, mas vim depois a descobrir que este número se aplicava apenas às ilhas habitadas e que, além destas, havia pelo menos mais 150 ilhas. Esta ilha tinha para mim o atractivo de ser a terra natal de Hipocrates, o pai da Medicina.
Só em 1948 Kos passou a ser grega. Na sua história, depois de ter sido ocupada pelos romanos desde 130 anos antes de Cristo, passou por várias mãos, até que em 1522 foi ocupada pelo império Otomano, tal como Rodes, tendo ficando na sua posse durante 400 anos, até a sua desocupação pelos italianos em 1912.
Toda esta história vem a propósito do “café turco” que aí bebi e que se pode beber não só na Turquia ou nos países árabes, mas também em toda a Grécia.
A história não acaba aqui. Na minha busca por objectos dei comigo a descobrir um livro do século XIX intitulado Manners and Costums of the Modern Egyptians (Modos e Costumes dos Antigos Egípcios), publicado em 1836 e que foi um best seller na época. O autor foi o inglês Edward William Lane (1801-1976) que, sofrendo de tuberculose, foi aconselhado a procurar um país de clima mais temperado. Foi assim que chegou ao Egipto em 1825. Aí se apaixonou pelo estudo da língua e dos costumes árabes. Dedicando-se inteiramente a este tema, foi autor não só do livro referido, como foi também o tradutor do livro As mil e uma noites.
No seu estudo sobre a vida doméstica, refere-se ao café (“kahweh”) como sendo uma bebida forte bebida sem açúcar ou leite, o que constituiria seguramente uma surpresa para um inglês. Para quem nunca bebeu um “café turco” devo explicar que é uma bebida forte e espessa, servida em pequena chávena, em que o café se encontra com espuma e as borras estão misturadas. Isto deve-se a que o café utilizado é moído muito fino. Para o conseguir utilizam-se uns pequenos moinhos em cobre, semelhantes a moinhos de pimenta. O café misturado, com água fria é hoje em dia servido com ou sem açúcar. Para o confecionar ferve-se a mistura lentamente numa pequena cafeteira em cobre. Pode levantar fervura várias vezes (3 ou 4), mas antigamente deixava-se ferver lentamente em areia quente.
Se hoje em dia o café é servido em chávenas de café, ainda no século XIX, tal como nos descreveu E. William Lane no seu livro, era servido numa taça de porcelana sem asa e com pequeno pé, designada “finjan”. Essa taça era introduzida numa espécie de cálice em metal ornamentado, designado “zarf”. O conjunto das taças era apresentado num tabuleiro circular, por vezes suspenso por três arcos, como ainda hoje se pode ver em uso na Turquia e na Grécia.
Nesta gravura, que ilustra o livro mencionado, pode observar-se um tabuleiro com a cafeteira com bico e asa utilizada para servir o café (ibrik) e as taças para o beber. Em primeiro plano à esquerda o zarf, em metal precioso ou não, no meio a taça de porcelana sem asas ou finjan e à direita o conjunto dos dois elementos.
Mas voltemos ao café. Embora tenha tido as suas origens na Etiópia ou no Iemen, a sua divulgação fez-se para o Cairo e Meca, nos finais do século XV ou início do século XVI. O café tomou uma importância fundamental na cultura do Império Otomano. Em meados do século XVII as cerimónias com o café na corte otomana tornaram-se num ritual, à semelhança do que aconteceu com a cerimónia do chá no Japão.
O uso do café expandiu-se pela abertura de casas de café em Constantinopla ainda no século XV. Foram os comerciantes venezianos que trouxeram o café para a Europa no início do século XVII e, durante esse século, foram surgindo lojas onde se consumia café em Londres, em Paris e depois em Viena. Mas esta é já uma outra história.