O António Teixeira sugeriu-me há tempos que falasse sobre a Tarte Tatin. Nunca me teria ocorrido falar sobre este tema, mas é com imenso gosto que o faço.
Fundamentalmente é uma tarte de maçãs caramelizadas, cobertas com uma camada de massa, habitualmente folhada. Depois de pronta apresenta-se ao contrário do modo como foi cozinhada, com as maçãs para cima.
Foto de Romulo Yanes para "Epicurous"
A Tarte Tatin é muito apreciada pelos franceses e mal conhecida pelos portugueses. É também conhecida por «Tarte ao contrário» (tarte á l'inverse) porque se apresenta de «pernas para o ar», isto é, com a parte de baixo virada para cima.
Esta forma de apresentação tem levantado muitas dúvidas sobre a sua origem. Terá sido feita assim de propósito ou será que foi um desastre culinário que se transformou num sucesso?. As histórias sobre a sua criação rodam todas à volta de um acidente culinário, que passa pela queda da tarte ou pelo queimar do ponto de açúcar e que a improvisação de uma das irmãs Tatin, ao inverter a sua forma de apresentação, resultou num sucesso.
No Larrousse Gastronomique (na edição de 1967 e omitida na original de 1938) atribui-se a sua origem e subsequentemente o seu nome às irmãs Tatin (Stephanie e Caroline), que a teriam ”inventado”, na transição do século XIX para o século XX. Juntamente com seu pai Jean Tatin tinham um hotel com restaurante em Lamotte-Beuvron, perto de Orleães. O hotel chamava-se “Terminus” e ficava junto á estação de caminho de ferro, uma inovação, uma vez que o comboio aí tinha chegado em 1847. O Larrousse chama-lhes as «Meninas Tatin» e considera o prato como uma pastelaria de região de Soulogne.
Contudo Ali-Bab na «Gastronomie Pratique», publicada pela primeira vez em 1907, descreve os vários tipo de tarte, não menciona a Tarte Tatin, mas explica que a tarte à inglesa é uma tarte de frutas que se cozinha com a massa por cima. Nada portanto que não fosse conhecido. O que difere é a sua apresentação. A propósito aproveito para referir a importância de Ali-Bab na história da gastronomia, pseudónimo usado por Henri Babinski, engenheiro e gastrónomo e irmão do célebre médico neurologista que deu origem ao sinal de Babinski (private joke para médicos).
O sucesso desta tarte rompeu as fronteiras da província e chegou a Paris, aonde se tornou numa apreciada sobremesa do restaurante Maxim. Este facto teve grande impacto na sua divulgação, que a região da sua atribuída origem não deixou de aproveitar, passando-a a considerar uma doçaria regional, o que veio a justificar mesmo a existência de uma Confraria.
Foi também seu divulgador o escritor de gastronomia Curnonsky (1872-1956), considerado o «Príncipe dos Gastrónomos», que em 1926 a ela se referiu no livro «France Gastronomique: Guides des merveilles culinaires et des bonnes auberges françaises», uma obra precursora dos “Guias Michelin”. Foi ele quem divulgou a versão da sua origem acidental, transformando-a numa história credível. Nessa época já não existiam as meninas Tatin e o hotel já se chamava “Papin”, mas a tarte continuava a existir.
A verdadeira receita nunca foi tornada pública, mas existem inúmeras versões, em que apenas os ingredientes não variam: maçãs, manteiga, açúcar e farinha. É uma receita fácil de fazer e deliciosa. Não lhes deixo a receita porque está publicada em todo o lado. Só têm que escolher uma e experimentar.
Mas primeiro têm que decidir qual as maçãs que vão usar. Têm que ser maçãs que não se desfaçam, de preferência rústicas. As golden não são a melhor escolha, enquanto que as reinetas são preferidas por muitos. Depois há que escolher qual o tipo de massa: quebrada ou folhada. E até podem decidir usar outro fruto: pêras, alperces, etc.
Os puristas consideram que a Tarte Tatin se deve comer simples, tal como foi criada, mas outros acham que a mesma beneficia se for acompanhada com natas batidas ou gelado. E há quem a prefira morna. É tudo uma questão de gosto, que não vem para a história.