sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Prémio: “Gourmand 2023”

Acabo de tomar  conhecimento de que o livro Receitas Particulares e Curiosas ganhou um prémio no Gourmand Awards, deste ano, que teve lugar no Dubai.

Inserido na categoria History and Cookbooks, ficou em 4ª lugar.

Fico contente, sempre é um prémio internacional, embora isso não altere nada as coisas. Como costumo dizer, apesar de tudo, é melhor ter do que não ter.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Lançamento do livro "Receitas Particulares e Curiosas"

Anda falta um mês. O lançamento será só no dia 20 de Dezembro, mas como já tenho o convite, optei por o divulgar. Podem pôr nas vossas agendas uma anotação, se tencionarem ir.

Lá nos encontraremos em boa companhia.

 

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A receita das Tabafeias de Bragança

 

A receita reproduzida tem a data de Novembro de 1939 e não está assinada, mas atrevo-me a pensar que poderia ser do conhecimento do Abade de Baçal. A razão é simples: encontrava-se entre os papéis de um colaborador directo do Abade de Baçal, Raul Teixeira, que com ele trabalhou e o seguiu no cargo de Director do Museu de Bragança (1935-1955).

Não quero aqui entrar em pormenores, mas é sabido o gosto do Padre Francisco Manuel Alves (1865-1943), mais conhecido por Abade de Baçal, que sobre este enchido escreveu que estas eram:” fabricadas de Outubro a Fevereiro” a atestar a sua sazonalidade. Note-se que esta folha data do mês de Novembro. Não mencionava, contudo, a sua receita, sendo desconhecido se lhe era familiar o seu modo de confecção. De resto as receitas divulgadas são todas posteriores, o que torna ainda mais interessante este documento.

Recordo Armando Fernandes, em artigo sobre este tema, onde mencionava a obra de Paul Plantier, O Cozinheiro dos Cozinheiros, (1870) que, no capítulo de “Fumeiro de Carne de Porco à Transmontana”, aludia às tobafadas. Lamento aqui a morte desse meu amigo, com quem tive tão agradáveis conversas e que tanto gostaria de ter tido conhecimento da receita agora divulgada. Até porque se consultarmos o referido livro constatamos que em nada são coincidentes as duas receitas, pelo que não poderiam ser sinónimos.

Parece provável que este enchido fosse bem mais antigo.  Uma das personagens de Garcia de Resende, Nuno Pereira, no Cancioneiro Geral, de 1516,[1] dirigindo-se ao Doutor Mestre Rodrigo dizia: Eu comi atabafea…” Não podemos saber a que correspondia então, mas pode dizer-se que se manteve um enchido muito apreciado pelo menos era-o no final do século XIX e início do século XX. Dele dizia Trindade Coelho:” O meu derriço é a tabafeia, que até no nome gosto dela!“, em crónica publicada em O Reporter, em 26 em Janeiro de 1897. Também Leite de Vasconcelos, sabia do que falava quando se referiu a ela na Etnografia Portuguesa. Acerca da tabafeia afirmava: “É, em Bragança, uma espécie de chouriço feito de dobrada, galinha, pimento, etc.”.

Dr. Raúl Teixeira. Pintura existente no Museu de Abade de Baçal

Raul Teixeira numa carta dirigida a Abel Salazar, datada de 26 de Novembro de 1934 escrevia: ”Por este correio segue, dirigida à Senhora sua Irmã, uma encomenda com tabafeias, que é como se chamam as alheiras a que aí dão foros de especialidade bragançana. Essas alheiras têm tanto de Bragança como eu de santo. A especialidade d’aqui – convém acentuar, para que a História o registe – é a tabafeia”.

Casa Comum - Casa Museu Abel Salazar. Pasta: 05404.083

Raul Teixeira expressava nesta carta a confusão que então já alguns faziam entre os dois mais conhecidos enchidos da região. O que se passou nos anos seguintes, em que se salienta a ausência de receitas de tabafeia, nos livros de culinária, como foi o caso de Olleboma, em ambos os seus livros, incluindo a Culinária Portuguesa, ou na Cozinha do Mundo Português, onde também não a encontrei apesar de afirmações em contrário, justificam as confusões sobre do que se tratava realmente.

Não sendo especialista em comida transmontana, penso que a importância desta receita é enorme. Por ela se constata como é diferente a receita de tabafeia, onde predomina a dobrada, da de alheira, com predomínio de aves e, por consequência, não podem ser usadas como sinónimo. Aliás os enchidos deste tipo, que vão a concurso localmente, mostram-nos como é confusa a ideia, tanto dos jurados como dos concorrentes.

Fica aqui disponível a receita para que alguém da região a possa experimentar e restituir à tradição local este enchido que já foi tão apreciado. Fico a aguardar notícias e, já agora, uma verdadeira tabafeia.


[1] GARCIA DE RESENDE. Cancioneiro Geral. Fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Vol. III.1990.

 

sábado, 11 de novembro de 2023

Feliz Dia de São Martinho

 As tradicionais castanhas assadas este ano foram acompanhadas por Licor de Cherovia.

Foi a primeira vez que experimentei, substituindo a jeropiga, mas como confrade da Confraria da Cherovia, reconheço que não podia ser mais adaptado. Muito agradável. Recomendo.



domingo, 29 de outubro de 2023

A Fábrica Popular de Bolachas

 

Durante o século XIX os portugueses descobriram as bolachas e biscoitos, feitos industrialmente, pela mão dos ingleses. A indústria de bolachas começou em Inglaterra com a criação da fábrica Huntley & Palmers, em 1822. Outras se lhe seguiram e várias fábricas começaram a vender o seu produto em Portugal, distribuído por diversas casas comerciais, em atrativas caixas coloridas, geralmente cúbicas, de grandes dimensões.

No que respeita à fábrica aqui mencionada, de que mostramos esta bela caixa, a Fábrica Popular de Bolachas e Biscoitos, foi inicialmente dirigida por MM. Gonçalves e Silva. Fundada em 1890 tinha a sua frente um homem experiente que tinha já trabalhado noutra fábrica do mesmo tipo, provavelmente na Fábrica da Pampulha, fundada em 1870.[1]

Em 1908 mudou as instalações para terreno próprio em Lisboa, na Rua da Junqueira, Nº 288, num edifício que hoje já não existe, e que se encontra documentado na tampa desta caixa e em vários anúncios publicitários.

Segundo um artigo de jornal da autoria de H.  Léon,[2] que visitou Portugal, nela eram empregues as melhores farinhas.  Na sua constituição entravam também manteiga, ovos e perfumes (aromas). Feita a massa, era achatada com rolos, e passava depois a aparelhos especiais (franceses e ingleses) que cortavam automaticamente as bolachas e biscoitos, que iam depois ao forno.

Eram em seguida colocadas em latas de folha-de-flandres, ornamentadas “com lindas etiquetas”. Quanto às variedades eram descritas cerca de 91, sendo as mais conhecidas as de Araruta, Combinação (30 variedades); Maria e Patriotas. Estas últimas mostravam o retrato de um personagem importante de Portugal, em pontilhado.

0 Anunciador Artístico 1913
Em 1910 encontramos publicidade como sendo a fábrica, nessa data, de José Manuel da Silva e dizendo que era a única no país movida a electricidade. Disponibilizava então já 300 variedades de bolachas. Seguindo o espírito republicano apresentava nas novas variedades: Homenagem às Câmaras Republicanas; Homenagem às Cantinas Escolares; Crise, entre outras. 

Imagem do IPPAR. Foto de Henrique Ruas. 
Saliente-se o modelo A portuguesa, em Homenagem ao hino nacional e a Alfredo Keil. Mantinham, contudo, as variantes mais comuns: Maria; Torrada e Silva.

O grafismo republicano nas folhas usada para envolver as caixas de bolachas, é muito interessante e possuo uma bela colecção que apresentarei oportunamente. Para já ficamos com estas belas imagens.



[1] PEREIRA, A.M. 2023 (no prelo). Receitas Particulares e Curiosas: 171-172.

[2] Artigo no jornal Le Panthéon de l'industrie, de 1 de Agosto de 1892.

sábado, 14 de outubro de 2023

Bonecas recortadas


 Não consigo recordar-me se brinquei com bonecas de papel recortadas, o que torna pouco provável que tal tenha acontecido. Mas sei que os livros infantis com figuras de meninas e meninos, com os seus múltiplos fatinhos, que se cortavam laboriosamente com uma pequena tesoura e que permitiam depois, através de pequenas aletas, adaptá-las ao corpo das figuras, exerceram sempre sobre mim uma grande atracção. 
Figura recortada e aguarelada. Laço em papel

Fui-os juntando: os livros e as peças. Num dossier foram, a pouco e pouco, entrando as várias imagens. Na primeira metade do século XX usaram-se publicações próprias para esse fim, adaptadas ao gosto e modas de então.
Mas comecei a perceber que no século XIX, mesmo famílias abastadas, usavam bonecas recortadas de revistas ou modelos feitos de raiz. Usando modelos já conhecidos ou copiados de revistas eram desenhados a papel e os vestidos eram depois pintados, a lápis ou com aguarelas. 
Alguns vestidos, como os de baile, apresentavam mesmo purpurinas coladas. Num último achado, juntamente com as bonecas vinham amostras de papel de embrulho, que permitiam uma outra variante que era fazer os vestidos com os padrões desse papel. Nalguns casos serviam apenas de base, noutros, sobretudo nas cores mais claras, eram desenhados pormenores por cima. 
Mas o mais interessante foi encontrar papéis que tinham sido forros de envelopes de carta. Esses forros eram habitualmente muito discretos, mas ao mesmo tempo encantadores. Feitos de papel muito fino elevavam a categoria da correspondência, sendo usados em situações de maior cerimónia. Que tivessem sido reutilizados para fazer vestidos de bonecas, nunca tal me ocorrera. 
Em cima vestido feito com papel de embrulho e desenho aguarelado e picotado e em baixo vestidos feitos com forro de envelope de carta

 Gosto de descobrir coisas simples do passado, de imaginar a mãe a orientar a filha nesse trabalho, numa forma de reciclagem tão intuitiva. Era um tempo em que não existia a abundância de hoje, em que tudo se valorizava. Não se tratava de reciclar, apesar da expressão antes empregue, mas apenas de aproveitar o que havia ao dispor. Nesta sociedade de excesso de consumo ficam alguns exemplos que nos transportam para uma época com outras noções de brincadeira, de ocupação de tempo e de reutilização de materiais.

Papel de embrulho em cima e em baixo forros de envelopes.