A receita reproduzida
tem a data de Novembro de 1939 e não está assinada, mas atrevo-me a pensar que poderia
ser do conhecimento do Abade de Baçal. A razão é simples: encontrava-se entre
os papéis de um colaborador directo do Abade de Baçal, Raul Teixeira, que com
ele trabalhou e o seguiu no cargo de Director do Museu de Bragança (1935-1955).
Não quero aqui
entrar em pormenores, mas é sabido o gosto do Padre Francisco Manuel Alves
(1865-1943), mais conhecido por Abade de Baçal, que sobre este enchido escreveu
que estas eram:” fabricadas de Outubro a Fevereiro” a atestar a sua sazonalidade.
Note-se que esta folha data do mês de Novembro. Não mencionava, contudo, a sua
receita, sendo desconhecido se lhe era familiar o seu modo de confecção. De resto as receitas divulgadas são todas posteriores, o que torna
ainda mais interessante este documento.
Recordo Armando
Fernandes, em artigo sobre este tema, onde mencionava a obra de Paul Plantier, O
Cozinheiro dos Cozinheiros, (1870) que, no capítulo de “Fumeiro de Carne de
Porco à Transmontana”, aludia às tobafadas. Lamento aqui a morte desse
meu amigo, com quem tive tão agradáveis conversas e que tanto gostaria de ter tido
conhecimento da receita agora divulgada. Até porque se consultarmos o referido
livro constatamos que em nada são coincidentes as duas receitas, pelo que não
poderiam ser sinónimos.
Parece provável
que este enchido fosse bem mais antigo. Uma
das personagens de Garcia de Resende, Nuno Pereira, no Cancioneiro Geral,
de 1516,
dirigindo-se ao Doutor Mestre Rodrigo dizia: “Eu comi atabafea…” Não podemos saber a que correspondia então,
mas pode dizer-se que se manteve um enchido muito apreciado pelo menos era-o no
final do século XIX e início do século XX. Dele dizia Trindade Coelho:” O meu
derriço é a tabafeia, que até no nome gosto dela!“, em crónica publicada em O
Reporter, em 26 em Janeiro de 1897. Também Leite de Vasconcelos, sabia do
que falava quando se referiu a ela na Etnografia Portuguesa. Acerca da
tabafeia afirmava: “É, em Bragança, uma espécie de chouriço feito de dobrada,
galinha, pimento, etc.”.
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Dr. Raúl Teixeira. Pintura existente no Museu de Abade de Baçal |
Raul Teixeira numa
carta dirigida a Abel Salazar, datada de 26 de Novembro de 1934 escrevia: ”Por
este correio segue, dirigida à Senhora sua Irmã, uma encomenda com tabafeias,
que é como se chamam as alheiras a que aí dão foros de especialidade
bragançana. Essas alheiras têm tanto de Bragança como eu de santo. A
especialidade d’aqui – convém acentuar, para que a História o registe – é a tabafeia”.
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Casa Comum - Casa Museu Abel Salazar. Pasta: 05404.083 |
Raul Teixeira
expressava nesta carta a confusão que então já alguns faziam entre os dois mais
conhecidos enchidos da região. O que se passou nos anos seguintes, em que se
salienta a ausência de receitas de tabafeia, nos livros de culinária, como foi
o caso de Olleboma, em ambos os seus livros, incluindo a Culinária
Portuguesa, ou na Cozinha do Mundo Português, onde também não a
encontrei apesar de afirmações em contrário, justificam as confusões sobre do
que se tratava realmente.
Não sendo
especialista em comida transmontana, penso que a importância desta receita é
enorme. Por ela se constata como é diferente a receita de tabafeia, onde
predomina a dobrada, da de alheira, com predomínio de aves e, por consequência,
não podem ser usadas como sinónimo. Aliás os enchidos deste tipo, que vão a
concurso localmente, mostram-nos como é confusa a ideia, tanto dos jurados como
dos concorrentes.
Fica aqui
disponível a receita para que alguém da região a possa experimentar e restituir
à tradição local este enchido que já foi tão apreciado. Fico a aguardar
notícias e, já agora, uma verdadeira tabafeia.
GARCIA
DE RESENDE. Cancioneiro Geral. Fixação do texto e estudo por Aida Fernanda Dias.
Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Vol. III.1990.