quarta-feira, 21 de abril de 2021

Frango na púcara, o reencontro

Ofereceram-me um desenho que representava o que me pareceu ser uma galinha vaidosa dentro de um tacho, adornada com colares e de chapéu na cabeça. Dois cozinheiros tratavam dela, um penteando-lhe o cabelo e o outro, do cimo de uma escada, mostrava-lhe a sua beleza num espelho.

O título porém não enganava. «Frango na púcara». O autor do desenho devia querer transmitir a beleza que ficaria o galináceo depois de assado num utensílio próprio, que se designa por púcara.

Por sorte o desenho apresentava-se encaixilhado e era acompanhado de uma dedicatória da autoria de Luís Osório, que foi pintor e ilustrador de várias obras. Saliento entre elas a capa do livro «As redacções da Guidinha», compilação das crónicas de Luís de Sttau Monteiro, com o mesmo nome. Luís Osório foi um pintor paisagista que viveu em Lisboa, ilustrou capas de livros e foi responsável por muitos desenhos, hoje dispersos.

Pela dedicatória foi-me possível perceber que se tratava de uma ilustração para o livro Receitas de Cozinha e doçaria portuguesa. O livro teve duas edições, uma em 1971 e outra em 1972. Para além das receitas o livro não tem uma introdução ou qualquer tipo de informação que justifique a publicação naquela data. É que, estranhamente, o livro destinava-se à publicação das receitas que ficaram nos primeiros lugares num Concurso apoiado pela RTP em 1961, o Concurso de Cozinha e Doçaria Regional Portuguesa. Do júri do concurso fizeram parte, além de Maria de Lurdes Modesto; Daniel Constant[1], crítico culinário; João Ribeiro, chefe de cozinha do icónico Hotel Avis e uma professora de culinária.

Estas receitas premiadas faziam parte do lote enviado por espectadoras para a televisão. Foi esse extenso lote que esteve na base da selecção feita por Maria de Lurdes Modesto para o seu livro Cozinha tradicional portuguesa. No prefácio do livro, publicado pela primeira vez em 1982, Maria de Lurdes Modesto dizia isso mesmo. «O livro baseou-se, sobretudo, nas receitas recolhidas nesse concurso televiso, organizado pelo Secretariado Nacional de Informação, que surgiu por “exigência dos telespectadores» que pediam que a mesma apresentasse cozinha tradicional portuguesa.

Este feliz achado revela o encontro do desenho original com a gravura posteriormente aguarelada e publicada.

Permite-nos também um raciocínio sobre a lentidão de certos processos. De um concurso de culinária nacional, em 1961, saíram receitas que, dez anos mais tarde, seriam publicadas num primeiro livro Receitas de cozinha e doçaria portuguesa e numa outra publicação mais vasta, a Cozinha tradicional portuguesa, com selecção de Maria de Lurdes Modesto. Isto é, 20 anos medeiam os dois factos e foi preciso um mero desenho de um frango na púcara para o constatar.

Adenda.
A pedido acrescenta-se a receita que obteve o 2º lugar na província da Estremadura.


[1] Era também pintor. Nasceu em Matosinhos e viveu no Porto (1907- 1984). Foi também jornalista de “O Primeiro de Janeiro” e responsável pela secção “Turismo & Gastronomia”. Era excelente cozinheiro e foi autor de vários livros sobre turismo.

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