O óleo de fígado de bacalhau
é um assunto que me atrai tanto que imaginava já anteriormente ter falado nele.
Descobri, com surpresa, que tal não aconteceu. Na minha infância consumi
quantidade imensas deste fortificante que o meu pai me obrigava, e ao meu irmão,
a beber. Estranhamente não desgostávamos do paladar, ao contrário de todas as
outras crianças da nossa idade, para quem a toma deste medicamento era um drama
diário.
A ingestão de óleo de peixe
já era considerada como saudável há muitos séculos nos países nórdicos. Foi contudo apenas em 1841 que um médico inglês,
de Edimburgo, John Hughes Bennett, publicou um tratado sobre o Oleum Jecoris Aselli, ou Óleo de Fígado
de Bacalhau, após passar alguns anos na Alemanha onde este era usado no
tratamento de raquitismo, do reumatismo, da gota e da escrófula (uma forma de
tuberculose).
Este assunto levou a novas pesquisas sobre o óleo de fígado de bacalhau em vários países. Na Holanda, Ludovicus Josephus de Jongh, produziu a primeira análise química extensa de fígado de bacalhau em 1843. Mas o grande problema era o sabor e o cheiro altamente desagradáveis que impediam o seu uso.
A primeira marca destra
empresa Scott e Bowne, foi registada em 1879. Incluía as iniciais P.P.P.
e três palavras - "Perfeito, Permanente, Saboroso". A publicidade explicava que o mau gosto não era
sentido porque as gotas de óleo eram cobertas com glicerina, assim como os
comprimidos eram cobertos com açúcar ou gelatina.
A imagem do homem com o
peixe nas costas, que em Portugal era designado como “peixeiro”, apareceu pela
primeira vez na Emulsão de Scott cerca de 1884 e tornou-se a marca registada de
Scott e Bowne em 1890.
A reputação do óleo de
fígado de fígado como um tratamento eficaz para o doenças consumptivas mortais
durante o século XIX, como a escrófula, tísica, tuberculose, raquitismo e
reumatismo levaram ao seu grande consumo, que durou ainda bastante tempo. A publicidade nas décadas de 1940 e 1950 enfatizava
a presença das vitaminas A e D naturais e valorizava os factores de óleo
natural para o fornecimento de energia dos produtos Scott.
Esta ideia manteve-se pelo
menos até que os cientistas descobriram o papel da Vitamina A e D e as
conseguiram sintetizar. As substituições sintéticas vieram interromper o
imaginário que ligava o peixe, o
pescador, a terra do sol da meia-noite e a gordura especial que este peixe
produzia. A emulsão de Scott terminava o seu apogeu.
Em Portugal o produto de
maior sucesso foi o óleo de fígado de bacalhau da Arriaga & Lane que recebeu
vários prémios de qualidade, em exposições nacionais e internacionais. Na sua publicidade,
afirmava-se que era o preferido entre todos e que reunia a escolha de médicos e professores da Real
Escola Médica de Lisboa e do médico da real câmara. Era usado em várias
instituições como o Hospital de S. José, a Real Casa Pia, a Associação de
Asilos, Asilo D. Luís, a enfermaria de crianças do Hospital D. Estefania, etc..
Apropriadamente, em Lisboa,
a Arriaga & Lane tinha depósito na rua dos Bacalhoeiros, 135 - 1º e, no
Porto, na rua Passos Manuel, 72-76 (Manuel Francisco da Costa & Cª). Também
se vendia no Brasil. Face à concorrência de produtos externos, que já se
apresentavam em cápsulas, a Arriaga & Lane passou a vender o seu precioso
óleo neste formato, mas a metade do preço.
Curioso é notar que na
década de 1970, o médico dinamarquês Jorn Dyerburg relacionou dietas baseadas
em peixes oleosos de água fria a uma baixa incidência de doença coronária entre
os inuítes da Groenlândia. O seu trabalho desencadeou mais estudos sobre os
benefícios para a saúde dos ácidos gordos
ómega-3, abrindo caminho para a produção de inúmeros suplementos de óleo
de peixe hoje existentes.
Esta pesquisa sugere que afinal
há mais valor terapêutico do óleo de fígado de bacalhau do que a que advém das
vitaminas identificadas inicialmente. Qualquer dia ainda vamos voltar à emulsão
Scott.
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