sábado, 13 de fevereiro de 2010

A goiabada brasileira, uma herança portuguesa

A goiabada está bastante divulgada em Portugal, onde é utilizada da mesma forma que a marmelada. Pode-se encontrar em qualquer supermercado desde há vários anos, mesmo antes de os brasileiros viverem em Portugal.
O que me levou a escrever sobre ela foi o facto de me ter surgido uma caixa antiga de goiabada. É uma caixa da marca Regina, que interessantemente copia um pouco o “lettering” da nossa conhecida fábrica de chocolates Regina.

A goiaba, fruto mais difícil de encontrar em Portugal continental, é o fruto da goiabeira, uma árvore da espécie Psidium guajava, da família Myrtaceae e existem mais de 2.800 espécies. Para nós leigos, chega-nos saber que existem duas variedades, de polpa branca e vermelha, sendo esta última a mais frequentemente utilizada.
Pensa-se que o seu local de origem corresponde à área que se estende do México até à América central e transformou-se numa das árvores de fruto mais comuns na América do Sul.
Foi cultivada pelos Incas e já existia no Brasil antes dos portugueses lá chegarem. Foram os navegantes europeus que levaram a goiaba da América do Sul e Central, para as suas colónias africanas e asiáticas, com clima tropical. É por essa razão que na Ilha da Madeira se encontram tantas goiabas, agora transformadas em fruto local.
Gabriel Soares de Sousa, um português que emigrou para o Brasil e que se transformou em agricultor e empresário, escreveu em 1587 o «Tratado Descritivo do Brasil». Nele se refere à goiaba afirmando que se chamava “araçaguaçu”. Ainda hoje no Brasil ela tem vários nomes como araçaíba, araçá-guaçu, araçá-goiaba. O autor do Tratado Descritivo foi também proprietário de um engenho de açúcar. Foi a estes proprietários de engenhos de açúcar, e a outros colonos portugueses, que se atribuiu a origem da goiabada, como substituto da marmelada.

Embora a investigadora Rosa Belluzzo, especialista em história da alimentação e autora do livro Os Sabores da América e co-autora de Cozinha dos Imigrantes e de Doces Sabores, afirme que a mistura da goiaba com o açúcar nasceu nos engenhos cubanos, não é esta a opinião mais aceite. Podem ter sido feitas compotas, associando a fruta ao açúcar, mas não goiabada. Ainda hoje na Ilha da Madeira a goiaba é utilizada para a confecção de doces, mas não para goiabada, porque dificilmente competiria com a marmelada.
A marmelada é uma doçaria tipicamente portuguesa e que foi sempre muito apreciada.
É natural que os portugueses no Brasil tenham utilizado a sua receita, substituindo o marmelo por goiaba. Ficava assim aliviada a saudade da marmelada.
No livro “Açúcar”, de Gilberto Freyre, a goiabada é mencionada como um dos grandes doces das casas-grandes no período colonial.

O que é considerado brasileiro é a associação da goiabada-cascão (a forma mais sólida em que se incluem algumas cascas), acompanhada de queijo branco ou de requeijão, que Gilberto Freyre refere ser “saborosamente brasileira".
Esta sobremesa é hoje em dia conhecida no Brasil por "Romeu e Julieta". Este nome deve-se a uma campanha publicitária feita por Maurício de Sousa, nos anos 60, para um anúncio da goiabada «Cica», em que o queijo era Romeu e a goiabada Julieta. A associação foi tão perfeita que o nome ficou.
Nada de estranho para um português que esteja habituado a comer queijo com marmelada.
Será que também aqui não andou mão portuguesa?

14 comentários:

Laura disse...

De facto a goibada é óptima, mas há uma variedade de doce de goiaba em que esta é cortada aos quartos e levada a tomar ponto até estar cozida. Fica com outro paladar e um aspecto delicioso.
Quanto a ser servida com queijo, com banana também é uma delícia e se se juntarem os três ingredientes, muito melhor.

Ana Maria Job disse...

Oi Ana!Temos muitíssims heranças portuguesas.Riquíssimas.Mas estou encantada com teu trabalho de pesquisa histórica sobre alimentação e tudo que a envolve.Então espero te acrescentar um pouquinho.Aqui no Rio Grande do Sul,onde moro é muito comum encontra-se "pés de Goibeiras".Na minha casa de infância tínhamos uma delas em nosso quintal.A gente subia e colhia as goiabas. E comia na horinha.Humm!Uma delícia.Eu adoro a de polpa vermelha.Agora mais raro é claro nas cidades .Mas no interior se encontra muito.Nos supermercados se encontra agora para vender umas importadas.Caríssimas.cada vez que eu vejo falo:"BEM CAPAZ"(termo típico gaúcho portoalegrense)que vou pagar essa fortuna.Essa fruta dá nos quintais de nossas casas.É só plantar.Abraço.

Ana Marques Pereira disse...

Laura
Esse doce de goiaba que descreve deve ser uma compota. É diferente do doce feito na Madeira. Os franceses têm a palavra "confiture" para esta última preparação, mas nós usamos apenas a palavra "doce", não temos outra, o que se presta a confusões.

Ana Marques Pereira disse...

Ana Maria Job
Esta era a minha surpresa, como deves ter percebido. Uma história de ligação entre os dois países.

Ana Maria Job disse...

Só para corrigir erros hortográficos:escreve-se "muitíssimas" e "goiabeiras".E acrescentar que as goiabadas tanto em latas,caixinhas ou a quilo continuam em nossas mesas,nos desjejuns ou como sobremesas.Ou então como eu faço,tenho sempre na geladeira um pedaço.Ná hora em que me dá vontade,tIro uma fatia e saio comendo.TUDO DE BOM!

Ana Maria Job disse...

Gostei muito da surpresa.Obrigada!

Rui Correia disse...

Oi Ana Maria Job

Esses "erros hortográficos" têm a ver com a horta - das goiabeiras?

Feliz Pascoa!

Anónimo disse...

Me desculpe, mas a única herança portuguesa, e esta sim não pode ser questionada se chama "colonização de esploração"! Essa sim todos reconhecem...

Ana Marques Pereira disse...

Anónimo,
Todas as colonizações têm problemas, mas penso que os portugueses deixaram no Brasil mais coisas boas que más.

vitor gomes disse...

Vamos lá enaltecer as coisas boas do povos, não as más. Anónimo não deve comentar...O povo português tem comportamento exemplar em qualquer parte do mundo...se o Brasil fosse col. por espanhois poderia ser pior...um abraço ao povo Brasileiro.

vitor gomes disse...

Amigo anónimo (tem medo de se identificar?) Se não fosse os portugueses podiam ser os espanhóis ou os alemães, foram tempos.
Agora sim vamos comentar as coisas boas dos povos, não vamos falar que no Brasil matam para roubar um telemóvel ou pulseira, não é bonito, mas a maioria são um povo bom, os Portugueses por todo o mundo deixam boa imagem. Viva o povo português e brasileiro...

Ana Marques Pereira disse...

Vitor Gomes,
Obrigada pelas suas palavras de bom senso.

José Silvério Lemos disse...

Uma delicia a goiabada com queijo! Quanto à colonização portuguesa, houve milhares de coisas boas! Organizar um país desse tamanho, habitado por indigenas e povos de todo canto da terra e, conseguir mante-lo unido foi tarefa grandiosa! Infelizmente algumas pessoas insistem em dar crédito a versões maldosas e falsas, comuns nos países latino-americanos de colonização ibérica. A goiabada é apenas um desses testemunhos da riqueza que Portugal nos deu. Abraços em vocês!
José.

Jornal de Arcoverde - Histórias da Região disse...

Foi no final do século 19 que a goiabada deixou de ser o duro "tijolo escuro". Uma cozinheira de Pernambuco descobriu como tornar o doce avermelhado, macio e ainda mais delicioso. Vejam: http://www.youblisher.com/p/458102-Pesqueira-terra-do-doce/