sábado, 12 de dezembro de 2009

A verdadeira reciclagem

Nos últimos anos temos sido alvo de campanhas a incentivar a reciclagem. Devo dizer que sou uma fervorosa adepta e que separo os meu lixo rigorosamente, de acordo com a tipologia.

É verdade que já tenho pensado que se a reciclagem tivesse começado há 30 anos eu dificilmente teria hoje acesso a objectos de uso comum, como os potes de vidro de iogurte ou as garrafas de refrigerantes. E sempre que há uma campanha de recolha de pequenos electrodomésticos, não consigo deixar de pensar: “Lá vão desaparecer mais alguns exemplares de design interessantes”. Tudo isto vem a propósito de uns sacos de pano que encontrei no meio dos panos de cozinha que vou juntando. Trata-se de um saco de arroz da Sociedade Industrial de Vila Franca, SARL, de 5 Kg, um saco de arroz de 1 kg da Cooperativa TPA do Vale do Sorraia e um outro de farinha de mandioca “Carioca”. Estão um pouco descorados pela lavagem, o que comprova o seu uso intensivo.

Quando olhei para eles fiquei a pensar que na realidade não fazemos qualquer reciclagem. Limitamo-nos a separar produtos idênticos, que alguém vai depois reciclar. Mas a nova reciclagem implica a destruição do objecto existente para fabricação de novos produtos.
Em Portugal, até aos anos 70, todas as donas de casa faziam reciclagem dos objectos que entravam no domicílio. Ninguém deitava os frascos ou as garrafas fora. Guardavam-nas e utilizavam-nas depois para outro fim. Os papéis, mesmo os de embrulho, eram esticados e guardados para novos embrulhos. E as embalagens dos alimentos tinham sempre um novo destino.
Neste caso, os sacos de pano de produtos alimentares, eram usados para guardar cereais ou leguminosas, ou, no caso dos maiores, para sacos de pão. Tudo era reutilizado. As noções de economia doméstica tinham- se implantado e as dificuldades económicas do país justificavam essas atitudes.

Quando aderimos à sociedade de consumo começámos a deitar as coisas fora. As casas mais pequenas também não facilitavam a acumulação de objectos. Quando se começaram a divulgar os conceitos de separação de lixo os portugueses aderiram bem, pelo menos nas grandes cidades. Mas olhando para trás, podemos concluir que a verdadeira reciclagem era feita antigamente quando, sem destruir os objectos, lhes eram atribuídos novos destinos. Temos ainda muito que aprender.

5 comentários:

-pirata-vermelho- disse...

Um idiota qualquer declarou um dia, 'consumir é viver'. Aquilo foi uma boutade da moda; estávamos em plena modernidade à la cavaco e a noção de esbanjamento era muito diluída, conveniente...
O consumo é intregante da vida, lao sensu mas interessante seria reflectir acrca do 'ponto inicial' da atitude consumista moderna, no sentido de identificar o maior interesse, o maior lucro.

Anónimo disse...

Marcas de um tempo histórico diferente.Os objectos e as condições
de fabricação,o comercio,as relações
sociais,tinham tempos dilatados.
A economia actual torna tudo efémero
e a reciclagem é agora mais um elo
nessa produção acelerada de objectos
e ideias.Panos,bordados,um quarteto,
haverá ainda tempo para eles?Ou permanecerão apenas na nossa memória?

José

T disse...

Concordo em absoluto consigo. Essa era a verdadeira reciclagem. Também tenho alguns desses sacos de pano e outro dia herdei um saco de plástico genial.

Ana Marques Pereira disse...

"Les beaux esprit se rencontrent", como dizia Voltaire e, neste caso, é um encontro agradável.

Anónimo disse...

Não posso estar mais de acordo. Ainda hoje a minha mãe aproveita os lençóis velhos para fazer panos de limpeza, guarda os papéis e os laços do natal para o ano seguinte, guarda os frascos para pôr chá ou outra coisa qualquer e tem muita relutância em deitar coisas for. E lembro-me da mina avá fazer pegas para a cozinha com restos de tecidos e sapatinhos de lã para dormir com os restos das lãs. Isto é que era reciclagem.
Isabel Kiki