sábado, 14 de outubro de 2023

Bonecas recortadas


 Não consigo recordar-me se brinquei com bonecas de papel recortadas, o que torna pouco provável que tal tenha acontecido. Mas sei que os livros infantis com figuras de meninas e meninos, com os seus múltiplos fatinhos, que se cortavam laboriosamente com uma pequena tesoura e que permitiam depois, através de pequenas aletas, adaptá-las ao corpo das figuras, exerceram sempre sobre mim uma grande atracção. 
Figura recortada e aguarelada. Laço em papel

Fui-os juntando: os livros e as peças. Num dossier foram, a pouco e pouco, entrando as várias imagens. Na primeira metade do século XX usaram-se publicações próprias para esse fim, adaptadas ao gosto e modas de então.
Mas comecei a perceber que no século XIX, mesmo famílias abastadas, usavam bonecas recortadas de revistas ou modelos feitos de raiz. Usando modelos já conhecidos ou copiados de revistas eram desenhados a papel e os vestidos eram depois pintados, a lápis ou com aguarelas. 
Alguns vestidos, como os de baile, apresentavam mesmo purpurinas coladas. Num último achado, juntamente com as bonecas vinham amostras de papel de embrulho, que permitiam uma outra variante que era fazer os vestidos com os padrões desse papel. Nalguns casos serviam apenas de base, noutros, sobretudo nas cores mais claras, eram desenhados pormenores por cima. 
Mas o mais interessante foi encontrar papéis que tinham sido forros de envelopes de carta. Esses forros eram habitualmente muito discretos, mas ao mesmo tempo encantadores. Feitos de papel muito fino elevavam a categoria da correspondência, sendo usados em situações de maior cerimónia. Que tivessem sido reutilizados para fazer vestidos de bonecas, nunca tal me ocorrera. 
Em cima vestido feito com papel de embrulho e desenho aguarelado e picotado e em baixo vestidos feitos com forro de envelope de carta

 Gosto de descobrir coisas simples do passado, de imaginar a mãe a orientar a filha nesse trabalho, numa forma de reciclagem tão intuitiva. Era um tempo em que não existia a abundância de hoje, em que tudo se valorizava. Não se tratava de reciclar, apesar da expressão antes empregue, mas apenas de aproveitar o que havia ao dispor. Nesta sociedade de excesso de consumo ficam alguns exemplos que nos transportam para uma época com outras noções de brincadeira, de ocupação de tempo e de reutilização de materiais.

Papel de embrulho em cima e em baixo forros de envelopes.

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