É verdade que a marmelada tem, em Portugal, um estatuto à parte entre os vários doces, do tipo conserva de fruta. A nossa marmelada foi sempre feita com o fruto Cydonia oblonga, provavelmente originária da Ilha de Creta.[1] Já era mencionada desde o século XVI, no Auto da Feira de Gil Vicente, mas o seu conhecimento em Portugal seria seguramente anterior.[2]
Podemos encontrar o primeiro registo de um receita no manuscrito que pertenceu à Infanta D. Maria de Portugal, então já feita com açúcar. A etimologia[3] da palavra mostra-nos que vem do latim melimellu, tomado do grego melimelon, composto de meli, «mel» + melon, «maçã», mencionando o marmelo para conserva, cozido com mel, usado desde a Antiguidade.
Avancemos na história da nossa marmelada para justificar a existência de objectos próprios para a sua apresentação e consumo. Desde logo o mais clássico nos domicílios: a tijela da marmelada. Deitado o doce no seu interior ficava depois ao sol a secar, afim de formar uma ligeira crosta e impedir que criasse bolor. Mas os confeiteiros utilizavam também recipientes próprios para a sua confecção. Durante a primeira metade do século XX surgiram várias casas comerciais em que a marmelada era vendida em recipientes de louça.
Em Lisboa esses objectos
foram sobretudo feitos pela Fábrica de Sacavém e pela Fábrica Viúva Lamego,
apesentando forma variadas.
Pormenor da fachada com azulejos de J. Pinto. Foto tirada da internet |
Neste caso, o recipiente em forma de caixa redonda com tampa foi feito para a Casa Tentadora, em Campo de Ourique, em Lisboa. O prédio desta casa comercial foi projectado por Ernesto Korrodi (1870-1944), arquitecto e designer de origem suíça contractado pelo governo português para dar lições no ensino industrial, inicialmente, em 1889, na Escola Industrial de Braga e a partir de 1894 na Escola de Leiria.
Painel Arte Nova que estava no exterior e que foi colocado no interior. |
Este arquitecto foi responsável por várias construções
ao estilo Arte Nova, em todo o país. Mas numa determinada fase foi na região
onde vivia que teve maior intervenção. Assim projectou par firma João Leal & Irmãos em 1906, uma
casa, na freguesia de Coimbrão, em Leiria.
Para a mesma empresa, viria a ser responsável por um belo edifício,
misto de habitação e comércio no gaveto da Rua Saraiva de Carvalho com a Rua
Ferreira Borges em Lisboa. Foi
nesse edifício que, em 1910, a empresa João Leal & Irmãos, viria a abrir a
Pastelaria A Tentadora.[4]
Aproveitamos para mostrar
uma parte de outros exemplares que possuo, com o mesmo fim, destinados a uso no
domicílio ou comercial. Memórias doces!
[1] Em
Inglaterra a mesma designação aplica-se ao Doce
de laranja, provavelmente por confusão, uma vez que foram os portugueses
que introduziram a laranja nesse país, a par da marmelada.
[2] FERREIRA,
Maria Valentina Garcia. (2004). “A história doce de uma alcunha do Sul”. Centro
de linguística da Universidade de Lisboa. Lisboa: Actas do XX Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística:
573-589. A autora sugere que a palavra existiria já no galego-português
medieval.
[3] MACHADO,
José Pedro. (1987). Dicionário
Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa: Livros Horizonte.
[4]
TEIXEIRA, José Manuel. (2018). Arquiteto Ernesto Korrodi Vi(n)da e Obra. Tese.
Porto: Universidade Fernando Pessoa.
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