Foi por acaso que as fiz pela primeira vez. Um vinho tinto de qualidade, mas demasiado doce, fez-me decidir o seu destino: era bom para cozinhar pêras em vinho. Descobri então que tinha poucas pêras e decidi acrescentar maçãs, neste caso maçãs de Alcobaça, pequenas. Fiquei depois a pensar por que razão não utilizamos as maçãs para o mesmo fim e como esta dúvida nunca me tinha ocorrido.
Se consultarmos a internet até
encontramos mais receitas de maçãs cozinhadas com vinho do que com pêras. Na
grande maioria tratam-se no entanto de receitas em que são assadas no forno e
não cozidas. Muitas dessas receitas são brasileiras, fazendo-me pensar que
talvez o acesso às maçãs seja mais fácil nesse país.
Na realidade a receita
original é italiana. É verdade que a origem é disputada tanto por Itália como
por França, até porque a receita teve origem no Piemonte, região de Itália que
confina com a França. Por outro lado a pêra adequada para esse fim é a Martin
Sec que é considerada a melhor das pêras para cozimento.
Acontece que esta variedade é muito
antiga, com eventual origem francesa, remontando ao século 16. Notícias sobre a
mesma surgiram nos textos do agrónomo francês Charles Estienne, em 1536.[1] A origem geográfica é
discutida e embora o próprio Estienne a coloque na região de Champagne, outros
locais situados nos vales alpinos entre a Itália e a França disputam o seu
direito de primogenitura.
Ainda no século XIX no importante
livro sobre pomologia "La Pomona italiana"[2] de Giorgio Gallesio esta
variedade era descrita como sendo de origem piemontesa, novamente contestado
por outros especialistas franceses.
Dito isto, a verdade é que a
receita das chamadas “pêras em vinho” foi sempre reconhecida como italiana. Lembro-me
de as ter comido pela primeira vez, talvez na década de 1990, em restaurantes
italianos de Lisboa, únicos locais onde eram então confeccionadas.
Pera Martin Sec em La Pomma italiana
Depois a receita
generalizou-se e nós os portugueses, que não somos para modas, até passámos a
chamá-las “Peras bêbadas”. Estavam definitivamente aportuguesadas.
Agora eu pergunto: sou só seu
que não utilizo maçãs para fazer a mesma receita, ou somos todos?.
É que da mistura concluí que
as maçãs ficaram melhores do que as pêras. E porquê? Porque sendo mais pequenas
absorveram até mais interiormente o molho em que foram cozidas. Não se esqueçam
de usar maçãs mais verdes, isto é, pouco maduras, e de as cozer menos tempo. Depois digam-me a vosssa opinião.
[1] De re hortensi libellus (Lyon, 1536) et
Seminarium, et plantarum fructiferarum praesertim arborum quae post hortos
conseri solent (Paris, 1536).
[2] Pomona Italiana: Trattato degli alberi
fruttiferi conteneate la Descrizione delle megliori varietáa dei Frutte
coltivati in Italia, accompagnato da Figure disegnate, e colorite sul vero.
Pisa: 1842.
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