terça-feira, 23 de novembro de 2010

Objecto Mistério Nº 20. Resposta: "Penny lick"


Em relação à primeira pergunta, qual o nome do objecto mistério Nº 20, vejo-me obrigada a responder em inglês, por desconhecer se existe um nome próprio em português. Trata-se de um «Penny lick». Em português tenho que traduzir simplesmente para «copo para gelado» e, com esta afirmação, já respondi à segunda pergunta.
Este tipo de copo foi usado em Inglaterra, durante o século XIX, pelos vendedores ambulantes para vendiam gelado nas ruas. Existiam três tamanhos para além do apresentado: um menor o «halfpenny lick» e um maior «duplo penny lick». Como a palavra “lick” indica, estes gelados eram lambidos e não comidos com colher.
O vidro grosseiro e espesso permitia apresentar um copo em que as paredes exteriores não reflectiam o diminuto conteúdo. A bola de gelado colocada na pequena cavidade era reflectida pelo vidro que aumentava, de forma enganadora, o seu tamanho.

A este tipo de copos chamam os ingleses “deceptive glass”, o que se pode traduzir por “copos enganadores”.
No caso dos gelados, permitiam ao vendedor economizar no produto que vendia.

E o mesmo se passava nas tabernas, local em que, em Portugal, foram sobretudo usados. Existiram vários modelos de que apresento alguns exemplos que possuo.
O vidro espesso que caracteriza este tipo de copos não se destinava apenas a diminuir a possibilidade de quebra do vidro, tanto mais arriscada quanto se reduz a sua espessura. Tinha por fim enganar os clientes e servir uma menor quantidade do que este pensava estar a ingerir.
Nalguns casos havia quem considerasse uma vantagem o seu uso social. Um anfitrião podia acompanhar os seus convivas, bebendo por um copo deste tipo, o que lhe permitia manter maior sobriedade ao mesmo tempo que parecia acompanhar os seus companheiros.
Também são conhecidos por “copos de chefes de cerimónia”. Existe no Museu Albert and Victoria, em Londres, um exemplar destes, do século XVIII. Foi usado com esse fim, isto é, permitir ao chefe de cerimónias fazer saúdes com o seu copo enganador e manter a compostura e sobriedade que a função lhe exigia.  São contudo muito raros, uma vez que a grande maioria deste tipo de copos são do século XIX.
No séculos XVIII e XIX aplicavam-se assim conhecimentos empíricos, que mais tarde viriam a ser estudados, sobre a forma como o feitio de um copo influência o seu consumo. Não é por acaso que as “flutes” de champanhe vieram substituir as taças de champanhe de copa larga que se usaram até há pouco mais de uma década. É que com as novas flutes se bebe menos champanhe.
A mente humana tem tendência a ver nos copos altos e estreitos menos quantidade quando comparados com copos baixos, ainda que largos.  Foi isto que um estudo feito por Brian Wansink, professor americano na Universidade de Cornell, e investigador sobre os hábitos de consumo e em ciência nutricional descobriu, publicou no British Medical Journal (1): qualquer pessoa tem tendência a deitar maior quantidade de bebida num copo pequeno do que num copo alto.
Para terminar gostaria de dizer que este tipo de copo semelhante ao “penny lick” apresentado existiu também em Portugal. A prová-lo este exemplar que me foi oferecido por um amigo. Era usado em casa do anterior proprietário para pregar partidas às visitas, quando ofereciam licores ou outras bebidas alcoólicas. Encontrei um modelo semelhante no «Catálogo elaborado em 1901 pertencente à Companhia da Nacional e Nova Fábrica de Vidros» (2). Tem o nº 10 e é descrito como «cálice grosso para licor». Nesse ponto ficamos esclarecidos. Mas como o copo data do século XIX não sei se terá tido outro uso anteriormente. O que quero dizer com isto é que desconheço se foi usado para gelado.
Bibliografia:
1 - Brian Wansink and Koert van Ittersum, "Shape of Glass and Amount of Alcohol Poured: Comparative Study of Effect of Practice and Concentration”, British Medical Journal, 2005, 331:7531
2 - Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande. II centenário 1769-1969. Quadros LV e LVI.

6 comentários:

Anónimo disse...

Tudo isso está certíssimo mas também me parece que o formato do copo era para que se pudesse lamber o gelado e não comê-lo à colher. Se o copo tivesse um formato normal imaginem só o tamanho da lingua que era preciso ter.
Isabel Kiki

Ana Marques Pereira disse...

Isabel Kiki,
Isso era uma vantagem, até porque o copo ficava limpo e podia depois ser passado a outro cliente.
Houve quem não gostasse disso ... e o sistema acabou.

Carlos Caria disse...

Como sempre mais um excelente trabalho de investigação.
Hoje fiquei mais rico culturalmente, e para além dos copos de taberna que já conhecia, fiquei também a conhecer o sentido das habilidades dos comerciantes.
Parabéns Ana.

Ana Marques Pereira disse...

Carlos Caria,
Obrigada. Eu também estou sempre a aprender. É isso que torna a vida interessante.

Unknown disse...

Cara Ana Marques Pereira,
Antes de mais, quero dizer-lhe que conheci o seu blogue há pouco tempo, mas já sou fã incondicional. Como "cheguei atrasada", tenho estado a pôr a leitura em dia aos poucos.
Por isso, só hoje dei com este objecto mistério.
Gostava de lhe dizer que tenho um cálice exactamente igual ao que apresenta na última imagem. Veio de casa de familiares (tias e avós) do meu marido e sempre achei que, pelo seu formato, não poderia servir para beber o que quer que fosse. O meu marido "confirmou-me" que não era um cálice, com base na utilização que lhe era dada pelos seus antigos utilizadores: servia para molhar a boca em canela e decorar, com figuras circulares, o arroz doce.
É possível que fosse apenas uma utilização prática que era dada ao estranho objecto, mas aqui fica mais esta curiosidade.
Parabéns pelo blogue e muito obrigada por esta partilha de informação tão interessante.

Isabel Luna

Ana Marques Pereira disse...

Isabel Luna,
Agradeço-lhe igualmente a sua informação adicional. Das várias formas de decorar o arroz doce (também é um bom tema) essa parece-me das mais estranhas.
Bem vinda ao meu blogue que me dá muito trabalho mas também muito prazer, que sabe bem partilhar.