Não foi fácil descobrir o que
estava por detrás de um prato humorístico da Vista Alegre. Parti do título
«Grandes festas da Curia» e do carimbo VA verde que o situavam entre 1922 e
1947 e ao fim de dois dias (um poste num blogue dá mais trabalho do que se pensa)
consegui finalmente resolver o mistério.
Gustavo de Matos Sequeira. Colecção RCP memórias da República. |
Quando há dois dias felicitei
a Ana Maria Proserpio pela sua comunicação «A mesa e o poder nas caricaturas da
Primeira República» comentei que muitas vezes era extremamente difícil
descobrir os visados nas caricaturas. Mal adivinhava que no dia seguinte me ia
ver a braços com um mistério semelhante.
Hotel Frackfort em Lisboa com publicidade ao Palace Hotel da Curia e Bussaco. Foto Arquivo CML. |
O tema focado diz respeito às
grandes festas que tiverem lugar na Curia em 1927, entre 28 de Julho e 2 de
Agosto, para promover turisticamente a região. No jornal «Sempre Fixe» de
16-6-1927 anunciava-se que se preparavam esses curiosos festejos e que ia ser
tudo “à século XVIII”. Com ironia acrescentava: «excepto os bolos das
províncias distantes que esses vão parecer do século XVII».
O envolvimento nacional foi
grande e já em 26 de Maio a Câmara de Coimbra tinha deliberado conceder todas
as facilidades a esta iniciativa do jornal O
Século, que incluía no programa a eleição da rainha das festas e sua corte,
pelo que seriam enviadas «as mais belas camponesas da região» pelas Câmaras dos
distritos limítrofes de Coimbra, Aveiro e Viseu (Gazeta de Coimbra, 2º trimestre de 1927).
Baile. Foto ANTT. |
Antes de falar nas festas em
si falemos nas pessoas presentes no prato. À frente, comandando com um tambor
onde se encontra escrito «O Século», encontrava-se a figura de João Pereira da
Rosa. Seguia-se a de Gustavo de Matos Sequeira, o grande olisipógrafo, magro e
com os dentes de fora, segurando nas mãos o projecto para a «Lisboa antiga» que
viria a ter lugar nas festas da cidade em 1935.
Jornal O Sempre Fixe de 16-6-1927. |
Logo trás o representante do
jornal O Domingo Ilustrado, que à
data era dirigido por Leitão de Barros e Martins Barata. Este jornal foi
acompanhando a iniciativa e publicou fotos do gigante cartaz publicitário
erigido em Lisboa e mais tarde fez várias alusões às festas. Foi Leitão de
Barros quem esteve envolvido na programação e fez todas as filmagens destas
festas.
Jantar. Foto ANTT |
Não me foi possível
identificar a última figura, de ventre proeminente e chapéu à turca e espero
que alguém o consiga fazer. Em cima a imagem de um cozinheiro em cujo avental
se pode ler: Palace da Curia, Palace do Bussaco, Hotel Astória. Hotel
Metrópole, Hotel Francfort e Hotel Europa, remete-nos para Alexandre de
Almeida. O autor da paródia, ao vesti-lo com um fato de cozinheiro, insinua que
foi tudo cozinhado por este último, provavelmente para dinamizar os seus hotéis.
O prato, que não está assinado,
pintado à mão e desenhado minuciosamente, remete-nos para um caricaturista de
qualidade. E quem era?. Nada menos que Amarelhe. No jornal «Sempre Fixe» de
16-6-1927 surge o desenho completo reproduzido no prato e lá se pode ver a
assinatura de Amarelhe, não restando portanto dúvidas quanto à paternidade. A
completar a crítica humorística uma cartela apresenta escrito: «E vá de roda,
fecha a roda, que vão todos à Curia».
A primeira estrofe foi tirada
de uma música popular açoriana chamada «Sapateia» e que reza assim:
«Vá
de roda, fecha a roda,
Fecha
de meia rodela,
Mal
haja quem te dá penas,
Amada,
querida, bela.»
Cartaz publicitário a anunciar as Festas de Verão da Curia. Foto ANTT. |
Para anunciar as referidas
festas foi colocado em Lisboa pelo jornal O
Século um cartaz gigante, com 112 metros quadrados, perto da estação do
Rossio.
As festas incluíram um desfile
histórico com a actriz Palmira Bastos vestida com trajes do século XVIII conduzida
numa carruagem do Conde de Farrobo, um jantar com baile com danças antigas, uma
festa veneziana no lago, o já referido concurso, além de outras festividades.
Esta festa de Verão da Curia
foi um sucesso. Como a caricatura dos intervenientes feita por Amarelhe foi parar a um prato de
Vista Alegre já é mais difícil de explicar.
2 comentários:
Excelente publicação.
Nuno Rosmaninho,
Agradeço o seu comentário.Fico feliz por alguém gostar.
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