quinta-feira, 5 de abril de 2012

A Páscoa e as Amêndoas de Moncorvo

Ao ler um pequeno livro sobre «Trás-os-Montes» de Domingos Ferreira Deusdado, que reproduz uma conferência feita pelo mesmo na Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1930, deparei-me com uma passagem sobre as amêndoas cobertas.
Naquela época, e segundo o autor, em quase todas as povoações de Trás-os-Montes havia uma pequena industria de amêndoas cobertas que nunca faltavam nos arraiais, romarias ou casamentos, onde estas eram obrigatórias. Acrescentava que as de maior nomeada eram as de Moncorvo, onde se fabricavam as amêndoas brancas, isto é, apenas cobertas de açúcar e as escuras, cobertas com canela.
Naquele momento percebi que era sobre estas amêndoas que eu queria falar na Páscoa. Procurei informar-me e constatei que dado o facto de serem feitas à mão e a  produção ser pequena, são apenas vendidas localmente.

Embora a forma de confecção se considere um segredo e a receita vá passando dentro de cada família de geração em geração, a demonstração feita em feiras tem levado à compreensão da sua produção.
Após a «partidela» as amêndoas são peladas e torradas. São depois cobertas  em tacho de cobre com uma calda de açúcar, num ponto determinado. Chamam-se «cobrideiras» as mulheres que fazem este trabalho que exige paciência e cuidado. A queimadura pelo açúcar é uma das mais graves, devido às temperaturas que este atinge. Estas mulheres usam dedeiras para proteger os dedos, o que não impede que muitas vezes se queimem. É um processo demorado e quanto mais tempo dura a preparação mais bicos as amêndoas apresentam no final.
A amêndoa coberta de Moncorvo quando é confecionada apenas com uma fina camada de açúcar chama-se «peladinha», designa-se por «bicuda» quando essa camada de açúcar se apresenta em grânulos sobre a amêndoa e por fim, quando é coberta de canela e agora também de chocolate, chama-se «morena».
Compreende-se que este é um processo muito antigo. De tal modo que, ao ver as imagens destas amêndoas, rapidamente nos vem à memória as drageias espalhadas sobre as mesas que enfeitam os quadros de Josefa de Óbidos (1630-1684).
À esquerda fabrico da drageias lisas e à direita das drageias perladas
Avanço um século no tempo e recordo-me da imagem publicada na Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers... de Diderot et D’Alembert (1751-1772) onde se mostra a forma de confecção dessas drageias. Passo a explicar: Numa tina colocada em agitação constante pelo confeiteiro, vão caindo uns pingos de açúcar através de um funil colocado superiormente a este. O resultado era umas belas “drageias perladas”.
No fundo um processo diferente para obter um resultado muito semelhante. Quanto mais tempo durava a fabricação mais numerosas eram as pérolas ou bicos.
Processos antigos que a tradição mantém e que não podemos deixar morrer.
Uma Feliz Páscoa para todos, com muitas amêndoas.

PS. Agradeço à minha amiga Ivete Ferreira e à sua cunhada, que se esforçaram para me conseguir estas amêndoas, trazidas directamente de Moncorvo, mesmo a tempo de eu fazer este poste.

6 comentários:

Especialmente Gaspas disse...

Delicia :))

Anónimo disse...

Muito interessante este postal sobre amêndoas transmontanas que eu desconhecia embora meu pai fosse natural duma ínfima aldeia perto de Bragança.
Uma doce Páscoa para si.
José

Anónimo disse...

Olá Ana

Deliciosas as suas amêndoas!
O texto que acompanha as imagens elucida bem a morosidade da sua manufactura. A associação a Josefa de Óbidos é excelente.
Doce Páscoa.
if

Carlos Caria disse...

Não as posso comer por motivos obvios, mas não deixo de apreciar esses exemplares da doçaria Portuguesa.
Boa Páscoa para todos.

Anónimo disse...

Olá Ana!
Obrigado por relembrar as amêndoas que adoçam a minha infância (o meu pai é de uma aldeia vizinha a Torre de Moncorvo).
Beijinhos de boa Páscoa e obrigado!

schacim

Sofia Loureiro dos Santos disse...

Como sempre excelente. Boa Páscoa para ti, com amêndoas de Moncorvo e com drageias de licor (bonjour, da Arcádia)!
Bjs