Nesta época de comida empratada, isto é, servida no prato, em que a carne nos é apresentada fatiada, nada nos recorda a necessidade de saber trinchar.
Foi contudo durante séculos, nas cortes reais e nas grandes casas, considerada uma arte destinada a ser executada por um nobre ou, em alternativa, o cumprimento deste ofício permitia ascender à nobreza. Foi um ofício da Casa Real, entregue a uma determinada família e que passava por tradição para o seu descendente. Em Portugal, essa função esteve na família dos Lobos, durante o reinado de D. João III, tendo sido D. Filipe Lobo, quarto filho do 2º Barão de Alvito o primeiro dos Lobos que exerceu o ofício de Trinchante-mor do Rei. Posteriormente e durante vários séculos manteve-se na família Cunha. Um dos conjurados de 1640, D. António Álvares da Cunha, Senhor do Morgado de Tábua, foi Trinchante de El-Rei D. João IV e de D. Pedro II.
Não é agora o momento de analisar os nomes que exerceram tão conceituada função, em que a perícia do corte das carnes era apenas um dos aspectos da execução, suplantado pela confiança que se exigia num ofício de tão grande proximidade ao rei ou senhor.Foi contudo durante séculos, nas cortes reais e nas grandes casas, considerada uma arte destinada a ser executada por um nobre ou, em alternativa, o cumprimento deste ofício permitia ascender à nobreza. Foi um ofício da Casa Real, entregue a uma determinada família e que passava por tradição para o seu descendente. Em Portugal, essa função esteve na família dos Lobos, durante o reinado de D. João III, tendo sido D. Filipe Lobo, quarto filho do 2º Barão de Alvito o primeiro dos Lobos que exerceu o ofício de Trinchante-mor do Rei. Posteriormente e durante vários séculos manteve-se na família Cunha. Um dos conjurados de 1640, D. António Álvares da Cunha, Senhor do Morgado de Tábua, foi Trinchante de El-Rei D. João IV e de D. Pedro II.
Competia ao trinchante escolher os melhores pedaços de carne e seccioná-los de forma elegante e que fosse facilmente ingerida, tarefa essencial numa época em que os dedos cumpriam a função do garfo.
O cargo exigia o conhecimento das preferências do seu senhor, um trato correcto e sobretudo a confiança da não adulteração do produto alimentar, quando o risco de envenenamento era uma preocupação constante.
De entre os ofícios da Casa Real, de que destacamos o de Vedor, o de Copeiro, de Manteeiro, de Monteiro-mor, etc, nenhum teve direito a prosa escrita, da forma como aconteceu com o de Trinchante-mor.
O primeiro texto que se conhece é da autoria de Don Henrique de Aragon, conhecido por Marquês de Vilhena (1384-1434) e intitula-se “Arte Cisoria, tratado del arte del cortar del cuchillo”. Redigido em em 1423, o manuscrito manteve-se até hoje na Biblioteca Real de São Lourenço do Escorial, mas foi divulgado sob forma manuscrita por várias cortes. Só em 1766, seria publicado, numa edição realizada pela Oficina de Antonio Marin, de Madrid. A esta muitas outras edições se seguiram.
O primeiro livro impresso sobre este tema e um dos mais divulgados foi «Il trinciante» de Vicenzo Cervio, que viu a luz em Veneza em 1581. Uma segunda edição ampliada saiu em Bolonha em 1593.
Também a obra de Bartolomeo Scappi, cozinheiro do papa Pio Quinto «Opera», publicada a primeira vez em Veneza em 1570 e reeditada sete vezes até 1646, apresentava na sua edição de 1605 um capítulo sobre «il triciante & il mastro de casa». Trata-se de uma obra em que são apresentadas imagens das facas então em uso, para além de outros utensílios de cozinha.
Em Inglaterra o tema foi objecto de publicação, em 1591, com «A booke of cookrye» e, em 1638, da autoria de J. Murrell «Murrels two books of cookerie and carving».
Não mencionaremos os múltiplos livros sobre este tema publicados durante o século XVI e XVII na Holanda e Alemanha, com longos e complexos títulos, que dificilmente nos acrescentariam alguma informação, por desconhecimento da língua.
Saltamos assim inúmeras publicações para chegar ao século XIX e referir Grimod de la Reynière, no seu «Manuel des Amphitryons», que continha um tratado de dissecação das carnes na mesa. Publicado em 1808, o seu autor afirmava: «Saber trinchar é um conhecimento indispensável: pode-se comparar um anfitrião que não sabe trinchar ao possuidor de uma biblioteca que não sabe ler». Desta forma salientava a importância do assunto, que passava a ensinar, através de descrições breves das várias peças de carne e caça, para o que utilizava gravuras da «Art de trancher la viande» obra de Jacques Vontet, do século XVII, em que os desenhos foram atribuídos a Pierre Petit.
Não existe nenhum livro português sobre a arte de trinchar. Embora não tenha feito uma investigação exaustiva sobre o tema, não me recordo de, em algum livro de culinária de língua portuguesa, existir sequer um capítulo sobre o assunto.
Apesar disso não existia casa burguesa que soubesse receber, em que o dono da casa não soubesse trinchar. Era uma distinção que competia ao homem da casa em dias de cerimónia, apenas substituída pela oferta dessa opção a um convidado que se queria honrar. Recordações que se guardam na memória, de dias de festa, como a época de Natal, e a que os mais novos dificilmente terão acesso.
3 comentários:
Excelnte blogspot.
Ajudou-me na minha prova de aptidão profissional "Arte cisória"
Cumps
Bruno,
Fico contente por a minha pequena investigação lhe ter sido útil.
Gostava de saber a que prova de aptidão se refere.
Cumprimentos
Prova de aptidão profissional 12º relativamente ao curso de técnico de restauração.
Se por ventura, tiver mais informação sobre este assunto , pedia-lhe que me enviasse.
:)
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