Quando era pequena costumava ir com o meu pai comprar queijo fresco e requeijão à Quinta do Pinheiro. Era uma quinta que ficava numa das saídas da Covilhã e cujo nome se devia a um enorme pinheiro, centenário que, dizia-se, eram preciso vários homens de mãos dadas para o abraçar.Tinha uma casa grande de pedra com uma cozinha escura. A chaminé enorme, era daquelas em que as pessoas se sentavam lá dentro, de cada lado do fogo, em pequenas cadeiras. Lembro-me de ver no centro da lareira um caldeirão de ferro, suspenso por uma cadeia, onde fervia um líquido branco, mexido com uma grande colher de pau, que era o requeijão. Foi assim que aprendi como se fazia o requeijão.
Um dia um raio atingiu o pinheiro que desapareceu. Mais tarde foi a fúria construtiva, devido ao crescimento da cidade que destruiu a casa e levou á ocupação do terreno com prédios de vários andares, incaracterísticos, que se vêm agora no local.
Fiquei sempre com a memória daquele requeijão, que em minha casa se comia com açúcar e canela. Apesar de se dizer que na Beira Baixa é tradicional comer o requeijão com doce de abóbora, nunca conheci ninguém que o fizesse nessa época.
Continuei sempre a comer o requeijão como me recordava dele. Quando cheguei a Lisboa acontecia-me comprar um requeijão condensado e salgado. Havia mesmo lisboetas que o comiam com sal e pimenta. Quando inadvertidamente comprava um desses, punha-o de molho em água, para tirar o sal e juntava-lhe depois um pouco de leite. Sem saber estava a aproximá-lo da ideia de travia.
Tanto o requeijão como a travia são subprodutos do fabrico do queijo e ambos se obtém pela precipitação ou coagulação, por acção do calor, da lacto-albumina e lacto-globulina existentes no soro que resulta do fabrico dos queijos.
O requeijão tem o feitio de um pequeno queijo e era vendido individualmente em pequenos cestos de verga. Estes foram depois substituídos por cestos em plástico, ou vendidos embrulhados em papel vegetal timbrado. Mais modernamente são vendidos em embalagens plastificadas.A travia é semelhante ao requeijão mas apresenta-se sob a forma líquida, por ter adicionado algum soro. Toma portanto a forma do recipiente que a contém. Vendidas tradicionalmente na região de Alcains ao litro, transportadas em embalagens designadas “ferrados”, é hoje vendida em caixas de plástico. A travia da Beira Baixa é hoje um produto DO, isto é, com denominação de origem, e são lhe exigidas determinadas características.
É difícil de encontrar fora da zona de produção, mas recomendo que a experimentem. O seu sabor láctico adocicado torna-o um prazer. A mim transporta-me à infância.
3 comentários:
O requeijão em cestos de verga, temperado com sal e sem soro,era carateristico da região de Seia. O Requeijão da Beira Baixa nunca foi servido com sal.
Minha sogra(Fundão) ainda hoje adoça o requeijão e julgo que a travia;
não mistura doce de abóbora nem tem
memória de tal.
José
Obrigado a ambos os anónimos pelas achegas. A minha ideia é que, a associação com o doce de abóbora, é uma moda muito recente.
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