domingo, 29 de outubro de 2023

A Fábrica Popular de Bolachas

 

Durante o século XIX os portugueses descobriram as bolachas e biscoitos, feitos industrialmente, pela mão dos ingleses. A indústria de bolachas começou em Inglaterra com a criação da fábrica Huntley & Palmers, em 1822. Outras se lhe seguiram e várias fábricas começaram a vender o seu produto em Portugal, distribuído por diversas casas comerciais, em atrativas caixas coloridas, geralmente cúbicas, de grandes dimensões.

No que respeita à fábrica aqui mencionada, de que mostramos esta bela caixa, a Fábrica Popular de Bolachas e Biscoitos, foi inicialmente dirigida por MM. Gonçalves e Silva. Fundada em 1890 tinha a sua frente um homem experiente que tinha já trabalhado noutra fábrica do mesmo tipo, provavelmente na Fábrica da Pampulha, fundada em 1870.[1]

Em 1908 mudou as instalações para terreno próprio em Lisboa, na Rua da Junqueira, Nº 288, num edifício que hoje já não existe, e que se encontra documentado na tampa desta caixa e em vários anúncios publicitários.

Segundo um artigo de jornal da autoria de H.  Léon,[2] que visitou Portugal, nela eram empregues as melhores farinhas.  Na sua constituição entravam também manteiga, ovos e perfumes (aromas). Feita a massa, era achatada com rolos, e passava depois a aparelhos especiais (franceses e ingleses) que cortavam automaticamente as bolachas e biscoitos, que iam depois ao forno.

Eram em seguida colocadas em latas de folha-de-flandres, ornamentadas “com lindas etiquetas”. Quanto às variedades eram descritas cerca de 91, sendo as mais conhecidas as de Araruta, Combinação (30 variedades); Maria e Patriotas. Estas últimas mostravam o retrato de um personagem importante de Portugal, em pontilhado.

0 Anunciador Artístico 1913
Em 1910 encontramos publicidade como sendo a fábrica, nessa data, de José Manuel da Silva e dizendo que era a única no país movida a electricidade. Disponibilizava então já 300 variedades de bolachas. Seguindo o espírito republicano apresentava nas novas variedades: Homenagem às Câmaras Republicanas; Homenagem às Cantinas Escolares; Crise, entre outras. 

Imagem do IPPAR. Foto de Henrique Ruas. 
Saliente-se o modelo A portuguesa, em Homenagem ao hino nacional e a Alfredo Keil. Mantinham, contudo, as variantes mais comuns: Maria; Torrada e Silva.

O grafismo republicano nas folhas usada para envolver as caixas de bolachas, é muito interessante e possuo uma bela colecção que apresentarei oportunamente. Para já ficamos com estas belas imagens.



[1] PEREIRA, A.M. 2023 (no prelo). Receitas Particulares e Curiosas: 171-172.

[2] Artigo no jornal Le Panthéon de l'industrie, de 1 de Agosto de 1892.

sábado, 14 de outubro de 2023

Bonecas recortadas


 Não consigo recordar-me se brinquei com bonecas de papel recortadas, o que torna pouco provável que tal tenha acontecido. Mas sei que os livros infantis com figuras de meninas e meninos, com os seus múltiplos fatinhos, que se cortavam laboriosamente com uma pequena tesoura e que permitiam depois, através de pequenas aletas, adaptá-las ao corpo das figuras, exerceram sempre sobre mim uma grande atracção. 
Figura recortada e aguarelada. Laço em papel

Fui-os juntando: os livros e as peças. Num dossier foram, a pouco e pouco, entrando as várias imagens. Na primeira metade do século XX usaram-se publicações próprias para esse fim, adaptadas ao gosto e modas de então.
Mas comecei a perceber que no século XIX, mesmo famílias abastadas, usavam bonecas recortadas de revistas ou modelos feitos de raiz. Usando modelos já conhecidos ou copiados de revistas eram desenhados a papel e os vestidos eram depois pintados, a lápis ou com aguarelas. 
Alguns vestidos, como os de baile, apresentavam mesmo purpurinas coladas. Num último achado, juntamente com as bonecas vinham amostras de papel de embrulho, que permitiam uma outra variante que era fazer os vestidos com os padrões desse papel. Nalguns casos serviam apenas de base, noutros, sobretudo nas cores mais claras, eram desenhados pormenores por cima. 
Mas o mais interessante foi encontrar papéis que tinham sido forros de envelopes de carta. Esses forros eram habitualmente muito discretos, mas ao mesmo tempo encantadores. Feitos de papel muito fino elevavam a categoria da correspondência, sendo usados em situações de maior cerimónia. Que tivessem sido reutilizados para fazer vestidos de bonecas, nunca tal me ocorrera. 
Em cima vestido feito com papel de embrulho e desenho aguarelado e picotado e em baixo vestidos feitos com forro de envelope de carta

 Gosto de descobrir coisas simples do passado, de imaginar a mãe a orientar a filha nesse trabalho, numa forma de reciclagem tão intuitiva. Era um tempo em que não existia a abundância de hoje, em que tudo se valorizava. Não se tratava de reciclar, apesar da expressão antes empregue, mas apenas de aproveitar o que havia ao dispor. Nesta sociedade de excesso de consumo ficam alguns exemplos que nos transportam para uma época com outras noções de brincadeira, de ocupação de tempo e de reutilização de materiais.

Papel de embrulho em cima e em baixo forros de envelopes.