segunda-feira, 11 de março de 2024

A cozinheira da República

Chamava-se Júlia dos Santos e foi a proprietária da “Barraca Alegre”, que funcionava na “Feira de Agosto” no local da Rotunda. 
Mulher a assar sardinhas. Feira de Agosto. Arquivo CML.
Nesse local funcionavam também os teatros Maria Vitória e Júlia Mendes e vários barracas de farturas e a da Maria Botas, que tinham vindo das feiras de Belém e de Alcântara e que mais tarde iriam para o Parque Mayer. Júlia dos Santos refere igualmente o Artur das Farturas, que posteriormente iria também estabelecer-se no Parque Mayer.
Feira de Agosto. Arquivo Fotográfico CML
A chamada “cozinheira da República” foi entrevistada em 1931 por Tomé Vieira para o jornal O Notícias Ilustrado. Nas vésperas da revolução havia fugido do seu local de venda, receosa, até porque tinha tido conhecimento do assassinato do Dr. Miguel Bombarda, que havia sido seu médico. Voltou à sua barraca para acautelar os seus pertences, mas acordou rodeada por tropa e gente armada.

Cruzou-se com o tenente Brandão, na casa de quem havia trabalhado, que ao vê-la disse para Machado Santos: “Já temos cozinheira”. António Machado Santos foi considerado um herói da Rotunda e um pai da República., tendo tido uma vida atribulada, com altos e baixos até ao seu assassinato na Noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921.

Aos olhos de Júlia Santos ele era já um herói. Descrevia-o como estando sempre em movimento, a dar ordens aos homens que dirigia. Quando chegou ao local dirigiu-se a todas as barracas de “comes e bebes” e mandou despejar os barris de vinho no chão e partir as garrafas de bebidas. Explicou que não queria que o pessoal se embebedasse. O jornalista comentou então que teria tido grande prejuízo. A resposta foi: “Não, pagaram tudo”.

Acrescentou ainda que, depois que acabou a revolução, Machado Santos disse-lhe: “Fica encarregada de distribuir pelos pobres todos os géneros que ali estão”. Assim fez e, esse bodo aos pobres, passados todos aqueles anos, ainda lhe trazia recordações felizes.

Na altura da entrevista vivia na “Villa Fernando”, na Rua Possidónio da Silva, rodeada pelos netos e com o marido paralítico, agradecia agora que se lembrassem dela.

As fotos, da autoria de Ferreira da Cunha, ilustravam o artigo.

segunda-feira, 4 de março de 2024

Museu Virtual: Conjunto para refresco.

  

Nome do Objecto: Serviço para refresco em vidro.

Descrição: Conjunto de 6 copos de vidro altos, para refresco e de 6 copos pequenos (Shot), com balde de gelo central. Assentam numa estrutura metálica e tem uma pequena pega para transporte.

 Material: Vidro e metal. As peças em vidro têm uma cobertura que se assemelha às peças Wedgwood “jasperware”. A cor de base é o verde (podiam ser igualmente em azul) e apresentam relevos brancos. Os motivos mais frequentes são figuras gregas, intercaladas com árvores e apresentam um friso superior decorativo.

 

Época: Década de 1960.

 Marcas: Não tem

 Origem: Oferta de Teresa Rodriguez.

 Grupo a que pertence: Equipamento para o serviço e consumo de bebidas.

 Função Geral: Serviço e consumo de bebidas.

 Função Específica: Servir bebidas frescas (refrescos e outras).

 Nº inventário: 5102.

Notas:

Conjunto produzido pela Jeannette Glass Company, fábrica com início em 1898 e que anteriormente era a Jeannette Bottle Works que começou a produção no final da década de 1880, em Jeannette, Pensilvânia, USA. Ficou conhecida pela produção de vidros conhecidos por “Depression” (fabricados no período da Depressão) em cores que variavam do tradicional rosa, verde e transparente a uma cor azul-esverdeada mais incomum, chamada ultramarino.

Na década de 1960 produziram peças de vidro semelhantes ao estilo inglês Wedgwood Jasperware. Os mais divulgados foram os decorados com cenas de indivíduos vestindo toga e um cavalo e uma carruagem em cor branca sobre painéis verdes, ou azuis, com um a banda grega e desenhos de folhas de palmeira. Terminam muitas vezes com um filete dourado. Em 1970, o nome da empresa mudou para Jeannette Corporation, tendo a fábrica encerrado em 1983.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

Convite: apresentação do livro “Receitas particulares e curiosas” em Guimarães

  

Para quem tiver disponibilidade e esteja por perto aqui fica o convite para passar um agradável dia em Guimarães, a ver e a falar de flores e frutos outrora exóticos, e hoje tão abundantes na região. Pelo meio, vou apresentar o meu último livro incidindo na análise dos citrinos aí referidos. Apareçam!

CONVITE

Por vezes, os Deuses ajudam e tornam possível congregar, num único sábado, dia 24 de Fevereiro, actividades relacionadas com flores e frutos, num Paço dos Duques rodeado de 39 hectares de zona verde!

 

SÁBADO, DIA 24 DE FEVEREIRO, PAÇO DOS DUQUES

 

Horário

Evento

10h00-18h00

Exposição de camélias de Guimarães, no pátio do Paço dos Duque.

Organizado pela Câmara Municipal de Guimarães.

11h00

Apresentação do livro «Receitas particulares e curiosas: Manuscritos do século XIX

da família Coelho Villasboas», de Ana Marques Pereira e Álvaro Teixeira de Queiroz

15h00

Assinatura de protocolo de depósito da palmilha do sapato de D. Constança de

Noronha (séc. XV) entre a Venerável Ordem Terceira de S. Francisco de Guimarães e

 a Museus e Monumentos de Portugal E.P.E.

16h00

Lançamento do livro «A flora nas coleções do Paço dos Duques de Bragança»,

de Sasha Lima, editado pela Associação de Amigos do Paço dos Duques de Bragança e

 Castelo de Guimarães.

17h30

Inauguração da exposição de arte contemporânea «Impressions of camellia and lemon

/ Impressões de camélia e limão», de Isabel Pavão

18h30

Lançamento do catálogo da exposição «Impressions of camellia and lemon /

Impressões de camélia e limão», de Isabel Pavão

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Revista Scaena. “À mesa no Teatro Romano”


 Com este título “À mesa no Teatro Romano”, em 2021 e 2022, teve lugar um ciclo de palestras no Museu do Tetro Romano, em Lisboa. Com um leque grande de palestrantes e uma temática variada, em plena pandemia, as pessoas assistiram às conferências por via zoom ou pessoalmente.

Foi uma aposta conseguida que teve grande sucesso e culminou agora na apresentação da revista Scaena Nº V, dedicada a este tema.

Tive o prazer de participar e mostro aqui um bocado do texto sobre “A encenação da Mesa”.

Como poderão ver pelo Índice, a revista, que tem uma apresentação gráfica belíssima, vale mesmo a pena. Merece a divulgação.

 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O gosto pelos citrinos

  

Os sabores agridoces tornaram-se o símbolo da cozinha aristocrática medieval, presentes nas principais obras de culinária da época.

Os molhos eram preparados com um líquido de sabor ácido (vinagre, agraço, vinho, etc.) aos quais se adicionavam elementos aromáticos, “gengibre, canela, cravo-de-cabeça, pimentão, macis, açafrão, noz-moscada, plantas aromáticas, e açúcar ou mel, considerados na época como especiarias”.

Frontispício do livro Hesperides, 1780
A partir do século XIV o limão, surgindo timidamente, tornou-se num alimento requintado. Estava já presente no 1º tratado de culinária francesa, Le Viandier, de Guillaume Tirel, conhecido como Taillevent (1310-1395).
Le Viandier. Taillevent

Os Medici tiveram uma verdadeira paixão pelos limões que começou no início do século XV com Cosimo de Medici que plantou citrinos em grandes vasos e continuou com Francesco I de Medici (1541 – 1587). Na sua Villa, perto de Florença, criou uma limonaia, isto é, uma estufa com citrinos.

Bartolomeo Bimbi. Citrinos dos Medici.
O seu descendente Grande Duque Cosimo III (1642 – 1725), ampliou a colecção, tendo chegado a cultivar 116 variedades de critrus no seu jardim. Esta diversidade foi documentada por Bartolomeo Bimbi que as pintou.

Hesperides. 1708. Laranja de Portugal
Este culto pelos citrinos, em especial o limão e as suas variants, mostrou-se nos séculos seguintes com uma culinária em que se mantinha o recurso aos ingredientes ácidos, embora numa proporção menor. São então mais variados do que na Idade Média, visto que o sumo de laranja amarga, e mais ainda o sumo de limão, se vieram juntar ao vinho branco, ao vinagre e ao agraço, na confecção dos molhos.

Jean Davidsz  de Heem, séc. XVII
Sendo um produto de luxo e o seu aparecimento nos países frios do norte da Europa, foi um triunfo da ciência e da botânica. Em consequência multiplicaram-se as pinturas de naturezas mortas em que o limão marcava presença no século XVII, sobretudo nos países baixos. É que a presença de limão à mesa era sinal de abastança.


Hesperides, 1708. Limão de Portugal
Mas se a beleza das múltiplas pinturas é mais conhecida, que dizer dos primeiros livros sobre citrinos. Refiro-me à obra do botânico Johann Christoph Volkamer (1644-1720), publicada em 1708 e com o título impressionantemente extenso As Hespérides de Nuremberg, ou: uma descrição detalhada dos frutos nobres da cidra, do limão e da laranja amarga; como estes podem ser correctamente plantados, cuidados e propagados naquela e nas regiões vizinhas. Nele podemos encontrar imagens de o Limão e da Laranja de Portugal.

Frontispício do livro de Ferrari, 1646

 A sua estética com laços coloridos onde se podiam ler os nomes dos locais de origem dos citrinos foi influenciada por um livro anterior de Giovanni Baptista Ferrari publicado em 1646 e igualmente chamado Hesperides sive de Malorum Aureorum Cultura et Usu Libri Quatuor. Falando sobre citrinos defendeu o uso de orangeries, para protecção dos frutos nas zonas frias, tal como nas zonas mais quentes. 

Estufa. Livro de Ferrari, 1646.

Na  realidade estas estufas serviam de abrigo às várias árvores citricas que, colocadas em grandes vasos, entravam e saíam de acordo com as estações, como ainda hoje acontece nalguns palácios históricos.

Aqui ficam as belas imagens e voltarei ao tema para explicar porque o escolhi.

 

 

 

 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Calembur ou o “sempre a aprender”

Descobri um artigo engraçado num Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro de 1866. Intitulado “Calambur “descreve uma loja da época, existente na Rua Nova do Carmo, de que não chegamos a saber o nome e que, pelos vistos, vendia candeeiros e lustres.

É interessante porque ainda ontem me tinha cruzado com uma outra palavra de origem francesa, muito usada no século XIX, a tournure, que desapareceu tal com a própria peça.

Um calembur ou calemburgo é um jogo de palavras, um trocadilho que, sendo diferentes na significação, são semelhantes no som, dando lugar a equívocos. Teve origem em França, sendo a palavra calembour usada, segundo alguns, desde a época de Luís XV.

Durante o século XIX e ainda durante o início do século XX este tipo de trocadilhos esteve muito em voga, tanto em Portugal como no Brasil.  Um artigo publicado na brasileira Revista da Semana, de Janeiro de 1929, intitulado “Os Calemburgos” identificava vários especialistas no tema, fazia uma pequena história do uso da palavra e dava vários exemplos deste tipo de trocadilhos.

Aqui chegados, vejamos com atenção o texto e a imagem e deve dizer que, pela primeira vez, me concilio com o humor oitocentista, de que não sou grande fã.