domingo, 30 de outubro de 2011

O chá Li-cungo


Foi ao folhear o jornal Século, de 16 de Outubro de 1948, um “Número especial dedicado ao Império”, de grandes dimensões e volume, que me deparei com uma notícia sobre a Companhia da Zambézia e o Chá Li-Cungo.

Após a Conferência de Berlim, em 1885, onde Portugal assumiu a obrigação de assegurar a ocupação efectiva dos seus territórios, Joaquim Carlos Paiva de Andrade que era oficial do exército português e adido militar em Paris, decidiu
explorar as riquezas minerais de Moçambique.

A sua proposta inicial, em 1878, foi para efectuar uma exploração mineira e florestal de uma vasta área da Zambézia e em Maio de 1892 fundou a Companhia da Zambézia, com capitais vindos de vários países além de Portugal, como a África do Sul, a Alemanha, a França, a Inglaterra, os Estados Unidos, etc.

A concessão seria posteriormente alargada a outros territórios limitados pelo rio Li-cungo, cujo nome viria a ser dado a uma das maiores produções da empresa: o chá.
Embora a produção inicial da companhia tenha sido de coco, borracha, café, arroz e outros produtos, em 1934 iniciou a produção de chá. Para além das plantações foi construída uma fábrica de transformação do chá.
Com a aprovação dos ingleses, o chá foi introduzido em Londres onde foi considerado de grande qualidade. Seguiu-se a exportação para a Turquia, Pérsia, Polónia, Checolosváquia, América do Norte, Espanha, etc.
Edifício da gerência da Companhia da Zambézia, em pleno palmar

Em Portugal, porém, o chá da África Oriental continuava desconhecido e os apreciadores desta bebida continuavam a consumir chá Lipton ou Horniman.
Começou então uma campanha publicitária em Portugal, ao chá Li-cungo, com ofertas de amostras de chá e de serviços de chá em louça contra a troca de pacotes.

O chá era vendido em pacotes de cartão de várias cores, consoante a quantidade. Ficou mais conhecido o pacote amarelo, que correspondia aos 100 gramas, mas recordo-me de pacotes mais pequenos de cor rosa.
Um dos modelos de bule e açucareiro feitos pela Fábrica de Sacavém
O sucesso em Portugal foi grande e a sua venda não parou de crescer. Era considerado internacionalmente um chá de qualidade e a sua produção foi também aumentando progressivamente. Assim, de acordo com a notícia do Século, a sua produção que, em 1935, era de 37.000 toneladas aumentou, em 1947, para 243.699.

Desconheço a data em que a sua importação para Portugal foi suspensa. Há alguns anos surgiram no mercado novamente embalagens de chá Li-Cungo, de forma esporádica.
Infelizmente não possuo dados para terminar esta história, que parecia de sucesso.

domingo, 23 de outubro de 2011

Os utensílios de cozinha Tala

O nome Tala é conhecido por todos os apreciadores de artigos de cozinha. A marca, de origem inglesa, deve o seu nome à abreviatura de Taylor & Law and Co.

A empresa foi fundada em 1899, ainda hoje existe, e continua a produzir, para além de utensílios modernos, alguns objectos de maior sucesso, iguais aos originais, para grande orgulho dos ingleses.

Em Portugal o importador dos utensílios de cozinha foi a Casa Jasmim, Ldª como nos mostra um interessante envelope que adquiri. Designados à inglesa: «kitchen ware», os utensílios eram anunciados como «Os melhores artigos de cozinha da Grã-Bretanha».

A mesma casa comercializava igualmente o célebre balão de vidro para café, que permitia fazer o café à mesa, para deleite dos apreciadores, após uma refeição cuidada e com tempo. A marca «PALMEX» fazia crer que era uma linha pertença da mesma casa.
Publicidade de 1938
Esta situava-se na Rua da Palmeira, 28 - B, à Praça Rio de Janeiro, em Lisboa.
Esta designação diz respeito à Praça do Príncipe Real, que já existia desde 1869. Este nome foi alterado para Praça Rio de Janeiro em 1911, tendo-se mantido até 1948. Este intervalo permite-nos datar este envelope, e consequentemente a firma, nesse período.

E deixo-os com dois objectos icónicos da produção Tala, com formas para recortar bolachas.

A primeira, com caixa em cartão tem doze «atractivas» formas que permitem cortar bolachas do feitio de coelhos, cruzes, anjos, peixes, etc. e a segunda caixa, em folha-de-flandres, com formas com feitio mais clássico, circulares, onduladas e em quatro tamanhos (pastry cutters).

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Jornal "Lisette" e o risco dos fogões

Como a apoiar a afirmação do post anterior, em que se valorizava a vantagem do fogão norueguês, em que não era necessário vigiar os alimentos, mostro hoje o aspecto contrário: o risco de incêndio com os fogões a lenha.

O semanário Lisette, Journal des Fillettes, que como o nome indica era dedicado às meninas, era distribuído com o Petit Echo de la Mode que as suas mães adquiriam para estarem a par da moda.
Publicou-se em França de 1921 a 1942, tendo sido interrompido devido à guerra. A sua publicação seria retomada em 1946.
O número de 5 de Abril de 1931, incluía uma história intitulada «La bonne Fougasse» em que uma menina após ter feito uma fogaça para a visita da tia, a colocou no forno e negligentemente foi para o seu quarto, deixando o fogão sem vigilância.
O resultado foi um incêndio na cozinha a que acorreram os bombeiros, como nos mostra o desenho da capa. E claro, a tia não teve fogaça para o seu lanche.
Uma história educativa para meninas em aprendizagem de dona-de-casa.

sábado, 15 de outubro de 2011

O fogão norueguês, uma resposta para a crise

Era suposto falar de uma livro de receitas portuguesas que adquiri. Trata-se de «As 500 melhores receitas para Cozinhar» de Olga de Albuquerque. Sem data de publicação, mas seguramente do início do século XX viria a ser seguida por uma outra publicação da mesma autora, em 1953, intitulada O Prazer da Mesa, que tal como o anterior se definia como um livro de «receitas práticas, ensinadas pela imagem e pelos processos ultramodernos».
No entanto não é sobre o livro que eu quero falar mas sim sobre um anúncio que surge na última página.
Refiro-me à publicidade ao fogão norueguês, o «fogão que não gasta combustível». Este era vendido na Rua da Hera, 17, em Lisboa, pela quantia de 200$00, sendo salientado com o seu uso a economia obtida tanto em combustível como em tempo, sem o risco de queimar os alimentos e tornando os alimentos mais saborosos.
De que falamos então? Trata-se do que em França e na Bélgica era conhecido como “marmite norvégienne” (ou fogão sem combustível ou auto-cozinha) que era uma caixa isolante, cujo principio de funcionamento não se afastava muito do de uma garrafa térmica. O isolamento da caixa permitia que o prato, iniciado ao lume num fogão normal, interrompesse o seu cozimento para acabar de cozer no seu próprio calor, durante horas, dentro de uma caixa estanque. O calor não podendo sair da caixa hermética, permitia um acabamento lento do prato.

Não se surpreendeu o princípio. Lembro-me de em minha casa se fazer um arroz, que após um cozimento inicial ao lume, se embrulhava em jornais e ia cozendo a pouco e pouco. Utilizava-se este método para pic-nics ou em casa. Eu própria quando me lembro, e não estou em cima da hora, procuro fazer isso.

Quando há alguns anos falei com uma doente minha sobre o início da electrificação ela referiu-me que se lembrava de em pequena existir em sua casa uma «caixa de serradura», isolante, que não era mais do que um fogão norueguês. Fiquei então a saber que se tinha utilizado em Portugal mas não tinha ainda encontrado publicidade ou referência e este método.
Sabe-se que este tipo de fogão existiu em França desde 1870, precisamente por ter sido referido numa revista com essa data. Teve grande divulgação durante a guerra de 1914-1918 e em 1938 ainda era ensinado o seu uso em aulas nas escolas francesas.

Ficou esquecido entretanto. Mas em 2004, no Salão da Água e da Ecologia da Casa, fez furor um stand sobre economia de energia intitulado «Négawatts» em que se apresentava um cubo com isolamento, com cerca de 50 cm destinado a meter os tachos para acabar de cozer a comida.
Associações como «Les amis de la Terre» começaram a defender o seu uso uma vez que a redução do consumo de energia com este método vai de 50 a 75%, com grandes vantagens sobretudo em países com problemas de energia. Hoje é possível encontrar na net vários sítios que ensinam a fazer o próprio fogão norueguês, bem como receitas para o mesmo, entre as quais algumas elementares como ensinar a fazer em casa os próprios iogurtes.
Imagem extraída do livro «Cuisine Auto-Cuiseur» de 1917
Em tempo de crise, e perante as medidas de austeridade agora apresentadas pelo governo, faz sentido voltar atrás no progresso e apresentar um fogão que a ecologia e o bom senso recuperaram.
É esta a verdadeira «slow food».

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Molho Teryaki e o Molho de Soja

A nossa alimentação está cada vez mais globalizada e o uso de molhos orientais tornou-se rotina.

Após uma ida a um supermercado oriental onde comprei condimentos chineses, japoneses e tailandeses passei por um outro indiano onde costumo fazer compras. Ambos se situam na zona do Martim Moniz que, em questão de comércio, é o nosso mercado mais internacional.

Poderia falar das várias compras, algumas das quais ainda nem sei bem como as usar, mas vou-me centrar apenas nestes molhos.
Tanto o chamado «molho de soja» de origem chinesa, e usado em vários países orientais, como o «teryaki» de origem japonesa, são molhos de soja fermentados. Há alguns meses vi uma reportagem na televisão sobre a produção de molho de soja na China. Fiquei espantada por ver centenas de potes ao sol, cobertos, onde o molho de soja fermentava durante meses, antes de ser engarrafado. Tudo muito artesanal.
De acordo com a Oxford Companion to Food a soja, em feijão, cultiva-se na China desde há mais de 3.500 anos, mas o molho de soja é mais recente. Desenvolveu-se na dinastia Zhou (1134-246 BC), apresentando-se sob a forma liquida (shoyu) e sólida (miso).
Quanto ao nome «soja», usado na Europa, teve origem na palavra utilizada pelos comerciantes holandeses que o trouxeram para a Europa. Aliás a palavra é a mesma em holandês, apenas se modificando a pronúncia.
Molho de soja feito na Holanda
 O molho teryaki, usado em vários pratos que tomam o seu nome, é mais recente e desenvolveu-se no Japão no período Edo (1603-1867), no século XVII (The History and Culture of Japanese Food).

Apesar de ambos serem molhos de soja fermentada, o «molho de soja» é mais salgado, enquanto o «molho teryaki» tem açúcar, vinagre ou aguardente de arroz e outros condimentos como alho e gengibre.
Ambos podem ser usados da mesma forma, mas o molho teryaki é mais usado para marinar a carne ou o peixe antes de serem cozinhados. 
Há quem prefira fazer o seu próprio molho teryaki. Para quem quizer aqui fica uma das receitas que encontrei.
Junta-se meia chávena de molho de soja com meia chávena de açúcar, ½ colher de gengibre fresco ralado e dois dentes de alho moídos e leva-se ao lume. Juntar 2 colheres de vinho japonês (mirin) ou de  vinagre de arroz e 1 colher de farinha de trigo. Deixar ferver e engrossar até obter uma consistência mais espessa.
 Devo dizer que nunca experimentei pelo que não posso recomendar a receita. Também não sei se vale a pena.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

A Manteiga Burnay

A Manteiga Burnay, de reconhecida fama durante o primeiro quartel do século XX, era produzida pela Empreza A.C. Burnay Limitada, que tinha uma fabrica de centrifugação no Santo da Serra, na Ilha da Madeira.

A empresa foi fundada por Adolfo Constant Burnay em 1895, o primeiro desta família que se fixou na Madeira. Era filho de Carlos Constant Burnay, primo do conhecido banqueiro Conde de Burnay.
Adolfo Burnay casou com D. Maria Matilde de Menezes Cabral, natural de Santa Cruz, vindo a estabelecer-se na Vila de Santa Cruz (1).
A fábrica de lacticínios começou de forma modesta, produzindo apenas o leite produzido pelas suas vacas, mas a pouco e pouco passou «a adquirir todo o leite que os criadores de gado da localidade podiam ceder e pagando-o a 20 réis o litro» (2).

A década de 20-30 corresponde ao período áureo da produção de lacticínios na Madeira. Em 1934 -1935 registava-se a produção de 840 toneladas de manteiga, das quais 660 destinadas á exportação, tornando-se esta na actividade mais rentável do sector agrícola.
Nesta década existiam na Ilha da madeira 22 fábricas de produção de manteiga, das quais sete na freguesia de Santa Cruz. Dispersas pela ilha da Madeira existiam mais de 30 postos de desnatação, alguns dos quais pertencentes a Adolfo Burnay.
Na grande maioria tratavam-se de pequenas fábricas, onde se destacavam três de maiores dimensões: a aqui referida de Adolfo Burnay; outra fábrica de Pedro A. de Gouveia, designada pela Fábrica da Fajã da Ovelha, que produzia a manteiga “Águia”, e a da Firma Martins & Rebelo.

A manteiga Burnay era considerada de grande qualidade, sendo vendida em Lisboa nos melhores estabelecimentos e a um preço elevado.
Revista Brasil-Portugal, 1909.
Em publicidade publicada na revista Brasil-Portugal, de 1909, constata-se que o agente geral em Lisboa era João Bastos Júnior, com sede na Rua dos Franqueiros, 235 e entre os depositários/vendedores encontravam-se as melhores casas de comércio alimentar lisboeta, de entre as quais saliento a Jerónimo Martins, na Rua Garret e José Afonso Viana, ao Largo Camões, fornecedores da Casa Real.
Bons tempos para os lacticínios madeireneses.

1) Clode, Luis Peter, Registo Genealógico das Famílias que passaram à Madeira, 1952.
(2) Silva, Fernado Augusto e Menezes, Carlos de Azevedo, Elucidário Madeirense. 1978.