terça-feira, 28 de outubro de 2008

Objecto Mistério Nº 1 Resposta: Tesoura para açúcar

Apesar do pouco entusiasmo desencadeado por este objecto, que reconheço tem pouca beleza, trata-se de um utensílio que teve grande utilidade na época em que o açúcar era vendido em pedra.
Não sei bem ao certo quando o açúcar começou a ser distribuído em pó, mas presumo que terá sido no final do século XIX, com a industrialização dos engenhos. Esta data não é igual para todos os países e desconheço a data concreta em Portugal.
Ainda hoje os franceses utilizam a maior parte das vezes o açúcar aos quadradinhos.
Os indianos vendem ainda o açúcar em cones truncados de que possuo dois exemplares de tamanho diferentes.
Mas a forma mais frequente de venda de açúcar nos séculos XVII e XVIII era em pedra, com o feitio de um cone, com o bico arredondado, a que se dava o nome de «pão de açúcar». É daí que advém o nome do monte existente no Rio de Janeiro e que todos os portugueses conhecem por «Pão de açúcar».

Esta forma era adquirida pela introdução do açúcar liquido em moldes de barro, aproximadamente cónicos, com um furo na extremidade, que serviam para purgar o açúcar. A parte superior do pão de açúcar correspondia ao mais purificado enquanto a inferior corespondia ao açúcar mascavado.
No Brasil, ainda no século XVIII eram este pães fragmentados em torrões, o que facilitava o seu envio para a Europa.

Quanto aos cones de açúcar purificados eram nalguns países, envolvidos em papel azul fino, como já tive a oportunidade de ver nalguns museus.
Para fragmentar o açúcar em pedra, em casa, usavam-se este tipo de tesouras, que existiam em vários tamanhos. Embora algumas sejam simples com esta, outras apresentavam uma base de madeira onde estava fixa esta espécie de tenaz por um dos braços, ficando o outro móvel.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Objecto Mistério Nº 1

Tenho um fascínio por objectos que não sei o que são e que me obrigam a investigar. São objectos mistério de que por vezes só mais tarde venho a saber o nome ou a função.
Não é o caso do que apresento que eu comprei sabendo do que se tratava. É um objecto raro, que teve grande utilidade, nos séculos anteriores. Se calhar não é tão raro como isso e andam para aí alguns destes objectos a que se dá outro nome.

Para além dos objectos mistério, de que darei a solução proximamente, gostaria também de apresentar alguns objectos do chamado "equipamento culinário" que têm vários nomes consoante as regiões ou que, pura e simplesmente não sei o nome. nesse caso vou aguardar pela ajuda de quem saiba mais.
Para já fica este desafio.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Receitas com urtigas

Já falámos sobre várias vantagens das urtigas mas neste artigo valorizamos a sua utilização em culinária, isto é, a sua utilização na alimentação. Para além de permitirem fazer pratos deliciosos temos que reconhecer que numa época de crise até constituem uma mais valia.

Para fazer «sopa de urtigas» escolha apenas as folhas, de preferência as mais novas. Depois de lavadas põem-se numa panela com um fio de azeite e deixam-se cozer. Juntar depois batatas cruas cortadas aos bocados e alhos cortados às fatias. Deixar cozer bem. Quando estiver cozido desfaz-se tudo com a varinha mágica. Juntar sal. Antes de servir decorar com um ovo cozido picado ou com pão frito aos quadradinhos.

Outra forma de comer as urtigas é em “frittata”. Primeiro tenho que explicar o que é uma “frittata”. Trata-se de um prato muito antigo, já citado por Mestre Martino, no século XVI, na sua obra Libro de arte coquinaria. É uma espécie de omeleta italiana a que se juntam ervas, queijo ou carnes. Tal como a omeleta é feita com ovos batidos, mas ao contrário desta não é apresentada enrolada, mas aberta como se fosse uma tortilha. Isto deve-se a que apenas é cozinhada lentamente na fase inicial na frigideira, mas depois vai ao forno e acaba de cozer sob o calor do grelhador.

Quando eu era pequena existia em minha casa um dicionário de francês-italiano, intitulado «L’Italien Sain Peine» que tinha desenhos humorísticos. De todos, aquele a eu e o meu irmão achávamos mais graça, era ao desenho de uma rapariga que caía com um cesto de ovos. Um observador da cena comentava “ Oh bella! Una frittata”. Era o tipo de desenho a que as crianças não resistiam. O que resistiu foi o livro para eu lhes mostrar a gravura. Eu não podia imaginar na altura que algum dia iria escrever sobre o assunto.
Mas passemos à receita da Frittata de Urtigas. Numa frigideira alouram-se ligeiramente em azeite, alhos picados. Juntam-se as urtigas. Se necessário junta-se um pouco de água. Quando estão cozidas tiram-se da frigideira e picam-se finamente numa tábua. Põem-se numa taça os ovos batidos com sal, pimenta e um pouco de nós-moscada. Juntam-se as urtigas picadas e depois de bem incorporadas, juntam-se natas espessas e bate-se novamente. Numa frigideira deita-se mais azeite e espalha-se a mistura dos ovos. Com uma espátula de madeira soltam-se os ovos. Quando estão cozidos por baixo leva-se a frigideira ao forno durante 10-12 minutos. Os ovos alouram sem queimar. Quando pronta pode servir-se num prato às fatias. Apenas uma nota: ao contrário da omeleta, que para ficar boa não deve levar mais de 3 ovos, esta receita deve ser feita com pelo menos 6 ovos.

Outra receita mais simples é a das Urtigas Salteadas. Procede-se com anteriormente alourando o alho e juntando-as as folhas. Tempera-se com sal e pimenta. Quando fritas retiram-se e servem-se com rodelas de limão. As urtigas não têm água como os espinafres, portanto se não gostar delas estaladiças tem que juntar um pouco de água. Outra opção é juntar um pouco de natas ou um pouco de farinha e leite e fazer uma espécie de esparregado. Nesse caso pode substituir o limão por vinagre.

São apenas três exemplos, mas de um modo geral pode dizer-se que todas as receitas que existem para os espinafres podem ser utilizadas para as urtigas. Quem vive no campo tem a possibilidade de ter acesso a plantas selvagens, que não existem no supermercado. As urtigas, tal com as beldroegas são disso exemplo. Utilizem-nas mesmo fora da época, uma vez que, depois de escaldadas, podem ser congeladas. Vão ver que não se arrependem.

Urtigas, as mal amadas

As urtigas, que crescem por todo o lado, são plantas mal amadas que impelem as pessoas para a sua destruição.

As suas folhas e talos têm uma substância, o ácido fórmico, que é responsável pela sensação de ardor quando tocam a pele. Fazem parte de uma grande família que compreende pelo menos 2200 membros, mas são mais frequentes as variedades Urtica dioica (grande urtiga) e a Urtica urens (urtiga dos jardins ou urtiga picante).

Acontece com as urtigas o mesmo que nos acontece com algumas pessoas. Não gostamos delas porque não as conhecemos. Quando travamos conhecimento ficamos surpreendidos com o seu lado positivo e revelam-nos o modo como estávamos errados.

As vantagens das urtigas ultrapassam em muito os seus inconvenientes. O que se torna necessário é usar umas boas luvas para a sua colheita. Devem escolher-se plantas jovens e colher apenas as folhas terminais. Os talos são fibrosos e devem evitar-se. Depois de cozidas os picos desaparecem, pelo que não há que ter receio.

Tudo isto vem a propósito da sua utilização na alimentação. Mas elas têm outras virtudes que não serão aqui faladas. Refiro-me às suas propriedades medicamentosas, que não sei se são justificadas. É referido que são ricas em vitamina C e A. Têm acetilcolina o que as leva a ser recomendadas em doentes com Alzheimer e às suas raízes são atribuídos benefícios na hipertrofia benigna da próstata.

Um velho ditado de origem irlandesa afirma que quem comer sopa de urtigas três vezes em Maio passa o ano sem dores reumatismais, prática que era seguida desde longa data pelos monges irlandeses. As urtigas são também utilizadas na agricultura biológica. Para além de ajudarem as outras plantas vizinhas a crescerem mais resistentes aos fungos, podem ser usadas como um composto para o cultivo dos campos. Servem também para fazer uma calda (mal cheirosa) contra os pulgões, que é uma forma ecológica de desinfestação.

Estas são apenas algumas vantagens, mas a principal é a sua utilização na culinária, sobre a qual falaremos no próximo artigo.

domingo, 12 de outubro de 2008

Copos da Fábrica Crisal



Encontrei estes 2 copos à venda na internet e não resisti a comprá-los. Foram feitos pela Fábrica Crisal, nos anos 60 penso eu e, embora não seja entendida em vidros, acho que são de produção manual.
Achei-os interessantes por serem característicos de uma época. Apresentam uma forma não convencional, pelos padrões rígidos de hoje, em que os copos de água têm uma determinada forma, os de vinho outra e em que, de um modo geral, é fácil determinar as suas funções pelo modelo.
Estes copos apresentam a forma de um copo de água, mas de dimensões mais pequenas e são na realidade copos de vinho. De vinho branco presumo, mas podia ser para cerveja, embora sejam pequenos para tal. O que me permite esta atribuição são os dois desenhos que apresentam em cada uma das faces. O desenho maior revela-nos uma lagosta, enquanto na outra face, com menores dimensões, se observa um camarão. Na base têm depressões ovaladas, muito fisiológicas, que nos permitem segurar neles com segurança. Para lhes dar mais qualidade o rebordo apresenta um pequeno filete dourado.

Resolvi procurar na internet a história da Crisal. Ao contrário do que acontece nos países civilizados, as nossas empresas não têm muito orgulho no passado e, sistematicamente, esquecem-se de pôr no site a história das suas firmas.
Já me tinha apercebido disso quando, há uns anos, ao escrever o livro «Mesa Real» me deparei com imensos documentos na Torre do Tombo da Jerónimo Martins & Filho, que chegou a ser Fornecedora da Casa Real, em 1905. Para além da parte de mercearia, tinha uma outra secção em que se incluíam objectos utilitários, assim como baixelas de Christofle. Estas peças estavam muito na moda, desde o final do século XIX, e durante um período chegaram a suplantar a prata. Foi esta empresa que importou pela primeira vez esta marca.
Achei todos estes factos interessantes e fui falar com uma menina das relações públicas da Jerónimo Martins. Disse-lhe o que tinha encontrado, que estava a fazer um livro sobre a mesa da Casa Real, em que eles tinham tido um papel importante como fornecedores. Com grande surpresa minha disse-me que naquele momento não estavam particularmente orgulhosos da sua origem como mercearia e que estavam a enveredar por outros caminhos. Fiquei estarrecida e saí como entrei. Deve ter dobrado a língua mais tarde, quando a empresa se estendeu na Polónia com a rede de supermercados Biedronka (Joaninha).

Mas voltemos à Crisal. Vi-me aflita para conseguir estes dados que estão espalhados pelas vários empresas, nesta época de fusões e aquisições.
A fábrica teve início em Alcobaça por iniciativa de um homem de negócios multifacetado chamado João d’Oliva Monteiro (1903-1949). Dedicou-se ao negócio de vinhos e à industria tipográfica. Foi também ele quem fundou a Fábrica de Vidros Crisal - Cristais de Alcobaça, que inaugurou em 1945. Embora tenha começado com a produção de candeeiros de cristal passou depois a produzir objectos para mesa e decorativos. Em 1952 a fábrica foi adquirida pela família Raposo de Magalhães. Em 1972 passou a produzir cristal na fábrica de Alcobaça, passando a designar-se Atlantis Crystal e manteve a marca Crisal, na produção de vidros, numa fábrica na Marinha Grande. Em 1974 a fábrica de vidro da Marinha Grande iniciou em Portugal a produção de vidro automático. Em 1994 passou a ser controlada pela Cofina. Em 1998 adquiriu uma outra Fábrica de vidros da Marinha Grande, a Ivima, conhecida pela produção de vidro de cor.
Em 2001 deu-se a fusão da Atlantis com a Vista Alegre, no que parecia ser um casamento feliz para as artes da mesa. Mas a história não acaba aqui. Em Janeiro de 2005, os jornais noticiavam que a Vista Alegre Atlantis vendia 95% do capital da sua associada Crisal à Libbey Europe BV, filial da líder norte-americana na produção de cristais, sediada na Holanda.
E assim acaba a história dos meus dois simples copinhos, destinados a beber vinho branco ou cerveja, enquanto nos deliciamos a comer mariscos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O café turco


No artigo anterior falei sobre a bebida chocolate. Era minha intenção continuar o tema falando sobre os objectos que surgiram para o seu consumo.
Fig 1- Cafeteira para café turco, designada cezve
Acontece contudo que, neste intervalo, estive uma semana numa ilha grega, chamada Kos, junto à costa da Turquia. Kos é a terceria maior das ilhas do Dodecanesio. Fiquei feliz por aprender que eram doze ilhas, como o nome indicava, mas vim depois a descobrir que este número se aplicava apenas às ilhas habitadas e que, além destas, havia pelo menos mais 150 ilhas. Esta ilha tinha para mim o atractivo de ser a terra natal de Hipocrates, o pai da Medicina.
Só em 1948 Kos passou a ser grega. Na sua história, depois de ter sido ocupada pelos romanos desde 130 anos antes de Cristo, passou por várias mãos, até que em 1522 foi ocupada pelo império Otomano, tal como Rodes, tendo ficando na sua posse durante 400 anos, até a sua desocupação pelos italianos em 1912.
Toda esta história vem a propósito do “café turco” que aí bebi e que se pode beber não só na Turquia ou nos países árabes, mas também em toda a Grécia.

A história não acaba aqui. Na minha busca por objectos dei comigo a descobrir um livro do século XIX intitulado Manners and Costums of the Modern Egyptians (Modos e Costumes dos Antigos Egípcios), publicado em 1836 e que foi um best seller na época. O autor foi o inglês Edward William Lane (1801-1976) que, sofrendo de tuberculose, foi aconselhado a procurar um país de clima mais temperado. Foi assim que chegou ao Egipto em 1825. Aí se apaixonou pelo estudo da língua e dos costumes árabes. Dedicando-se inteiramente a este tema, foi autor não só do livro referido, como foi também o tradutor do livro As mil e uma noites.
No seu estudo sobre a vida doméstica, refere-se ao café (“kahweh”) como sendo uma bebida forte bebida sem açúcar ou leite, o que constituiria seguramente uma surpresa para um inglês. Para quem nunca bebeu um “café turco” devo explicar que é uma bebida forte e espessa, servida em pequena chávena, em que o café se encontra com espuma e as borras estão misturadas. Isto deve-se a que o café utilizado é moído muito fino. Para o conseguir utilizam-se uns pequenos moinhos em cobre, semelhantes a moinhos de pimenta. O café misturado, com água fria é hoje em dia servido com ou sem açúcar. Para o confecionar ferve-se a mistura lentamente numa pequena cafeteira em cobre. Pode levantar fervura várias vezes (3 ou 4), mas antigamente deixava-se ferver lentamente em areia quente.
Se hoje em dia o café é servido em chávenas de café, ainda no século XIX, tal como nos descreveu E. William Lane no seu livro, era servido numa taça de porcelana sem asa e com pequeno pé, designada “finjan”. Essa taça era introduzida numa espécie de cálice em metal ornamentado, designado “zarf”. O conjunto das taças era apresentado num tabuleiro circular, por vezes suspenso por três arcos, como ainda hoje se pode ver em uso na Turquia e na Grécia.

Nesta gravura, que ilustra o livro mencionado, pode observar-se um tabuleiro com a cafeteira com bico e asa utilizada para servir o café (ibrik) e as taças para o beber. Em primeiro plano à esquerda o zarf, em metal precioso ou não, no meio a taça de porcelana sem asas ou finjan e à direita o conjunto dos dois elementos.

Mas voltemos ao café. Embora tenha tido as suas origens na Etiópia ou no Iemen, a sua divulgação fez-se para o Cairo e Meca, nos finais do século XV ou início do século XVI. O café tomou uma importância fundamental na cultura do Império Otomano. Em meados do século XVII as cerimónias com o café na corte otomana tornaram-se num ritual, à semelhança do que aconteceu com a cerimónia do chá no Japão.
O uso do café expandiu-se pela abertura de casas de café em Constantinopla ainda no século XV. Foram os comerciantes venezianos que trouxeram o café para a Europa no início do século XVII e, durante esse século, foram surgindo lojas onde se consumia café em Londres, em Paris e depois em Viena. Mas esta é já uma outra história.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O chocolate. A sua introdução na Europa


No século XVIII as chamadas ”bebidas exóticas” incluíam o café, o chá e o chocolate.
Destas, a que mais precocemente foi introduzida na Europa, foi o chocolate. Era bebida pelos índios Maias do México e mais tarde pelos Aztecas, sendo utilizada como remédio para a tosse e a febre, mas era sobretudo uma bebida usada nos rituais religiosos. Era designada pelos aztecas como “xocoatl”, designação que viria a dar a palavra “chocolate”, usada em toda a Europa.
Fig-1 Chocolateira com orifício na tampa para o molinete

Foi trazida pelos soldados espanhóis para a corte espanhola, juntamente com outros produtos, então desconhecidos, e de que falaremos posteriormente. Inicialmente e tal como era bebida pelos “índios” não se tratava de uma bebida doce. Resultava do esmagamento dos frutos secos e a este pó se adicionava água e várias especiarias como a pimenta, a baunilha e outras.
Logo no século XVI os espanhóis adoptaram esta bebida mas de forma a ter uma maior aceitação juntaram-lhe açúcar. A sua confecção foi guardada como segredo, pelo que em França apenas no século XVII começaria a ser usada. Devido ao seu elevado preço e à sua associação com o açúcar, outro produto de luxo, o seu consumo ficava restrito às elites. Mas seria no século XVIII que esta bebida, tal como o chá e o café, teriam uma maior divulgação, entrando na moda nas cortes europeias. Portugal não escapou a esta moda, sendo consideradas um luxo e um requinte, eram servidas regularmente na corte e também nos banquetes e recepções aos embaixadores estrangeiros e visitas de cerimónia.
Tanto a árvore que produzia esta semente, como o seu género, foram designadas pelo cientista sueco Carl von Linnaeus, em 1735, “Theobroma cacao”, que significa à letra «cacau, o alimento dos deuses», o que nos permite compreender o valor que lhe era atribuído.
Mas nenhum pais superou a Espanha na apreciação desta bebida. A sua divulgação no século XVII foi tão grande que se discutia mesmo se ao ingerir esta bebida se estava a interromper o período de abstinência religiosa da Quaresma, como se comprova pela publicação, em 1636, do livro «Question Moral si el chocolate quebranta el ayuno Eclesiastico». Ainda hoje podemos constatar como continua a ser apreciada pelos “nuestros hermanos” ao tomarmos o pequeno-almoço em qualquer estabelecimento de restauração, desde o simples café de bairro até ao melhor hotel. O chocolate em chávena, bem espesso, acompanhado de churros, está sempre presente.
Tal como aconteceu com o açúcar, também ao chocolate foram atribuídas capacidades terapêuticas sendo tomado como remédio. Em 1806 vamos encontrar referência aos chocolates medicinais nos «Elementos de Pharmacia,» publicado em Portugal. Considerado como estimulante e afrodisíaco, eram-lhe atribuídas outras características como facilitadora da digestão e antitússico. Esta última característica devia-se a um dos seus constituintes a “teobromina”.
Fig 2 .Um dos mais apreciados chocolates espanhóis em barra

Apenas em meados do século XIX o chocolate encontraria a forma sólida, com que hoje mais frequentemente se nos apresenta. Durante mais de 2.000 anos o chocolate foi uma bebida apenas, mas uma bebida considerada “alimento dos deuses”. Para a confeccionar, para a beber e servir, foram criados objectos específicos sobre os quais falaremos proximamente.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Uma rua de Castelo Rodrigo

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Saleiros de cozinha


Hoje damos pouca importância ao sal. Chegamos mesmo a considerá-lo um inimigo. Os médicos recomendam: «Cuidado. Não coma com muito sal». Isto deve-se a que os portugueses têm tendência a exagerar na quantidade de sal que ingerem. Mas é um elemento importantíssimo na alimentação. Sem sódio (como sabem o sal é cloreto de sódio) as pessoas ficam prostradas, sonolentas, sem actividade. E o agravamento da hiponatremia (baixa de sódio no sangue) pode mesmo levar à morte. Mas o que nós sabemos hoje, já se sabia, de forma empírica, na antiguidade. O sal chegou mesmo a servir de “moeda de troca” quando ainda não havia dinheiro. Foi muito importante na economia portuguesa e em geral na de todos os países do mediterrâneo. A sua relevância pode mesmo comparar-se àquela que tem o petróleo nos nossos dias.
Mas o aspecto que não podemos deixar de esquecer é o do sabor que confere aos alimentos. Com um pouco de sal os alimentos ficam mais apetitosos.

A utilização do sal foi também muito importante, antes da era da congelação, para a conservação dos alimentos. Em Portugal temos ainda muitos exemplos desse tipo de utilização em especial no Alentejo e em Trás-os-Montes.

Na Idade Média, em que poucos objectos eram usados sobre a mesa, o saleiro estava sempre presente. Era o objecto principal e, de tal modo importante que, nas casas ricas, era um objecto de ourivesaria. Subsistem ainda hoje saleiros imponentes, em ouro, adornados de pedras preciosas de que o saleiro feito por Benvenuto Cellini, em 1540, para o rei Francisco I de França é considerado o expoente máximo.

Mas se os ricos saleiros de mesa se conservaram, o mesmo não se pode dizer dos saleiros das cozinhas. O seu pouco valor e o facto de serem facilmente deterioráveis levaram ao seu desaparecimento.

Das várias cozinhas que visitámos observamos, nas mais antigas, dois tipos de saleiros. O mais simples eram constituídos por um buraco na parede de granito, perto da zona da lareira, onde se metia a mão para tirar o sal. Encontrámos esta solução tanto em casas senhoriais como em casas populares. Provavelmente persistem casos em que as pessoas não lhes atribuem qualquer função ou podem mesmo ter sido tapados.

Um outro tipo de saleiro de cozinha era construído em madeira. Feitos de forma simples, ou com entalhes na madeira, desapareceram quase todos, apodrecidos pela humidade. Vimo-los, em forma de caixa quadrada, com tampa, colocados sobre a mesa ou de forma paralelipipédica, com quatro pés e abertura na frente para introduzir a mão. Este tipo era colocado no chão junto á lareira. Vimos um exemplar na Beira Baixa, em Cebolais de Baixo e um outro em Figueira de Castelo Rodrigo, em casa da Srª Dª Sara. No Museu de Escalhão existe um exemplar idêntico, sem pés, de afixar à parede.

Durante o século XX com a divulgação do esmalte, usaram-se saleiros neste material. De várias cores e com a palavra SAL no bojo, apresentavam como forma mais frequente, um meio cilindro e tinham tampa em madeira. Quando se divulgou o alumínio passaram a usar-se saleiros de cozinha de forma idêntica aos de esmalte ou com a forma de cilindro, com tampa igualmente em alumínio.
Também os saleiros em faiança vidrada tiveram divulgação. De forma variada não identificamos uma tipologia única.

Muitos outros me terão escapado à observação, mas gostaria de contar com a colaboração dos mais atentos, para colmatar essas falhas. Até breve.

Apresentação

Neste primeiro artigo é necessário que me apresente.
Os textos que vou apresentar, nesta fase inicial do blog, fazem parte das minhas publicações num jornal regional, os «Ecos da Marofa». Trata-se de um jornal da região de Figueira de Castelo Rodrigo. Não nasci nesta zona e só tardiamente a vim conhecer mais em pormenor. Sou vizinha, nasci na Beira Baixa e aí vivi a infância e a adolescência até à idade de vir estudar para Lisboa. Formei-me em Medicina e tirei a especialidade de Hematologia. Durante este percurso tive a oportunidade de conhecer um digno representante da zona, que é hoje um grande amigo meu, o Dr. Álvaro de Carvalho, natural de Mata de Lobos.
Foi na sua companhia e na do Dr. Vermelho Corral que tive a sorte de descobrir a região. Não podia ter melhores cicerones. Conhecedores, como poucos, dos recantos e características da Vila de Figueira de Castelo Rodrigo e das suas freguesias circundantes, guiaram-me na descoberta dos seus segredos.

Desde há vários anos que eu percorria o país na busca de cozinhas que mantivessem características regionais ou que se tivessem mantido preservadas. Esta zona do interior ficou quase para o fim da minha pesquisa. Mas não foram só as descobertas no local que me entusiasmaram. A forma hospitaleira como fui recebida e a facilidade de comunicação das pessoas que me foram apresentadas, para com alguém que acabavam de conhecer deixou-me surpreeendida. Estava ali pela primeira vez, mas sentia-me já da “casa”. Foi uma sensação agradável que me fez desejar voltar. Quando o Dr. Álvaro de Carvalho me pediu para colaborar no jornal acedi logo com gosto. Era uma forma de agradecer a boa recepção que tive no local e uma boa desculpa para aí voltar. A posteriori achei que valia a pena divulgar estes textos de forma mais global. Nada melhor que um blog.

Os meus interesses, fora da área da Medicina centram-se na área da Gastronomia. Um dia falaremos sobre a diferença entre culinária e gastronomia que, embora distintas, as pessoas confundem. Não é que não me interesse pela culinária. Foi por aí que eu comecei e a que dediquei muito entusiasmo. Mas com o tempo passei a interessar-me pela história da alimentação, pelos hábitos de mesa, pelos objectos, pelos alimentos e por fim, pelo local onde eles são confeccionados. Esta temática da alimentação é um poço sem fundo. Começamos a explorar e vamos descobrindo novos focos de interesse.

O primeiro livro que escrevi chamava-se “Mesa Real. Dinastia de Bragança”. Foi publicado em 2000. Quando esgotou fiquei contente, mas depois descobri que ninguém o conhecia e fiquei triste. É o problema dos autores. As alegrias e as tristezas andam sempre de mãos dadas.


Quando comecei a estudar as cozinhas tinha um projecto que abrangia todo o país e todo o tipo de habitações. Ficou pronto e chama-se ”Cozinhas. Espaço e Arquitectura”, tal como havia programado.
Acabou por sair mas apenas foca as cozinhas das casas senhoriais. As cozinhas de Escalhão, de Mata de Lobos, de Figueira de Castelo Rodrigo e todas as outras de Portugal que apresentam características populares sairão um dia.
Entretando neste espaço, se tiverem paciência para me ler, falarei de alguns aspectos que fui encontrando pelo país, não só em relação ao espaço mas aos objectos. Falaremos de alimentos e talvez até de receitas. Espero que seja um espaço apetitoso.
Até à próxima garfada.