terça-feira, 29 de abril de 2014

Associação de ideias: cesteiras algarvias

Esta gravura de Mário Costa (1902-1975) trouxe-me à ideia uma boneca que representa esse ofício.
Sentada num banco, feito com um pedaço de tronco de árvore, a boneca feita em pano, foi-me oferecida há alguns anos por amigos que sabiam que eu a ia apreciar. Foi feita por Filipa Faísca, hoje octagenária que, na serra algarvia, em Querença perto de Loulé, reproduz figuras populares.
 
Iniciou a sua actividade em pequenina fazendo estas bonecas de pano que então se chamavam «bonecas de trapos». Os modelos recordam-nos profissões rurais locais caídas em desuso e os trajes são reproduzidos com rigor. Para acompanhar cada boneca a sua autora criou unas quadras que exemplificam a actividade.
Neste caso:
«Num pisador com geito
o esparto vou pisando,
faço baraço a preceito
e alguns tostões vou ganhando».


E desta maneira simples se vai conservando a memória de um povo.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Desventuras de um Chocolateiro

A história é contada em três cartões comerciais do final do século XIX. Os cartões comerciais funcionavam como um cartão de visita da empresa e existem desde o século XVII em Inglaterra. Hoje conhecem-se alguns do século XVIII, mas foi no século XIX que mais se divulgaram. Apresentavam-se muitas vezes como colecções que contavam uma história ou tinham fins didácticos. Na realidade eram uma forma de publicidade que ajudava a divulgar o negócio.
 
Não sei se esta colecção está completa mas a história é bem perceptível. Uma menina de ar doce aproxima-se de um menino chocolateiro que com a sua colher de pau mexe uma grande caçarola de cobre onde o chocolate borbulha. A chávena na mão da menina dos lacinhos azuis faz-nos compreender que deseja beber o doce néctar. Mas não chegam a acordo e lutam em cima de um pequeno banco que facilita o acesso à bebida. 
Desequilibrados fazem a chávena voar e o chocolateiro fica todo coberto com a bebida entornada, transformando-se num “chocolateiro de chocolate”, enquanto a menina foge a correr.
Estas histórias costumam ter um final moral que não se adivinha aqui. É apenas distrativa e serve de publicidade à «Pharmacia e Drogaria Félix & Filho», no Porto.
Situada no Largo de S. Domingos 42 a 44 vendia: Pastilhas digestivas de Moura para o sofrimento do estômago, Pastilhas vegetais de Moura para os vermes, cápsulas antiténicas de Moura para a bicha solitária, Peitoral de Moura para a tosse, Balsamo e Licor anódino de Moura para as dores e o Licor de Barreswill de efeito certo no “fluxo diarrheico da hectasia tuberculosa” (1).
Hoje no local desta farmácia situa-se a «Farmácia Moreno» que na sua fachada ostenta a data de início em 1804. Em 1894 no Comercio do Porto Ilustrado surgia a designação comercial «Pharmacia de S. Domingos» e o seu proprietário era o Dr. Moreno, médico e farmacêutico pela Escola Médico Cirúrgica do Porto que terá sido sucessor de Félix & Filho. Tratava-se do Dr. Rodrigo de Sousa Moreno, uma figura conceituada no Porto, que foi lente da Faculdade de Cirurgia do Porto e administrador do Concelho de Gondomar. Era filho de pai espanhol, que casou com uma portuguesa e foi-lhe concedida carta de naturalização em 1886(2).
Fotografia tirada da internet
Nos anos que se seguiram a farmácia teve vários directores técnicos e, a partir de 1961 e até 1974, surgiu nessas funções António Moreno Júnior (3). Presentemente uma nova firma tomou a seu cargo a função de manter esta farmácia que se inclui no roteiro das farmácias históricas do Porto e cuja bela fachada em ferro, em estética Art Nouveau, com o símbolo de Hígia (a taça que representa a cura) e a a serpente (que representa a sabedoria), aqui em duplicado, merece uma visita.
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(1) Charles Louis Barreswil (1817-1870), químico francês, uma figura fascinante que morreu ignorado. Em 1846 criou um reagente cupropotássico para determinar a glicose em soluções, sendo precursor do estudo da glicemia. Trabalhou com Claude Bernard sobre substâncias alimentares e fenómenos químicos da digestão. Foi também precursor de processos químicos para fotografia.
(2) ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, liv. 41, f. 151.
(3) Agradeço ao actual Director Técnico, João Alexandre Almeida, as informações complementares sobre a farmácia.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Um papel de prateleira Pascal

Estas cortinas de papel eram usados nas prateleiras das cozinhas, razão porque eram designadas como «papel de prateleira». Os mais afortunados tinham também louceiros que adornavam colocando nas suas prateleiras tiras de papel que compravam nas lojas locais, com desenhos diversos. Daí também serem conhecidas por «papel de louceiro». Eram coladas com uma cola feita com farinha e água e, mais tarde, com pioneses.
Quando não havia dinheiro para os adquirir optava-se por fazer um tipo de cortinas semelhantes a estas, recortando papel de jornal, e que as pessoas mais habilidosas faziam parecer rendas.

Por todo o país havia à venda modelos variados que as donas de casa escolhiam consoante as cores e o seu gosto. Há poucos anos ainda consegui arranjar várias dessas cortinas nas minhas deambulações pelo país. Existiam com desenhos infantis, florais, recreacionais (praias, mercados, feiras, etc.), com o desenho de frutas, geométricos, nacionalistas e também religiosos. São estes os mais raros.
No próximo Natal mostro-lhes um adequado à época mas por agora ficam as imagens de um papel de prateleira com motivos religiosos alusivos à Páscoa. Cada tira de cortina conta a história de Cristo em seis imagens, desde o momento da sua prisão até à ressureição, passando pela crucificação.
Este exemplar raro faz-nos compreender que, para além da necessidade de substituir as cortinas por estarem velhas, havia um calendário próprio para mudar as cortinas de papel nas cozinhas. Em tempo de economias este era um verdadeiro luxo.

domingo, 13 de abril de 2014

O restaurante e casa de chá «Vela Azul» em Caxias

Depois de algum trabalho e comparando as imagens do  google maps com o exterior visível nos postais consegui finalmente concluir que o Restaurante Vela Azul, em Caxias, se situava no local onde veio a ser construído o restaurante Mónaco.
Os livros comerciais que consultei confirmam que já não existia nos anos 60. Efectivamente o restaurante Mónaco foi inaugurado em 1956 pelo que o Vela Azul existiu na época de 1940-1950.
Deve ter sido inaugurado em 1946 porque é dessa data a decoração feita pelo arquitecto Filipe Nobre de Figueiredo (1913-1989). Este arquitecto esteve sempre muito vocacionado para o mar e para as actividades aquáticas, como a vela e a pesca, e chegou a construir uma embarcação em madeira. Foi também sócio fundador do Clube Naval de Cascais. Autor de vários projectos importantes, alguns com José Segurado, como o edifício do Vá-Vá e o Casino do Estoril, parece aqui ser apenas responsável pela decoração.
No exterior e a toda a volta do edifício podia-se ler, em grandes letras, «Restaurante - Vela Azul - Casa de Chá». E a lembrar novamente o nome existia no interior um grande barco com velas desfraldadas de que os postais, a preto e branco, não  permitem saber a cor. A imagem do barco fotografado sobre o balcão externo, que se vê também no interior na sala de refeições, faz parte de um conjunto de postais que nos revela o seu interior e o exterior.
Para além de funcionar como restaurante e casa de chá tinha também «quartos confortáveis com casa de banho e águas correntes quentes e frias», recomendado para passar férias com «comodidade, conforto e um bonito panorama» ou apenas para tomar qualquer refeição e «gosar ao mesmo tempo um lindo panorama».
Situado num local privilegiado e com uma decoração moderna para a época teve, no entanto, uma vida curta. 
P.S. Já depois de publicado o poste o meu pai disse-me que tinha estado em 1953 no «Vela Azul», embora referindo-se a ele como «Casa Branca». Na realidade este foi o seu nome anterior. Ambos os restaurantes foram da iniciativa de um galego Manuel (Manolo) Outurela Costa, que seria também sócio da Choupana. Nessa altura existia o projecto de unir várias casas da linha que incluíam as já referidas, o «English Bar» e o «Restaurante Aquário» célebre restaurante de marisco que ficava em Lisboa na Rua Jardim do Regedor. Nessa época Shegundo Galarza tocava na Choupana e no Vela Azul. Seria com ele que Manuel Outorela Costa iria fundar o «Mónaco» em 1956.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Um amolador nas ruas de Lisboa,

 
Estava em casa e ouvi o som característico da flauta de amolador. Há anos que o ouço mas nunca tinha falado com ele. Quando ia à janela já tinha desaparecido.
Hoje fui a correr e vi-o a tocar enquanto subi a rua com a bicicleta pela mão. Chamei-o e perguntei-lhe se amolava tesouras. Disse-me que sim e fui buscar uma tesoura de cabelo que nos últimos tempos não tem cortado bem.
Sentou-se na bicicleta e, parado, foi dando aos pedais movimentando a roda que afia as facas e tesouras. Quando terminou tocou à campainha e desci para lhe pagar. Antes porém mostrou-me como a tesoura estava bem afiada utilizando um pano velho que cortou em pedaços. 

Não resisti a pedir-lhe se me deixava fotografá-lo. Vão sendo raras estas profissões e não podia deixar de o fazer, lamentando não saber recolher o som. Em conversa soube que o sr. Simão tem 46 anos e há 30 que é amolador. Vive do lado de lá do rio e vem para Lisboa percorrendo a cidade. Na minha zona passa às 4ª feiras. Perguntei-lhe se ainda tinha clientes. Diz-me que se vai safando com os restaurantes. Não tem outra profissão e nos tempos que correm ninguém está bem. 


Subo com um sorriso nos lábios contente por ainda encontrar um profissional de antigos ofícios. As minhas ideias entrecruzam-se e lembro-me de uma conversa que tive ontem com um informático que me dizia que agora há novas profissões, como as pessoas que escrevem conteúdos de blogues para outros. Lembrei-me dos escritores fantasmas de livros de autores conhecidos que não sabem escrever uma frase e publicam best-sellers. São tempos de mudança.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Bolos (verdadeiramente) nacionais

No ano em que se comemoram os 40 anos do 25 de Abril não posso deixar de apresentar estes modelos de bolos pré-revolução.
A fotografia não está datada, mas será seguramente do início dos anos sessenta e, embora desconheça a que comemoração se reporta, é suficientemente interessante para a mostrar.
Apesar da qualidade da reprodução da foto não ser das melhores, numa época em que os bolos ainda não eram feitos por computador, é nítida a identificação do retrato de Américo Tomás à esquerda e de António Salazar à direita. No centro, e embora a fotografia seja a preto e branco, adivinha-se a imagem de Portugal em verde e vermelho. 
Imagens de outros tempos que já são históricas.