sábado, 27 de fevereiro de 2016

Os bolos Espécies de S. Jorge

Espécies de S. Jorge e confeitos de funcho
Na minha última visita aos Açores reencontrei-me novamente com os bolos «espécies de S. Jorge» e, tal como da primeira vez, fiquei fascinada com a sua imagem. Olha-se para eles e têm-se imediatamente a ideia de que deve ser um doce muito antigo. Não se assemelha a nenhum outro doce português. Provavelmente porque a sua origem é outra. Por alguma razão os encontramos nas naturezas mortas do pintor flamengo Osias Beert (c.1580-1624), do início do século XVII.
Os seus quadros mostram-nos mesas ricas, cobertas por vários alimentos requintados, doces e salgados, apresentados em taças com e sem pé, em pratos, caixas de madeira, etc. Em muitos deles, ressaltam-nos aos olhos, entre os bolos que preenchem as confeiteiras, doces idênticos às espécies de S. Jorge. As formas podem variar e encontramos algumas em coração ou rectangulares, bem como as decorações que nalguns casos parecem ter adicionada folha de ouro. 
Mas também as “espécies” variam em forma podendo ser circulares, as mais frequentes, ou em ferradura. O que as caracteriza é a presença de um recheio de massa escura, devido à presença de especiarias, daí o nome, envolvida por uma outra massa fina, clara, com recortes simétricos feitos com recortilha, provocando na cozedura aberturas que nos revelam o contraste da massa interna.
Nos quadros de Osia Beert registam-se também confeitos variados, brancos ou coloridos, de vários tipos. Desde os longos, feitos com casca de canela cristalizada, a outros mais pequenos e perlados, onde se adivinham sementes no seu interior, muitas vezes espalhados sobre a mesa. Esta imagem que nos recorda as amêndoas de Moncorvo, assemelha-se contudo mais a um confeito menos divulgado, o confeito de funcho, tradicional de S. Miguel, Açores.
Beert, um precursor na pintura de naturezas mortas deste tipo, ficou conhecido pelo seu apreço pelo açúcar, que havia feito a sua introdução nos países baixos no final do século XVI, onde sofreu a evolução habitual de produto usado em Medicina para o seu uso em confeitaria. São esses frutos confitados que o fascinam e que o levam a introduzir a sua representação nas  naturezas mortas de mesas faustosas.
 

Uma pintura fascinante que eu me atrevi a adaptar com a “prata da casa” e os doces açoreanos, na minha opinião legados pelos holandeses, que deixaram nas ilhas mais do que os característicos moinhos de vento.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Andy Warhol e as cornucópias de Alcobaça

 
Decidi-me por este título absurdo e panfletário, ao modo dos jornais tabloides, para falar de um doce de Alcobaça cuja associação a uma criação deste artista me é frequente.
Não sou grande apreciadora de doces de pastelaria que, na maioria das vezes, não compensam na relação gosto / calorias. Mas há alguns a que não resisto e um deles são as cornucópias da Alcoa.
São uns doces deliciosos que em 2013 ganharam o primeiro prémio no concurso de doces conventuais de Alcobaça. Como o nome indica têm a forma de cornucópias, sendo o cone feito com uma massa frita, estaladiça semelhante à dos coscorões, sendo recheada com abundante doce de ovos. 
Uma delícia irresistível de que trago sempre uma caixa quando vou a Alcobaça, embora agora também já se possam comprar em Lisboa.
É precisamente sobre a caixa que quero falar para justificar o título. Desenhada de forma inteligente destina-se a conter no seu interior os cones em posição vertical, para impedir o derrame do doce de ovos, tem no seu interior um tabuleiro perfurado com seis orifícios circulares.
Quando vejo esta caixa lembro-me sempre de um objecto de design que comprei há alguns anos nos Estados Unidos. Trata-se de um tabuleiro acrílico concebido por Handy Warhol, com orifícios para introdução de quatro taças cónicas em melamina, decoradas, e suas respectivas colheres em plástico. 
Na caixa, onde surge a imagem do autor, é descrito como um «conjunto para gelados com quatro cones, colheres e tabuleiro”. Acrescentando: «Sirva uma porção dupla de cultura pop aos seus convidados».
Apesar desta indicação é evidente que nunca tive coragem para a usar. Considero-a uma peça do meu museu (imaginário) e tenho finalmente a oportunidade de a mostrar e de fazer esta associação que me assalta sempre que vejo as cornucópias doces de Alcobaça dentro da sua embalagem.

Depois disto o título já faz algum sentido, não acham?

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Portugal a Verde e Encarnado

 
Um pequeno folheto turístico sobre Lisboa, sem data, transporta-nos para uma cidade bicromática. Não é só a cidade de Lisboa que se representa em verde e encarnado. Os arredores e em especial a linha de Cascais e os “Estoris”.
 
Apenas um dos desenhos tem a assinatura de Roberto Araújo (Roberto Araújo Pereira, 1908-1969) que foi pintor e ilustrador e que colaborou na Exposição do Mundo Português, presumindo-se que os restantes se lhe podem atribuir igualmente. 
Roberto Araújo foi um dos fundadores da agência de Publicidade Belarte, juntamente com Mário Neves e com o seu irmão Alfredo Araújo Pereira. 
O folheto, escrito em francês, tem publicidade às sardinhas portuguesas e às frutas portuguesas que aqui se mostra, numa época em que o Turismo se ia desenvolvendo.
 

Um poste apenas parcialmente relacionado com a temática deste blogue, mas em que se revela uma beleza gráfica que me seduziu e me deu vontade de partilhar.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Um carnaval em Loulé

Nas décadas de 1950-1960 as empresas tinham preocupações com a divulgação dos seus produtos de uma forma completamente diferente da dos nossos dias.
Não existia ainda o marketing mas os comerciantes e fabricantes sabiam que lhes era vantajoso fazer publicidade dos produtos que produziam ou comercializavam. 
Durante mais algumas décadas, e até à mudança da legislação, os brindes aos clientes eram uma constante. Eram gentilezas que serviam para lembrar o nome da firma num período mais prolongado, que ia  para além do acto da compra. Outra forma de o fazer era participando nas actividades locais e este é um desses exemplos.
Em Loulé, provavelmente nos finais da década de 1950, a firma M. Brito da Mana, estabelecida em Loulé e com filial na Quarteira, participou no corso de Carnaval com um carro alegórico onde publicitava a ginja e o licor Eduardino da Casa Cima, da rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, de que era «o único representante no Algarve».
Sobre uma carrinha de caixa aberta, ornamentada com flores de papel, dez jovens vestidos com blusas de seda atiravam aos observadores presentes, possivelmente flores ou rebuçados.
Garrafa antiga e moderna do Licor Eduardino
De cada um dos lados eram publicitados os licores referidos e na traseira da carrinha o nome do depositário. Uma forma de festejo simples, à portuguesa, quando ainda não tínhamos sido invadidos pelo carnaval brasileiro.