segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Um casal de bolos

Antigamente os bolos tradicionais, como a fruta, tinham uma época. Estavam associados a festividades e a relação com as suas comemorações era imediata. Hoje podemos encontrá-los todo o ano.
É o caso do bolo-rei e, da sua variante mais recente, o bolo-rainha. Este último caracteriza-se por não ter fruta cristalizada, sendo decorado apenas com frutos secos, tal como se encontra no interior da massa, destinando-se aos que não apreciam esta conserva de fruta.
O interessante neste “casal” de bolos é, por um lado, as suas pequenas dimensões (o bolo-rei tem cerca de 12 cm de diâmetro), o que permite um consumo mais rápido e, por outro, o facto de o bolo-rainha ser ligeiramente mais pequeno, como se se tratasse de um casal de aves. Não sei se foi de propósito ou se foi um acaso, mas para mim resultou numa ideia interessante.
E não me importa que ainda não tenha chegado o Natal ou o Dia de Reis. Vão-me saber bem, apesar de perceber que, lentamente, se vão perdendo as tradições.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

O Grand Hotel Continental em Lisboa

Este hotel situava-se no Largo de S. Domingos 14, no palácio Regaleira. O edifício, construído no século XVIII, pertenceu durante mais de um século aos barões da Regaleira. Foi herdado por D. Ermelinda Allen (1768-1858), família de origem britânica estabelecida no Porto, que casou em 1791 com José Monteiro Almeida de quem tomou o nome. Em 1840 receberia o título de baronesa da Regaleira.
Escadaria do Palácio Regaleira. Foto Serra Ribeiro. ABC 1921
Com uma vida social intensa recebia e dava festas na sua casa de Lisboa, vivência que repartia por outros locais como o palácio do Beau-Séjour, uma residencia de veraneio ou a Quinta da Regaleira em Sintra, entre outros. Foi sua herdeira a sobrinha Maria Isabel Allen, 2ª baronesa da Regaleira (1808- 1889) que casou com João Carlos de Morais Palmeiro e que viria a efetuar a venda destas propriedades progressivamente. Em 1898 seria a vez do palácio da Regaleira em Lisboa.
Largo de S. Domingos, 1968. Foto de Armando Serôdio. Arquivo Municipal de Lisboa
O edifício foi ocupado por vários estabelecimentos comerciais como uma vacaria e foi nele que se instalou também, no final do século XIX, o Grande Hotel Continental. Já aí existia em 1892 e continuava em funcionamento no final de 1897, não me tendo sido possível determinar com exactidão a data de encerramento. 
Era seu proprietário Manuel Gonçalves que se orgulhava, na publicidade ao hotel, da sua situação central junto ao Rossio e perto da estação de caminhos de ferro. Anunciava também que desde sempre existiam no hotel filtros Chamberland. Este “sempre” referia-se seguramente ao início do hotel uma vez que o filtro de porcelana Pasteur-Chamberland, fora inventado por Charles Chamberland em 1884. Destinava-se à purificação da água, eliminando bactérias, preocupação muito moderna na época.
Foto tirada da internet
O Grande Hotel Continental tinha um restaurante onde eram servidas refeições e cujos menus eram publicitados no jornal Diário Illustrado. Analisaram-se as ementas de 1892, 1894, 1896 e 1897 de que se apresentam como exemplos os menus de 7 de julho de 1892 e o de 29 de Março de 1896. Eram constituídos por potage, sendo a mais habitual a de crevettes e a canja de galinha. Seguiam-se os hors d’oeuvre com petits pâtes à la parisienne ou outros; o relevé com peixe em filetes ou outro; a entrée com fricandeau de veau ou lombo à jardineira; nos legumes eram servidos espargos, ervilhas ou favas; no rôti era frequente o peru assado. Seguiam-se depois os entremets e o dessert, onde surgiam os gelados e os choux variados.
As ementas eram quase sempre escritas em francês, como então eram moda, mas encontraram-se alguns pratos em português ou num misto das duas línguas ou ainda com palavras francesas aportuguesadas.
Os almoços, a primeira refeição do dia, eram servidos entre as 9 e as 12 horas e custavam 500 réis. Quanto aos jantares, eram servidos entre as 4 e as 8 horas e custavam 600 réis, incluindo meia garrafa de vinho e café. O restaurante possuía também gabinetes onde podiam ser servidos os jantares por 800 réis. Quanto aos aposentos o seu preço diário situava-se nos 1000 réis e acima e aceitavam também pensionistas.
É provável que o hotel já não funcionasse em 1901. Aí se alojou em 1902, o Liceu Nacional de Lisboa, que viria a dar a actual Escola Secundária de Camões, que chegou a partilhar o edifício com uma vacaria e uma loja de mobílias. O projecto de uma nova construção para o Liceu, por Ventura Terra, em 1907, levou à mudança do estabelecimento de ensino deste local.  Mais tarde aí esteve também em funcionamento um teatro (Teatro Rocio Palace).
Interior do Regaleira Club. Foto Serra Ribeiro. ABC 1921
Nos anos 20, no mesmo local, funcionou o Regaleira Club que tinha igualmente serviço de restaurante que começava às 19 horas e que era acompanhado de variedades e musica de Jazz-bands. A partir das 20 horas podia ouvir-se musica tocada por um quinteto dirigido pelo violinista F. Remartinez. Foi um dos mais famosos clubes de Lisboa com uma grande beleza interior documentada em fotografias da época
Desde Maio de 1939 aí funciona a ordem dos advogados que recuperou o edifício.
Pelos escritos que foram consultados deduzo que existia um total desconhecimento deste hotel, havendo apenas referência no local ao Regaleira Club, pelo que achei importante, dá-lo a conhecer.
Bibliografia: 
- ABC , 7 de Junho de 1921.
- Vaz, Cecília Santos, Clubes nocturnos modernos em Lisboa, Tese de mestrado, 2008.
- Teixeira, Manuel Domingos Moura, Mundanismo, transgressão e boémia em Lisboa dos anos 20 – o club nocturno como paradigma, Tese de licenciatura, Universidade Lusófona, 2012.
- Diario Illustrado, 1892- 1900.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Dia de S. Martinho

O etnólogo Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) escreveu sobre este dia: 
«O S. Martinho, como o dia de Todos os Santos, é também uma ocasião de magustos, o que parece relacioná-lo originariamente com o culto dos mortos (como as celebrações de Todos os Santos e Fiéis Defuntos). Mas ele é hoje sobretudo a festa do vinho, a data em que se inaugura o vinho novo, se atestam as pipas, celebrada em muitas partes com procissões de bêbados de licenciosidade autorizada, parodiando cortejos religiosos em versão báquica, que entram nas adegas, bebem e brincam livremente e são a glorificação das figuras destacadas da bebedice local constituída em burlescas irmandades. Por vezes uma dos homens, outra das mulheres, em alguns casos a celebração fracciona-se em dois dias: o de S. Martinho para os homens e o de Santa Bebiana para as mulheres (Beira Baixa). As pessoas dão aos festeiros vinho e castanhas.» 
 Bibliografia: As Festas. Passeio pelo calendário, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A vista do Pico

Uma visita rápida ao Faial para fazer uma conferência sobre alimentação no doente oncológico permitiu-me rever a beleza da Horta.

Nesta cidade, a vista privilegiada para o Pico, transforma-se no primeiro objectivo para quem quer deliciar os olhos e tirar belas fotografias. O Inverno não é a melhor época para conseguir este fim, mas há sempre surpresas. Quando cheguei o cume do Pico estava enevoado e diziam na cidade que tinha nevado lá em cima. Mesmo quando o sol abriu manteve-se escondido, para pena minha.
Aproveitei bem o tempo com um roteiro gastronómico que passou por um agradável jantar no Genuíno, com alimentos locais de qualidade. 
Começámos por umas lapas a que se seguiu um prato de filetes de abrótea com migas e legumes estufados, tudo vindo do mar e terrenos envolventes. O ambiente, cheio de recordações das viagens do proprietário faz-nos sentir aconchegados.
O seu proprietário Genuíno Madruga, que dá o nome ao restaurante, ajuda-nos na viagem, desta vez culinária, com a simplicidade de quem sabe o que faz.
Este homem dos mares, que se pode orgulhar de ter feito duas viagens marítimas à volta do Mundo, como velejador solitário, atracou na sua terra para agora nos satisfazer com os seus pratos. As suas viagens contou-as num livro «O Mundo que eu vi» que foi publicado em 2000.
No dia seguinte almocei no Peter, o carismático bar da cidade da Horta, de ambiente agradável e lugar de visita obrigatória.
No dia do regresso o sol tornou-se mais intenso e o cimo do Pico apareceu a espreitar por cima das nuvens que encobriam as encostas. 
Agora eu tinha a visão completa mas, como num puzzle, tinha que juntar mentalmente as duas visões. Afinal consegui ver o Pico todo.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O livro de Cozinha de Apício

No próximo dia 12 de Novembro vai dar-se o lançamento do «Livro de Cozinha de Apício». Traduzido, interpretado e com comentários da minha amiga Inês de Ornellas e Castro traz a lume uma reedição da sua importante obra.
Com o subtítulo «Breviário do gosto imperial» remete-nos para a maior colectanêa de receitas das Roma clássica: De re coquinaria. As receitas são atribuídas a Apicius, mais provavelmente Gavius Marcus Apicius que viveu durante o reinado de Tibério, no século I. A versão inicial terá sido aumentada até ao século IV, tornando-se numa fonte abrangente sobre a cozinha romana com cerca de 500 receitas.
Tornou-se famoso como manuscrito até à data da primeira impressão em 1498, em Milão. Durante o século XVI foi publicado mais seis vezes. Depois apenas seria publicada em 1705 em Londres, por Martinus Lister, numa pequena edição de 120 exemplares.
 Nos séculos seguintes várias edições se seguiram. A primeira edição em língua portuguesa, da autoria de Inês de Ornellas e Castro surgiu em 1997. 
Aqui está novamente, seguramente com mais informação, uma obra de grande utilidade para compreendermos e nos admirarmos com o requinte que a cozinha romana já tinha atingido nessa época.