quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Objecto Mistério Nº 4

Desta vez um objecto mistério fácil, para não desanimarem.

Porque algumas pessoas se têm queixado de que eu não descrevo as dimensões, vou passar a fazê-lo.
Este objecto tem 19 cm e é feito em inox e num material plástico, que serve de pega.
Para o mesmo fim há vários modelos.

Alguns modelos têm a pega em madeira.

Noutros todo o objecto é feito no mesmo material.
Foi muito usado na hotelaria e restauração, mas também nalgumas casas de família.

Continua a ser útil ainda hoje.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

S. Nicolau, a Coca-Cola e os frigoríficos



Confuso? Não!

Pode-se dizer que foi durante o século XIX que a figura de S. Nicolau se transformou em Pai Natal, ou, como é conhecido nos países anglo saxónicos, em Santa Claus, nome que resultou da alteração fonética do alemão Sankt Nikalus e do holandês Sinterklaas.
De acordo com iconografia na posse da Sociedade de S. Nicolau (www.stnicholascenter.org/Brix?pageID=23 , foi pela mão de Alexander Anderson que, em 1810, o santo surgiu representado ainda com as suas vestes de bispo e longas barbas brancas, associado já à dávida de presentes a crianças, colocadas em botinhas na chaminé
Foi ainda durante o século XIX que vários cartunistas americanos iniciaram a sua representação de forma personalizada. Entre estes encontrava-se Thomas Nast, já mencionado no anterior post, que embora o tenha desenhado sobretudo a preto e branco, também o imaginou com vestes encarnadas, por possível sugestão dos paramentos de bispo, da mesma cor. A ele se deve uma forma aproximada da dos nossos dias, sobretudo na associação a presentes, que,nos seus desenho, o rodeiam .
Ainda durante este período as cores das suas vestes variaram entre o púpura, o azul, o amarelo, o verde e até o encarnado, como vimos.

Gravura de Thomas Nast século XIX
Seguiu-se-lhe J. C. Laeyendecker que desenhou muitas das capas do jornal Saturday Evening Post .
Também o famoso Norman Rockwell foi responsável por várias capas do mesmo jornal, na época dos anos 20, apresentando, nos números de Dezembro, uma imagem mais humanizada do santo.

Capa da autoria de Norman Rockwell de 1920

Foi contudo com Haddon Sundblom, um ilustrador americano que trabalhou para a empresa Coca-Cola, que a imagem actual do Pai Natal, vestido de encarnado, gordinho e bonacheirão, se instalou definitivamente. Embora menos famoso que Norman Rockwell a sua intervenção na área do marketing foi muito eficaz e algumas das suas criações permaneceram até aos dias de hoje. Quem não conhece a cara do homem que ainda hoje surge na publicidade da empresa Quaker Oats Company?
Mas embora Sundblom tenha trabalhado como publicitário para outras empresas como a Packard, a Nabisco e a Colgate-Palmolive, foi para a Cola-Cola, para quem começou a colaborar em 1931, que o seu trabalho foi verdadeiramente marcante.

O homem da Quaker Oats cuja cara chegou aos nossos dias
Com a recessão de 1929 as vendas da Coca-Cola, desceram muito. A bebida era então ainda muito associada a um produto medicamentoso. Apresentada até então como uma bebida de verão era necessário relançá-la também como bebida de Inverno. Isto é, transformá-la numa bebida para todo o ano e, dessa forma, aumentar as vendas. Foi esse desafio que Haddon Sundblom enfrentou.
Para o realizar imaginou uma representação do Pai Natal, criada a partir da face de um colega seu já reformado, e conseguiu impô-la como a verdadeira imagem do Pai Natal, descendente de S. Nicolau. Representa-o com vestes encarnadas como o bispo, amigo das crianças como o santo e, como ele, com a possibilidade de dar presentes.
Mas nas primeiras imagens publicitárias, que vão buscar a história da Noite de Véspera da Natal de Clement C. Moore, de que falámos no anterior post, o Pai Natal partilha com a criança uma garrafa de Coca-Cola que retira do frigorífico, cuja luz os ilumina. É Natal e está frio, mas mesmo assim o Pai Natal, cansado da sua actividade laboriosa de distribuir presentes pelas crianças, apetece-lhe uma bebida fresca. Não um chocolate quente ou um chá, mas uma Coca-Cola. E os olhos da criança brilham de alegria. Não são os presentes que lhe dão essa alegria mas a presença do Pai Natal junto de si e a cumplicidade da bebida que se adivinha partilhada.
O resultado foi um sucesso e a mensagem foi repetida de outras formas.
Mas o elemento discreto que acompanha o Pai-Natal e esta publicidade da Coca-Cola, e que nunca foi valorizado, é o frigorífico. No século XIX usavam-se ainda caixas de gelo. O primeiro frigorífico tipo compressor, para uso doméstico, foi comercializado nos Estados Unidos em 1913. Mas nos anos 20-30 começou a produção em massa por acção da General Electric da General Motors. Um grande sucesso iria obter o modelo Monitor Top de 1927 da GE, que apresentava um motor circular, em cima do frigorífico.
Mas os frigoríficos que nos surgem nos anúncios da Coca-Cola são mais tardios e assemelham-se ao modelo desenhado em 1935 por Raymond Loewy, designer francês que se estabeleceu nos Estados Unidos após a guerra, e que desenhou um frigorífico para a Sears, a que chamou Coldspot.

Publicidade de 1947 intitulada «Hospitalidade no seu frigorífico»
Os frigoríficos tiveram um êxito enorme nos Estados Unidos. Nos anos 40 encontravam-se já instalados frigoríficos em cerca de 64% das casas equipadas com electricidade, número que subiu para 80% nos anos 50.
Em Portugal a sua introdução foi mais lenta. Em 1955, Portugal importava dos Estados Unidos 3.100 frigoríficos, 4.109 em 1958. No mesmo ano o número de frigoríficos importados dos Estados Unidos era praticamente igual aos vindos da Alemanha, seguido da Inglaterra e Itália, perfazendo um total de 14.300 unidades. Números pequenos comparados com os encontrados nas casas americanas, mas tanto num país como noutro representavam um sinal de modernidade.
E foi essa noção de modernidade que Haddon Sundblom conseguiu transmitir na sua publicidade, de forma subliminar e que, por extensão, incluía a própria bebida. Esta perdia assim o seus atributos medicinais, para se tornar numa bebida apetecível, adequada a qualquer época do ano e moderna. Publicidade genial, que é uma forma de encantamento, como uma dança da cobra e que continua a fascinar-nos ao fim de todos estes anos.

domingo, 21 de dezembro de 2008

A véspera de Natal e o nascimento do Pai Natal

Na tradição das histórias de Natal surge-nos como precursor Clemente Clarke Moore (1779-1863) que foi professor de literatura grega e oriental naquela que é hoje a Universidade de Columbia.
Na véspera de Natal de 1822 , C. C. Moore saiu de casa, onde vivia com a sua mulher e seis filhos, para ir comprar um peru. Durante o caminho, enquanto enfrentava o rigor do Inverno, imaginou um poema de Natal que nessa noite contou aos seus filhos. Posteriormente escreveu e publicou o poema intitulado «A visita de S. Nicolau», que hoje é mais conhecido pelo nome de «A noite de véspera do Natal».
O poema teve uma aceitação extraordinária da parte do público e divulgou-se por vários países. Foi a sua descrição de São Nicolau que ajudou a formar a imagem do Pai Natal, chamado S. Nicolau (Santa Claus) nos outros países. Foi nele que vários cartunistas se inspiraram, ao utilizá-lo nos seus desenhos.
Foi o caso de Thomas Nast, que era na altura um conhecido desenhador gráfico na área da política, mas também de outros que se lhes seguiram, como aconteceu nas publicações da revista «Harper’s Weekly».

Desenho de Thomas Nast (c. 1869) designado «Saint Claus nos seus trabalhos», 1ª representação do Pai Natal com fato encarnado.
Embora Moore, em 1844, tenha publicado o conjunto dos seus escritos poéticos, foi a sua história, imaginada no regresso do mercado, na véspera de Natal de 1822 que o tornou famoso.
Segundo alguns, este autor baseou-se numa história de Washington Irving que publicara, em 1821, um poema de Natal chamado «O amigo das crianças».
Já no seu primeiro livro, publicado em 1809, e intitulado, «A History of New-York from the Beginning of the World to the End of the Dutch Dynasty, by Dietrich Knickerbocker», Irving se referia inúmeras vezes a São Nicolau. Descrevia-o então como um santo com fato e chapéu, a fumar um longo cachimbo e sentado num cavalo. O pseudónimo que adoptou nesse livro, "Knickerbocker", serviu de nome a uma grupo de homens que então viviam na chamada New Amsterdam, nome de Nova Yorque no século XIX. Foram eles que introduziram o culto de São Nicolau, embora na realidade fossem ingleses e não Holandeses. Talvez isso explique porque na descrição de São Nicolau não era referido o acompanhante árabe negro (Zwart Piet), habitual na iconografia holandesa.
Postal holandês com a imagem de S. Nicolau com o "Pedro Preto"
Mas voltemos mais atrás para lembrar quem foi S. Nicolau.
Este santo foi bispo em Mira, na actual Turquia e aí viveu, vindo a falecer no século IV. É um santo padroeiro de grande devoção na Rússia, o que explica a sua representação em ícones russos onde aparece com uma barba branca. Mas também o é noutros países, em especial na Grécia, Noruega e Holanda (Amesterdão). Neste país a sua festa tem grande tradição, razão porque alguns atribuem aos emigrantes holandeses a introdução do seu culto na América.
Toda isto vem a propósito de um anúncio da Coca-Cola sobre o qual falaremos no próximo post. Antes porém deixo uma versão do poema de Clemente C. Moore, numa lindíssima publicação de 1925, edição de McLouglin Bros, no livro «The Christmas Book».



Bolo de Natal


Este bolo de Natal, uma porca com os porquinhos a mamar, foi-me oferecido o ano passado.
Embora tenha longa duração porque é feito de massapão, o seu recheio é de doce de ovos, o que já lhe encurta o período de vida.
Já foi comido o ano passado, mas ficou a fotografia para recordar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Objecto Mistério Nº 3. Resposta: Funil para tarte

O funil para tartes funciona como uma chaminé, nome que por vezes também toma, uma vez que permite a saída do vapor, do seu interior.
As tartes a que nos referimos são as «pies» dos ingleses. Isto é, uma empada gigante, portanto com uma tampa de massa. Eram antigamente chamadas «pastelões».

Existem também algumas receitas que as designam por «timbal». A designação de timbal aplica-se a um instrumento de percussão de origem africana, sendo possível que a adaptação da palavra ao prato culinário tenha a ver com a forma da massa esticada sobre a tarte.
A receita que eu aprendi de timbal, na minha adolescência, era feita com massa folhada, ao contrário das empadas ou pastelões em que se usa mais frequentemente massa quebrada, mas não sei se esta é uma regra.

Durante o cozimento no forno o recheio da tarte ou pastelão ferve e liberta vapores que obrigam, se não se quiser que esta rebente, a que se faça um ou mais orifícios para a saída do mesmo. Há quem faça um orifício central e coloque um canudo de papel vegetal para permitir a saída do vapor. Mas existem objecto próprios para esse fim.

São os ingleses o povo que mais manteve o costume medieval dos pastelões. Pela mesma razão são eles que usam mais frequentemente funis para este tipo de tartes cobertas.

Existem vários modelos de que mostramos alguns exemplares, mas o mais interessante foi ter descoberto que o objecto mistério que apresentei como desafio é português. Embora seja muito semelhante aos paliteiros, em forma e dimensões, estes apresentam a cabeça do pássaro em posição horizontal.
Foi produzido na SECLA (Caldas da Rainha), penso que nos anos 60. Deve ter sido feito apenas para exportação, como acontece com várias peças da Secla. Na realidade não conheço nenhum português que alguma vez tenha usado um destes funis e eu própria confesso que também não.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Objecto Mistério Nº 3

- O objecto mistério de hoje é um utensílio de cozinha e não de mesa, como pode parecer à primeira vista.

- É um objecto que deve datar dos anos 60.

- Foi produzido em Portugal, mas destinou-se sobretudo à exportação

- Existem outros da mesma forma mas com fins diferentes. Esses sim de mesa.

- Para o mesmo fim existem utensílios de diferentes formas, como veremos na resposta seguinte.

- Qual é a coisa? Qual é ela?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A crise e a «Economia Doméstica"

Em tempos de crise é bom lembrar que em Portugal, ainda não há muitos anos atrás, se vivia com imensas dificuldades.
Quando começou a haver algum desafogo económico deixaram de se valorizar as pequenas coisas. Nos últimos tempos alcançou-se o auge do consumismo, que atingiu mesmo quem não o podia exercer.
Esqueceram-se os valores morais, os mais importantes, e só se valorizou o material. Dentro deste campo apenas as «marcas comerciais», identificadas com qualidade, luxo ou moda, passaram a ser importantes. Os mais novos, mais facilmente influenciados pela publicidade, assimilaram com facilidade estes conceitos.
De repente todos descobriram que afinal o paraíso prometido não estava ao alcance de todos. Nem nunca esteve. Afinal demasiadas pessoas estavam distraídas.

As novas gerações ouvem agora e pela primeira vez o conceito de economizar. Desde sempre essa noção foi sendo assimilada naturalmente, de forma racional e intuitiva.

Nos finais do século XIX, quando o papel das donas de casa se tornou mais relevante começou-se a instruir as mulheres, pilares da família. E surgiram conceitos considerados então científicos de «Economia Doméstica», que em Portugal apenas na primeira metade do século XX foram ministrados. E mesmo assim apenas nas grandes cidades.

Com o tempo perderam-se estes conceitos de economia doméstica ou outra. E hoje fico surpreendida por ouvir a própria EDP a ensinar os consumidores a poupar.

Como vai longe o período oposto em que, a então correspondente CRGE (Companhias Reunidas de Gás e Electricidade) incentivava ao consumo, promovendo mesmo a venda de electrodomésticos.
Tudo a isto a propósito de um pequeno objecto. Uma lata de conservas reciclada em raspador. Foi-me vendida, como sendo um raspador de escamas de peixe. É provável que assim seja.
O seu fundo foi picado com um prego, de forma regular, criando orifícios, em que os bordos cortantes são utilizados para raspar. Pode também ter sido utilizado para raspar a casca de citrinos, à semelhança de outros exemplares que possuo.

Para mim é um objecto fascinante porque encerra em si, para além da noção de economia, uma disponibilidade do tempo e uma atenção pelas pequenas coisas que hoje já não existe. Para meditar em tempo de crise económica.

domingo, 30 de novembro de 2008

Joana Vasconcelos e os utensílios domésticos

A propósito do meu último post um amigo mandou-me uma foto do sapato Dorothy de Joana de Vasconcelos, feito com tachos e tampas em aço inoxidável e que esteve exposto em Paris, no jardim da Tulherias, em 2007.

Foi uma maneira de eu chamar à atenção para a obra de uma das mais criativas artistas plásticas portuguesas e para o uso dos utensílios domésticos na arte.

Lembrei-me imediatamente de outras criações desta artista, como é o caso do Coração Independente, feito em arame e talheres de plástico e que vi exposto no restaurante Eleven.
Na altura fiquei encantada com aquele coração gigante, de cor amarela, em que o entrecruzamento dos talheres semelhavam uma filigrana translúcida que reproduzia os típicos corações nortenhos. Soube depois que a mesma obra havia sido feita utilizando talheres em preto e também em encarnado.

Joana Vasconcelos tinha já usado funis de plástico azuis, numa criação de 1999 a que deu o nome de Tolerância Zero.

Mais conhecida é a estrutura feita com garrafas de vidro verde, que se encontra à frente da entrada do Museu Colecção Berardo, de que faz parte e que se intitula Néctar. Foi com esta instalação que Joana Vasconcelos recebeu o prémio Colecção Berardo, em 2006.
No meu mundo «terra a terra» este entrelaçado entre os objectos comuns e a arte dá-me um enorme prazer, que agora partilho com quem me lê.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Os utensílios domésticos como Arte


Entre Fevereiro e Maio deste ano esteve presente uma exposição do escultor chinês Zhan Wang no Museu de Arte Asiática de São Francisco.

Nascido em Pequim, em 1962, tornou-se conhecido como um importante artista da sua geração, com exposições em vários países.

As suas criações mais reconhecidas são as rochas em aço inoxidável em que molda as folhas de aço sobre secções da rocha, unindo-as depois e polindo-as. O resultado é o de uma reprodução oca e brilhante, de um corpo geológico.

As rochas que servem de modelo são seleccionadas pelo autor e apresentam formas que são valorizadas pela cultura chinesa, que considera a água e as rochas como elementos importantes da natureza e fontes de meditação. Zhan Wang estabelece desta forma uma ponte entre a China tradicional e a tecnologia moderna.



Na exposição referida o escultor utilizou rochas trazidas da Serra Nevada e designou a exposição «Montanha Dourada», numa alusão à corrida à busca de ouro, que teve lugar nesse local, no século XIX . Nela participaram milhares de chineses que fizeram de S. Francisco a porta de entrada nos Estados Unidos.
Só por si este aspecto parecia já bastante interessante, mas não justificaria a sua presença neste blog, se a exposição não tivesse uma segunda parte.


O artista completou a exposição criando uma paisagem topográfica de S. Francisco, que se integra numa série de «paisagens urbanas» já por si realizadas.
Nesta instalação para além de usar as rochas em aço, utilizou outros objectos de uso comum, sobretudo utensílios culinários em aço brilhante.

E assim surgiu uma imagem de São Francisco construída com panelas, tachos, escumadeiras, caixas, formas, conchas, etc. O resultado foi surpreende. As paisagens exercem sobre nós uma atracção que nos faz esquecer estar em presença de objectos comuns, porque se transformaram em arte.
É para isso que servem os artistas, para nos surpreender e emocionar.

domingo, 23 de novembro de 2008

“Sabores Judaicos”

Hoje em dia já compro poucos livros exclusivamente de receitas. Refiro-me a livros novos, é claro, porque dos antigos, continuo a não resistir.
O número de livros de receitas que sai em todo o mundo é elevadíssimo. Em 1994 Shapiro já referia que saíam nos Estados Unidos mais de 1000 títulos por ano. Em França, só em 2002, foram publicados 750 novos títulos, enquanto na Suécia, no mesmo ano, para 8,8 milhões de habitantes, eram publicados 300 novos títulos.
Estes números são contudo baixos quando comparados com Inglaterra onde os concursos culinários e os programas com chefes de culinária levaram a um aumento do número de vendas deste tipo de livros. Só Delia Smith, que tinha um programa de televisão chamado «How to cook», vendeu dezassete milhões de livros.

De resto o Reino Unido é citado como sendo o país onde são publicados mais livros per capita por ano. A última lista publicada pela Unesco mostra que, neste país, em 2005, foram publicados 206.000 novos livros, seguido pelos Estados Unidos com 172.000. O número e o tipo de livros publicados por ano e por país é monitorizado pela Unesco como um índice importante para avaliar o nível de vida e de educação de um país. Dessa lista fazem parte, pelo menos 77 países, incluindo Angola e Burkina Faso, mas não consegui encontrar Portugal.

Toda esta conversa vem a propósito do último livro de culinária que comprei.

Trata-se do livro de Graça Sá-Fernandes e Naomi Calvão, publicado este ano pela Assírio & Alvim e intitulado «Sabores Judaicos. Trás-os-Montes». O livro apresenta-se ilustrado com belas fotografias de Valter Vinagre, que se tem especializado neste tema.
Mas este é mais do que um livro de receitas. Na introdução as autoras explicam que pretenderam homenagear os cripto-judeus daquela região e recuperar a tradição, no que se refere aos costumes alimentares, que foram passando nas famílias de forma oral, ao longo dos séculos. Assim incluem uma primeira parte em que explicam as principais festas religiosas judaicas e os alimentos característicos de cada uma delas. Na segunda parte apresentam-se as receitas mencionadas por temas.

Porque a alimentação transmontana é extraordinariamente rica e mantém ainda características ancestrais é importante registá-la , antes que se vá adulterando ou perdendo.
A nossa história alimentar sofreu várias influências religiosas e pagãs e hoje somos o resultado de todas elas.
Não temos estudada a influência árabe na nossa alimentação, ao contrário dos espanhóis que já o fizeram, embora tenhamos a atenuante de uma menor influência. A comida judia, de que possuo alguns livros publicados nos Estados Unidos, nunca tinha sido abordada no nosso país sob este ponto de vista.
Foi por isso que adquiri este livro. Preenche uma lacuna na nossa história e a mim, pessoalmente, entusiasma-me ver a cozinha transmontana, uma das melhores do nosso país, assim enaltecida.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

O Absinto (II)

Para terminar este tema, voltamos ao absinto, a bebida conhecida por «fada verde» devido à sua cor e ao poder alucinogénico.

Na realidade foi também este o nome que o seu inventor comercial, o médico Dr. Pierre Ordinaire lhe deu quando o criou, em 1792, como remédio para todos os males.

No entanto e apesar da presença de ervas destiladas a sua cor verde só se torna mais evidente após a preparação.
Para a confecção da bebida existem vários utensílios. Em primeiro lugar a garrafa que contém a bebida destilada e de que, em cada bebida, apenas se utiliza uma pequena parte, isto é, uma medida, uma vez que em si o «absinto» é o que hoje chamaríamos uma «long drink». Essa medida é colocada num copo de vidro alto, ligeiramente cónico, assente num pé curto. Existem vários modelos de copos e alguns apresentam uma pequena barriga inferior, que corresponde à medida correcta de absinto. Outros modelos incluem uma segunda peça em vidro que encaixa no próprio copo, mas este modelo foi menos frequentemente usado.
Indispensável era a garrafa de água fresca usada na preparação da bebida ou o jarro de bico fino, para permitir deitar a água lentamente. Esta era deitada em fio sobre um cubo de açúcar colocado sobre uma colher perfurada, assente horizontalmente nos bordos do copo.

A primeira vez que vi uma colher destas (a 1ª da foto) foi na Feira da Ladra, há alguns anos. Passei a correr e vi um objecto estranho que eu desconhecia. Perguntei o que era, mas o vendedor também não sabia. Pensei que talvez servisse para peixe.

Como sempre faço quando não sei para que serve, comprei as quatro que estavam à venda, para mais tarde descobrir a sua função.
Ao chegar a casa limpei-as e tive a primeira surpresa agradável: eram Crhistofle. Um dia, nas minhas pesquisas, venho a descobrir que se tratava de uma colher de Absinto. Fiquei fascinada e li o que podia sobre o assunto. Em Bruxelas encontrei mais dois modelos em metal. Existem porém dezenas de colheres deste tipo com diferentes recortes, algumas delas publicitárias. Para além deste modelo, existe um outro circular com aberturas e que assenta em 3 ganchos no bordo do copo e ainda um outro, em que a colher tem o aspecto normal, mas no seu cabo, surge a meio um rendilhado destinado a colocar o açúcar.
Em qualquer dos modelos existia um local perfurado onde se colocava o açúcar que, lentamente, sob a acção da água ia derretendo. Á medida que esta água se adicionava ao absinto a bebida ia tomando uma cor verde opaca. Escorria-se depois a colher e mexia-se. Tudo isto era feito de uma maneira lenta, constituindo um ritual valorizado por si só.

Como se utilizava o açúcar, uma vez que a bebida em si é amarga, havia tendência para que algum escorresse pelo copo, pelo que sempre se colocava um pequeno pires, em louça, sob este. Esses pires tinham em França rebordos coloridos que variavam de acordo com a quantidade e qualidade do absinto. A cada uma dessas cores correspondia um preço e alguns pires têm mesmo o preço escrito, em francos.

Em Portugal bebeu-se também absinto embora seja difícil saber qual foi a sua divulgação. Júlio Dinis na sua obra «Uma família inglesa» referiu-se a Mr. Richard Whitestone como sendo um desses casos.
Mas a publicidade do absinto era também dirigida às mulheres. Picasso pintou vários quadros em que surge o absinto e, num deles «A bebedora de Absinto» (1901), presentemente no Hermitage de S. Petersburgo, pode observar-se uma mulher sentada à mesa a preparar a sua bebida.

A presença das mulheres tanto na publicidade ligada ao absinto como em bares, numa época de grande austeridade de conceitos e em que a mulher procurava emancipar-se reforçou a perseguição a esta bebida, que terminaria com a sua proibição. Não se acredite que esta foi a razão mais forte.
A pressão dos viticultores, prejudicados com este comércio, viria a ser determinante. O prato da balança económica pendia agora para o seu lado.

«A bebedora de absinto», quadro de Edgar Degas (1876)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Resposta ao Objecto Mistério Nº2: Colher de absinto

O objecto mistério Nº 2 é uma colher para absinto.
Sendo o absinto uma bebida amarga, necessita da adição de açúcar.
Era colocado sobre a colher um quadradinho de açúcar, como ainda hoje é habitual encontrar em França, que foi o país onde o consumo de absinto atingiu maior intensidade.

Nos outros países podia ser colocado um pedaço de um bloco de açúcar ou de um «pão de açúcar». Dissolvia-se depois este, com água, lentamente, caindo o açúcar derretido sobre a bebida.

Embora esta forma de colher seja a mais frequente, podem também apresentar uma forma circular.


Fosforeira com publicidade a absinto
Existe um grande número de colecionadores de objectos ligados ao consumo do absinto, que incluem os copos, as bases, as fosforeiras e a publicidade em geral.





Base para copo de absinto. O número diz respeito ao preço praticado e condicionava a quantidade.

sábado, 15 de novembro de 2008

Objecto Mistério Nº 2


1 - Trata-se de um objecto que eu comprei desconhecendo a sua função. Apenas pelo mistério.

2 - Descobri depois que há colecionadores só deste objecto.

3 - Pode apresentar-se com diferentes desenhos e formas.

4 - Ainda hoje se utilizam réplicas para o mesmo fim.


A resposta no próximo post.

domingo, 9 de novembro de 2008

O absinto (I)

Poucas bebidas terão a capacidade de provocar nas pessoas sensações sem que tenham sido provadas.
Isso não se aplica ao absinto, que provavelmente nenhum de nós experimentou, mas sobre o qual todos sentimos uma misto de receio e atracção.

( Poster Arte Nova de publicidade ao Absinto)




O absinto é uma bebida amarga feita pela destilação de uma planta a Artemisia Absinthium, a que se adicionam outras ervas como o anis, funcho, hissopo, etc., numa receita que varia segundo o produtor e o país.

A planta Artemisia Absithium L.


Embora tivesse sido usada pelos antigos egípcios (1552 A.C.) como medicamento e tenha sido recomendada por Hipócrates (~460-337 A.C.) para as dores menstruais e reumatismo, seria no século XIX que o seu uso atingiria o apogeu ao tornar-se na bebida mais consumida da Europa. A sua fama como afrodisíaca e os seus atributos de estimulante intelectual, com consequente capacidade criativa, fizeram com que se divulgasse sobretudo na alta sociedade e nos meios artísticos, com destaque para Paris e Praga.

Nomes como os dos escritores Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Edgar Allan Poe e dos pintores Toulouse-Lautrec, Gauguin e Vincent van Gogh ficaram conhecidos como consumidores ou chegaram mesmo a retratar esta bebida ou locais de consumo nas suas obras. Van Gogh pintou em 1887 uma «natureza morta com absinto» e há quem afirme que a sua loucura poderia estar relacionada com o consumo de absinto, embora tal nunca tivesse sido provado.

Os cartazes publicitários Arte-Nova, de grande beleza, estimulavam também o imaginário e a aceitação desta bebida.
No final do século XIX o consumo do absinto tinha atingido proporções alarmantes e a bebida, inicialmente considerada um luxo, havia baixado o preço e era agora vendida sem controlo em todos os estabelecimentos. Para além dos problemas do alcoolismo surgiram problemas mais graves como quadros convulsivos, semelhantes aos observados na epilepsia, alucinações, perturbações do sono, aparecimento de outras doenças psiquiátricas e mortes tóxicas ou por suicídio. Esta dependência ficou conhecida com «Absintismo».
Vários estudos vieram provar que os problemas surgidos com a bebida Absinto não se deviam a esta e provavelmente também não decorriam de uma substância que surge após a sua destilação, a «trujona», que só é tóxica em altas doses. As principais toxicidades deveram-se a adulterações da bebida, frequentes na época, com adição de outras ervas com maior percentagem de trujona, ao uso de produtos tóxicos, como o antimónio, e à utilização de álcool adulterado. Foi o uso destas bebidas baratas, produzidas em destilarias clandestinas, que levou à proibição europeia do consumo desta bebida, no início do século XX.

A mística que envolvia a «bebida verde» não desapareceu com a proibição. Tratando-se de uma bebida amarga, necessitava da adição de açúcar, não sendo portanto uma bebida pronta a consumir. O ritual da sua preparação, aumentando o tempo de espera que antecedia a sua degustação, adensavam o mistério. Os objectos próprios, usados para esse fim, foram desde sempre alvo de coleccionismo e sobre eles falaremos em breve.
Hoje a bebida está de novo autorizada, já sem os riscos anteriormente descritos, mas também sem o mistério que a envolvia. É produzida em toda a Europa e certamente ficarão surpreendidos ao saberem que existem pelos menos quatro marcas portuguesas nessa lista.

E termino com as palavras de Oscar Wilde sobre os efeitos do absinto:
«Depois do primeiro copo vêm-se as coisas como desejávamos que elas fossem. Depois do segundo copo vêm-se como elas não são. Finalmente vêm-se as coisas como elas são na realidade e esta é a coisa mais horrível do mundo».

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Fernando Pessoa em «flagrante delitro»


Quando nos interessamos por um tema prestamos-lhe uma atenção redobrada. Vemos alimentos e bebidas em todo o lado, mesmo onde ninguém repara. É o caso desta fotografia de Fernando Pessoa.
Mais conhecido pela seu pendor para a tristeza, foi apanhado pela objectiva do fotógrafo num momento de prazer.

A cena teve lugar em 1929, na loja de Abel Pereira da Fonseca e foi enviada a Ofélia. No verso a legenda, em que escreveu «em flagrante delitro», mostra um sentido de humor inusitado e surpreendente.

Como eu gostaria de possuir esta imagem do nosso apreciado poeta.
Para quem puder vai estar em leilão dia 13 de Novembro com uma parte do espólio que os herdeiros do escritor disponibilizam agora na P4. Catálogo a visitar obrigatoriamente.

http://www.p4liveauctions.com/calendar/auction/P4046.html

sábado, 1 de novembro de 2008

Janet Ross e as “ Folhas da nossa cozinha Toscana”


Passei hoje de manhã pela livraria do Bernardo Trindade. Olhei à volta e não vi nenhum livro que me interessasse. Ele disse-me: «Para si só tenho este livrinho de culinária». Olhei para ele com um ar de desinteresse. Chamava-se «Leaves from our Tuscan Kitchen».
Como era barato resolvi trazê-lo. Quando cheguei a casa fui registá-lo e folheei-o com mais atenção. Era um livro de receitas italianas de legumes, escrito por uma inglesa.

Resolvi investigar quem era a autora de nome Janet Ross e descobri que o livro tinha sido um sucesso em Inglaterra.
O que mais me agradou no livro não foram as receitas, que provavelmente nunca reproduzirei, mas a personalidade da autora. Nascida em 1842 é uma representante daquela geração inglesa que, no século XIX, deixou a ilha para ir para países como a India, o Egipto ou Itália. A sua vida justificou mesmo um livro, escrito por Sarah Benjamin, em 2006: Um castelo na Tuscania: a vida notável de Janet Ross, uma mulher à frente do seu tempo.

Descendente de família de escritores, com nomes e obras que nos são menos familiares, mas que activam os ouvidos dos ingleses, tornou-se ela própria numa escritora, com vários títulos publicados.
Janet Ross casou-se aos 18 anos com Henry Ross, numa altura em que vivia com a sua mãe, também escritora que publicaria «Cartas do Egipto». Por questões financeiras o casal parte para Itália em 1867. Em 1888 adquirem, perto de Florença uma villa chamada Poggio Gherardo, que seria um ponto de encontro de vários escritores e intelectuais. Por lá passaram nomes como Mark Twain e Henry James.
Conversadora inteligente, foi instigada pelos seus visitantes a transmitir a seu conhecimento de Itália aos leitores ingleses. Foi assim que surgiu a sua primeira obra «Esboços Italianos», a que se seguiu «Três gerações de Mulheres inglesas». Publicou também o livro «Palácios Florentinos e a sua história».
Foi também nesta linha que se justificou o aparecimento do livro «Folhas da nossa Cozinha Tuscana». Publicado pela primeira vez em 1899, teve várias reedições, sendo a minha já a nona, publicada em 1927 e que ainda hoje continua a ser publicado.


O desenho que antecede o frontispício, datado de 1895, mostra o cozinheiro de Poggio Gherardo, de nome Giuseppe Volti, verdadeiro autor das receitas e que as ditou a Janet Ross, como esta afirma no prefácio.
O livro, considerado um clássico da literatura inglesa de culinária, influenciou uma outra figura importante da culinária: Elizabeth David (1913-1992). Responsável pela divulgação de receitas francesas e italianas em Inglaterra, ela própria reconheceu a importância da sua predecessora. Autora de vários títulos de que os mais conhecidos foram: «Cozinha mediterrânica» em 1950, «Comida Italiana» em 1954 e «Uma omelete e um copo de vinho» em 1984, entre muitos outros.
Obrigado Bernardo, por me ter feito descobrir uma personalidade tão interessante como a de Janet Ross.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Objecto Mistério Nº 1 Resposta: Tesoura para açúcar

Apesar do pouco entusiasmo desencadeado por este objecto, que reconheço tem pouca beleza, trata-se de um utensílio que teve grande utilidade na época em que o açúcar era vendido em pedra.
Não sei bem ao certo quando o açúcar começou a ser distribuído em pó, mas presumo que terá sido no final do século XIX, com a industrialização dos engenhos. Esta data não é igual para todos os países e desconheço a data concreta em Portugal.
Ainda hoje os franceses utilizam a maior parte das vezes o açúcar aos quadradinhos.
Os indianos vendem ainda o açúcar em cones truncados de que possuo dois exemplares de tamanho diferentes.
Mas a forma mais frequente de venda de açúcar nos séculos XVII e XVIII era em pedra, com o feitio de um cone, com o bico arredondado, a que se dava o nome de «pão de açúcar». É daí que advém o nome do monte existente no Rio de Janeiro e que todos os portugueses conhecem por «Pão de açúcar».

Esta forma era adquirida pela introdução do açúcar liquido em moldes de barro, aproximadamente cónicos, com um furo na extremidade, que serviam para purgar o açúcar. A parte superior do pão de açúcar correspondia ao mais purificado enquanto a inferior corespondia ao açúcar mascavado.
No Brasil, ainda no século XVIII eram este pães fragmentados em torrões, o que facilitava o seu envio para a Europa.

Quanto aos cones de açúcar purificados eram nalguns países, envolvidos em papel azul fino, como já tive a oportunidade de ver nalguns museus.
Para fragmentar o açúcar em pedra, em casa, usavam-se este tipo de tesouras, que existiam em vários tamanhos. Embora algumas sejam simples com esta, outras apresentavam uma base de madeira onde estava fixa esta espécie de tenaz por um dos braços, ficando o outro móvel.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Objecto Mistério Nº 1

Tenho um fascínio por objectos que não sei o que são e que me obrigam a investigar. São objectos mistério de que por vezes só mais tarde venho a saber o nome ou a função.
Não é o caso do que apresento que eu comprei sabendo do que se tratava. É um objecto raro, que teve grande utilidade, nos séculos anteriores. Se calhar não é tão raro como isso e andam para aí alguns destes objectos a que se dá outro nome.

Para além dos objectos mistério, de que darei a solução proximamente, gostaria também de apresentar alguns objectos do chamado "equipamento culinário" que têm vários nomes consoante as regiões ou que, pura e simplesmente não sei o nome. nesse caso vou aguardar pela ajuda de quem saiba mais.
Para já fica este desafio.