sexta-feira, 27 de março de 2020

Uma (quase) receita africana

Nas arrumações de papéis encontrei três números do jornal «Colyseu dos Recreios». Descrito como jornal - reclame - anunciador tinha distribuição gratuita. O primeiro nº surgiu em Abril de 1891 e parece ter tido uma saída de 49 exemplares até Maio de 1891, de acordo com o registo na Porbase.
Deve ser bastante raro porque o tipo de papel é de uma qualidade péssima, daquele papel do século XIX que se parte todo mal pegamos nele. Passei uma manhã a restaurar as folhas, uma vez que se encontrava todo rasgado.
O anterior Colyseu dos Recreios. Occidente 11 Junho de 1882
Para além da referência ao espectáculos que tinham lugar neste novo Coliseu dos Recreios, inaugurado em 14 de Agosto de 1890, após a destruição do Grande Colyseu, depois Colyseu dos Recreios para dar lugar à construção da Estação de Comboios do Rossio, apresentava publicidade e pequenas histórias de entretinimento.
Foi contudo esta receita ou tentativa de receita, designada «Guizados Africanos» que me chamou à atenção. Não que seja perceptível, mas é interessante, embora suponha que na época ainda tenha sido menos compreendida, excepto pelos angolanos conhecedores da iguaria. Só para levantar interrogações.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Objecto Mistério Nº 61. Resposta: Infusor de chá para caneca


O desafio parecia-me fácil sobretudo porque, apesar de lavada a peça, ficaram ainda alguns vestígios da teína. 

É minha preocupação utilizar os termos correctos das palavras, neste caso dos utensílios de uso doméstico.
A designação “infusor” pareceu-me adequada, descrevendo-a como um tipo de filtro para o chá. No seu interior são colocadas as folhas secas e é introduzido na água quente para fazer o chá e este ficar sem folhas. Pessoalmente, apesar de os achar muito atraentes, dispenso-os e prefiro utilizar as folhas soltas e aguardar que assentem no bule.
Pode-se considerar os infusores de chá como os percussores das saquetas de chá. Foram muito utilizados no século XIX, em especial pelos ingleses que usavam um tipo de chá proveniente da Índia, mais moído, se comparado com as folhas dos chineses. Podem ter formas variadas, as mais frequentes em bola ou ovo, mas podem apresentar-se com imensos modelos. Gosto especialmente das casinhas. 
Durante o século XX surgiram modelos de design extremamente divertidos, como o preguiçoso, o submarino amarelo ou o escafandrista, por exemplo.
Embora o mais frequente seja apresentarem-se suspensos por uma cadeia, podem ter a forma de uma colher dupla ou outro tipo de suportes, como braços ou argolas, que permitem suspendê-los no bordo do recipiente.
Dadas as grandes dimensões deste robot experimentei-o em vários utensílios para descobrir de que tipo de infusor se tratava.
Como podem ver não se destina a bules, porque não permitiria colocar a tampa. Também não serve para colocar numa chávena, porque o corpo do robot é grande demais.
Por fim experimentei com uma caneca e confirmei que é um infusor de chá para canecas. Foi muito utilizado e apresentava-se castanho, tanto no exterior como no interior. Ainda hoje se encontra à venda e é um produto de design Kikkerland.
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P. S. Não confundir com outro tipo de filtro, o passador de chá, muito mais antigo, usado de modo diferente e que tem sempre uma forma aberta.

terça-feira, 17 de março de 2020

Objecto Mistério Nº 61


 Ora então vamos lá ocupar o cérebro com outras coisas além do vírus.

Este objecto tem 8 cm de altura e uma função específica.

Para que serve?

quarta-feira, 4 de março de 2020

O cozinheiro e a galinheira

Pormenor de fotografia estereoscópica
Esta bela imagem é um pormenor de uma fotografia estereoscópica e o seu título, identificado na frente e no verso em várias línguas, é: «Uma vendedora de galinhas numa casa do bairro aristocrático de Braga».
Esta profissão tão antiga era designada galinheira e referia-se à pessoa que tratava das galinhas mas também a quem as vendia, funções que frequentemente se completavam. 
Pormenor de papel de Prateleira
Existiam também galinheiros, mas a referência a esta actividade masculina é mais rara.
A primeira vez que me deparei com esta profissão foi quando fiz a investigação para o livro Mesa Real e em que encontrei o nome de Josefa Rodrigues, que surgia frequentemente nos pagamentos da Casa Real. Foi galinheira da Ucharia Real, pelo menos desde 1759. Nessa data era já viúva de Manuel Pereira e morava na cidade de Lisboa, a Nossa Sª dos Remédios. Fornecia toda a variedade de criação onde se registavam, para além dos animais que hoje nos são familiares, as rolas, os adéns, as frambolas, os pássaros, as marrecas, canárias, perdigotos, galinholas, tordos, etc[1]. 
Vendedor de Patos. Porcelana de Vista Alegre
Esta tipo de venda fazia-se também em lugares públicos como nos mostra o requerimento de Maurícia Rosa da Conceição, galinheira, solicitando licença para um lugar de galinheira na Praça Nova da Figueira, em 1816[2].
Nas grandes cidades como em Lisboa, Porto, Coimbra e Braga, como aqui se demonstra, era sobretudo uma actividade ambulante. Em Lisboa a sua presença típica, em que os animais eram contidos em cestas cobertas com uma rede, transportadas à cabeça pelas vendedoras, durou até meados do século XX. Várias fotografias e gravuras imortalizaram essa profissão.
Figuras típicas de Lisboa. Pormenor de papel de prateleira
Percorriam as ruas chamando as suas clientes através de refrão que cantavam bem alto: «Éh galinhas! Merca frangos! Galinhas! Quem nas quer e com ovo?».
Durante muitos séculos o seu consumo tinha sobretudo um intuito medicinal. Destinavam-se à canja dos doentes e apenas em situações de festa as víamos surgir à mesa dos mais abastados. As galinhas eram caras, razão para que fizesse sentido o ditado: «Quando o pobre come galinha um dos dois está doente».
Transportadas por estas mulheres indefesas, que muitas vezes eram assaltadas durante o que se chamava atravessamento de galinhas, razão porque também foram chamadas Travessadeiras de galinhas.

Fotografia de criança mascarada de galinheira
Maria Antónia Lopes, no livro «Pobreza, assistência e controlo social em Coimbra (1750-1850)» descreve o seguinte passo das Actas da Câmara de Coimbra[3], datado de Dezembro de 1751: «e tendo chegado aos ouvidos deste Senado os Clamores do Povo em ordem a dar remedia concludente ao prejuízo, qui cauzavaõ as Travessadeiras das Gallinhas e mais aves de penna deste genero, naõ bastando tanta providencia dada nem penas impostas para impedir hum delito, que continuadamente se comette, abrangendo o prejuízo tambem a tantos pobres doentes, que ficcaõ sogeitos a inpiedade da ambiçaõ das vendedeiras deste genero».
Ficamos por aqui, neste desfiar de memórias e registos sobre as galinheiras, a propósito de uma foto em que salientámos o papel da vendedeira, mas não esqueçamos o do cozinheiro, o comprador, que quase afaga as aves para escolher a melhor para transformar na sua casa. Uma bela imagem perdida no tempo.




[1] Mesa Real. 2012. p. 108.
[2] ANTT. Ministério do Reino, mç. 878, proc. 50
[3] AHMC, Vereações, L.º 64.º, sessão de 11.12.1751.