terça-feira, 29 de novembro de 2011

Castella ou kasutera, o Pão-de-ló japonês

Quando os portugueses chegaram ao Japão no século XVI, tiveram na cultura japonesa uma influência importante. Embora seja frequentemente referida a introdução das armas de fogo, houve outros  aspectos que foram mais marcantes, entre os quais está sem dúvida a influência na língua. A língua japonesa chegou a ter, segundo Armando Martins Janeira, mais de 40.000 vocábulos de origem portuguesa(1).
Variedade de Castella com chá verde
Muitos desapareceram, tal como iria acontecer com a influência religiosa exercida pelos nosso missionários, mas permanecem ainda muitas palavras no uso comum.
 Experimentem dizer em alto kasutera e está-se mesmo a ver um japonês a dizer castella.
É que uma das heranças portuguesas, que os japoneses mantiveram até hoje, foi o fabrico de um bolo, semelhante ao pão-de-ló, introduzido pelos portugueses no século XVI. É produzido na província de Nagasaki, onde é considerado um bolo tradicional. É feito com farinha, ovos, açúcar e xarope de milho e, tal como o nosso pão-de-ló, tem que ser demoradamente batido.
O bolo sofreu algumas alterações, com variantes que incorporam elementos agradáveis ao gosto japonês, como o chá verde, o côco, ou chocolate. Mas a sua base mantém-se fiel ao preparado inicial e continua a ser produzido pela mesma casa de Nagasaki, a Casa Shooken, fundada em 1681 e que se mantém até ao presente.
Em Portugal, existem variedades regionais de pão-de-ló que se tornaram características das regiões de origem, como o de Alfeizerão, o de Ovar, o de Margaride e o de Arouca. À excepçaõ do de Arouca, todos são feitos em forma redonda com buraco. Contudo o de Arouca, em especial o da freguesia de Burgo, distingue-se por ser preparado em formas rectangulares. É o que acontece também com o pão-de-ló japonês ou castella, o que lhes permite serem vendidos em fatias individuais.
Em Portugal é possível experimentar o castella, graças ao empreendorismo de Paulo Duarte um português que estagiou em Nagasaki, na casa Shooken e que em Lisboa abriu um salão de chá luso-japonês, a  «Castella do Paulo». Fica na Rua da Alfândega e vende vários tipos de doces japoneses. Aí se podem provar três variedades de castella: normal, com chá verde e com chocolate.
Pessoalmente, prefiro o nosso pão-de-ló de Alfeizeirão ou de Margaride, mas não posso deixar de elogiar, e de experimentar com prazer, este regresso à Pátria de um doce nosso tão antigo, interpretado pelos japoneses.

(1) Armando Martins Janeira (1914-1988) foi embaixador de Portugal no Japão e um estudioso das relações luso-nipónicas. O seu livro O Impacte Português sobre a Civilização Japonesa, marcou-me imenso. Infelizmente emprestei-o um dia e nunca mais o vi, pelo que não posso confirmar o número que refiro, que nos parece inacreditável, mas que fixei como verdadeiro.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Actividades de Novembro no Centro de Artes Culinárias

 
Com o título «Novembro com a sabor a Dezembro» realizam-se como de costume no Mercado de Santa Clara em Lisboa.

Um pouco atrasado, mas ainda a tempo, aqui fica o convite para participarem nas actividades do Centro de Artes Culinária para o mês de Novembro.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

As Padarias Inglezas

Dito assim, no plural, «As Padarias Inglezas» afiguram-se como um mistério que, no início, não foi fácil de resolver.

A 4 de Março de 1898 a cidadã Mary Ann Broomfield, de naturalidade inglesa, comerciante, residente em Lisboa, fazia o pedido de registo do nome «Padaria Ingleza», estabelecida na Rua Cais do Tojo, 15(1). Ao mesmo tempo pedia também o registo do nome «English Bakery». Contudo, seria pelo primeiro nome que a sua padaria ficaria conhecida em Lisboa.

Hoje no local, só resta um prédio desinteressante mas foi uma loja considerada pelos seus produtos e ponto de encontro de muitos lisboetas. Entre eles salientava-se Fernando Pessoa que ali se encontrava com a sua amada Ofélia.

Em carta datada de 2 Agosto de 1920, Fernando Pessoa escrevia: «Querida Nininha pequena: Estarei no Conde Barão à tua espera das 8 às 8 1/2. Estou escrevendo de onde vês pelo papel, e o Osório vai fazer-me o favor de te levar isto, a casa da tua irmã.
Olha: estarei no Conde Barão, mas no recanto da Padaria Ingleza entre as duas horas citadas, que, creio, te serão convenientes» (2).
Numa outra carta, de 12 de Agosto de 1920, Ofélia respondia:
«Meu Nininho, Afinal hoje estive à tua espera desde as 5 para as 5 até às 6 h, e não houve forma de te ver, nem tão-pouco te interessaste em combinar forma de nos falarmos amanhã....
Estarei também às 8 horas no Cais do Tojo, ao pé da Padaria Ingleza...»

Foi o sucesso desta Padaria que fez abrir uma outra loja, com o mesmo nome, no Largo de S. Julião, 19. Num prédio pombalino foi feita uma adaptação num estilo “Arte Nova” puro, com uma fachada em ferro e apresentando vitrais no mesmo estilo, ao nível do 1º piso. Estas alterações, realizadas em 1907, ficaram a cargo do construtor Carlos Mestre Rodrigues.
A antiga Padaria Ingleza do Largo de São Julião foi mais tarde comprada para filial do Banco Borges & Irmão, que seria adquirido pelo BPI em 1991, e encontra-se presentemente fechada.

O reconhecimento da qualidade  dos produtos da Padaria Ingleza era grande, como podemos ver pelo anúncio publicado na Gazeta de Coimbra, de 1927, que anunciava a venda de Bolo Rei na Leitaria Conimbricense e um sortido variado de doces e bolos, em que se salientavam os «Bolos ingleses da conhecida e acreditada Padaria Ingleza de Lisboa».
No Natal de 1930, existia ainda a Padaria Ingleza no Cais do Tojo como o mostra a fotografia da sua montra num concurso de Montras Nestlé, publicado na Ilustração Portuguesa, no número de Natal(3).
Em conclusão, existiram ao mesmo tempo, em Lisboa, duas lojas, pertença da mesma proprietária, com o nome de «Padaria Ingleza», como nos revela a peça em cerâmica, produzida pela Fábrica de Sacavém.
Assim termina o mistério da Padaria Ingleza, com duas moradas, correspondendo uma delas a uma filial. Numa época em que estas ainda eram pouco frequentes traduzia, sem dúvida, um negócio de sucesso.

(1) Pedido de registo publicado no Boletim da Propriedade Industrial de 30 de Novembro de 1898, p. 76.
(2) Cartas de Amor. Fernando Pessoa. (Organização, posfácio e notas de David Mourão Ferreira. Preâmbulo de Maria da Graça Queiroz), Lisboa: Ática, 1994.
(3) Illustração Portugueza, No. 120, Natal, 16 de Dezembro,1930.

domingo, 20 de novembro de 2011

O Café: «The Magic Bean»


O folheto de 16 páginas intitulado «Magic Bean. The Story of Coffee» foi publicado em 1956 pela National Coffee Association e destinava-se à promoção do consumo do café.
A publicidade foi feita em forma de banda desenhada, com uma apresentação extremamente colorida, focando toda a linha de desenvolvimento do produto, desde a sua descoberta até ao consumo nesses dias.
Destinava-se a ser distribuído no dia de Thanksgiving de 1956, dia tradicional de compras para os americanos.

A sua apresentação transmite-nos a impressão de se destinar tanto a adultos como a crianças. 
Não posso contudo deixar de chamar à atenção para a noção, bem adulta, de “intervalo para café” (coffe break), promovida e apoiada em estatísticas, que vão de números como 62% para o aumento de eficiência no escritório, ou 82% das fábricas que achavam que estas pausas diminuíam em 32% os acidentes de trabalho.

Por tudo isto, já então 41 milhões de trabalhadores americanos faziam uma pausa para café.

Numa das páginas podem também ver-se os vários tipos de utensílios para fazer café, mas também já a referência ao café instantâneo.

Tudo isto muito antes do George Clonney ter começado a sua campanha internacional de impingir as máquinas com cápsulas de café.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Especiarias: As Sementes de Nigella (kalonji)

As sementes de Nigella, da espécie Nigella sativa, são sementes pretas, com uma forma ligeiramente triangular, pelo que podem ser confundidas com as sementes de sésamo pretas. Não têm habitualmente qualquer cheiro, até serem esmagadas. É aconselhável torrá-las a seco e depois moe-las com a máquina do café, ou com um moinho próprio para especiarias, porque são demasiado duras para esmagar num almofariz.
As sementes à venda vêm identificadas como kalonji, como foi o caso das que comprei.

São utilizadas na cozinha indiana, em vários pratos, em especial sobre o naan, um pão achatado, e sobre o arroz pilau.
Nigella Sativa
É também usada no Panch Phoron, uma mistura de cinco especiarias, muito usada na Índia, na região de Bengala. A mistura inclui, em quantidades iguais, sementes de nigella, de mostarda, de erva doce, de cominho e de feno grego. Quanto à designação deste último, devo dizer que é também conhecida por «fenacho» ou por «alforva» (palavra de origem árabe) e é a Trigonella foenum-graecum, que em inglês se designa por “fenugreek”.
Trigonella foenum-graecum
Esta mistura, aloirada em óleo, é muito utilizada em pratos com peixe, ou vegetais, sendo a associação mais frequente com a beringela.
As sementes de nigella são também usadas em chutneys e pickles.

E a terminar uma receita indiana de um prato de manga,  agridoce, que leva sementes de nigella. Pode conservar-se no frigorífico durante, pelo menos, uma semana.
Kairi Ki Launji
1 taça de manga, sem pele, cortada em cubos (pouco madura ou verde)
1/2 colher de chá de erva doce
1/4 colher de chá de sementes de nigella (kalonji)
1/2 colher de chá de coentros em pó
1 colher de chá de pimentão
1/4 colher de chá de açafrão das Índias (turmeric) em pó
1/2 colher de chá Garam Masala
1/3 chávena de açúcar
2 colheres de sopa de óleo
sal a gosto

Aqueça o óleo numa frigideira. Junte as sementes de nigella e de erva doce. Junte a manga aos cubos. Acrescente meia chávena de água e deixe cozer.
Junte as especiarias em pó, o açúcar e o sal.
Pode ser acompanhado com pão naan ou chapati ou ser usado como um chutney.

domingo, 13 de novembro de 2011

Objecto Mistério Nº 27. Resposta: Molinilho ou batedor de chocolate

O objecto apresentado é um molinilho, designação que vem do castelhano molinillo, e esta do latim
molinus.
Embora a palavra molinilho também se utilize para designar um «moinho pequeno movido à mão», usa-se para designar uma haste de madeira, com dentes na extremidade, que se destina a bater o chocolate. 
Este utensílio foi inventado pelos espanhóis que colonizaram o México, no final do século XVII.
Antes desta invenção, que tinha por fim misturar a bebida de chocolate, os autóctones do chamado Novo Mundo, vertiam o chocolate de um recipiente para outro, bem afastados, para o emulsionar e dar-lhe espuma.
Gravura pertença do Museu da América, em Madrid, reproduzida no livro «Sabores da América», de Rosa Belluzzo
Foram os espanhóis quem trouxe o chocolate para Espanha onde se tornou numa bebida da corte. Foi também nesse país que foi publicada a primeira receita de chocolate, como bebida, no livro de , Chocolata Inda; opusculum de qualitate et natura Chocolatae, em 1644.
Só depois, no século XVIII, as restantes cortes europeias adoptaram o chocolate, mas nunca com o fervor que os espanhóis ainda hoje mantêm.
A utilização do molinilho, cuja haste passava por um orifício da tampa da chocolateira, permitia dar-lhe um movimento de rotação, esfregando-o entre as as duas mãos.
O molinilho era normalmente em madeira e o seu tamanho dependia das dimensões da chocolateira. Ainda hoje é usado pelos espanhóis e pelos mexicanos.
Há alguns anos fotografei um raro, com as pás em cerâmica de Deltf, que espero um dia lhes mostrar.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Objecto Mistério Nº 27

O objecto mistério de hoje ainda é usado em vários países, que não vou enumerar para não facilitar demasiado a questão.

O aqui apresentado é moderno.

É feito em madeira e mede cerca de 30 cm, mas o seu tamanho pode ser variável.

Como se chama e para que serve?

sábado, 5 de novembro de 2011

A celebração da Castanha em Portugal

Castanhas da variedade Martaínha

Sob o título geral «É tempo das castanhas» decorreu ontem mais uma iniciativa da Associação Idade dos Sabores, no Centro de Artes Culinárias, no Mercado de Santa Clara, em Lisboa.

O evento começou com uma conferência intitulada «A celebração da castanha em Portugal» feita pelos Prof. José Gomes Laranja e Jorge Ferreira Cardoso da Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro. Foi tempo para conhecermos as variedades de castanha existentes no Mundo e os tipos predominantes em Portugal, as rotas da castanha em Trás-os-Montes, as confrarias e festas dedicadas à castanha. Sobre as virtudes da castanha e a vantagem da sua ingestão falou o segundo orador.

Seguiu-se um showcooking com pratos feitos com castanha.
O chefe António Bóia, com um currículo nacional e internacional invejável, e que é, desde 1992, o chefe da equipa júnior da Selecção Nacional de Cozinha, confeccionou pratos com castanha a que se seguiu a sua degustação. Natural de Bragança, era a pessoa indicada para confeccionar uma óptima sopa de castanhas e um prato de cogumelos (repolgas) com castanhas.
Fez-se em seguida a prova de vários tipos de bolos feitos com castanha pela Sr Dª Lurdes Diegues, natural de Vinhais e uma das últimas pessoas a fazer cuscuz.

Foi também uma oportunidade para adquirir o livro de Receitas de Doces com Castanha, edição da Câmara Municipal de Vinhais, que esteve presente juntamente com vários produtores de castanhas da região transmontana, para vender castanhas frescas e transformadas.
Os Gaiteiros de Zido, de Vinhais fizeram a animação musical e trouxeram-nos os sons transmontanos.
Os Gaiteiros de Zido

As comemorações da castanha continuam durante todo o mês com um magusto no dia 10, um lançamento do livro de João Orlindo Marques Memórias dum tempo…O objecto etnográfico, reportório de memórias”, no dia 11, e nos dias 14 e 21 dois cursos de culinária Cozinhar com Castanhas” e “Cozinhar com Vinho do Porto”.

Mantém-se a exposição «Aprestos de Cozinha» onde, entre outros, se podem ver vários utensílios ligados à apanha das castanhas e diversos assadores para as mesmas. Aproveitem.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Porque não precisamos do Halloween

As festividades do Halloween têm poucos anos em Portugal. Tendo como base as tradições irlandesas, de origem céltica, foram absorvidas pela cultura americana que lhe conferiu o carácter comercial que hoje é conhecido. Só a industria e comercialização de fatos e adereços ligados a esta festividade calcula-se em milhões de dólares.

Estas celebrações têm-se estendido a toda a Europa, vindo a substituir as festividades existentes nos vários países.
O facto do Halloween serem celebrado a 31 de Outubro e o dia de Todos-os-Santos ser a 1 de Novembro, nada altera, ainda menos numa época de crise em que a própria Igreja admite rever os seus dias santos.

Ligada às festividades do dia de Todos-os-Santos existem rituais e hábitos alimentares que, em Portugal, variam de região para região. Em comum têm o facto de começarem com um peditório feito porta a porta por crianças. Este era feito em forma cantada, variando as melopeias de acordo com as regiões.
Era costume a população responder com a oferta de vários alimentos, de acordo com as tradições da terra e as possibilidades de cada um. Assim, ofereciam maçãs, romãs, castanhas, rebuçados, nozes, bolos, como broas de milho, chocolates e até dinheiro.
Guardadas as ofertas nas suas sacolas as crianças retribuíam cantando uma nova cantilena de agradecimento e elogio aos donos da casa. Nos casos em que os pedidos não eram atendidos, os donos da casa eram igualmente “presenteados” com uma cantilena, mas desta vez insultuosa.
A estes peditórios cerimoniais chama-se pedir o “Pão por Deus” ou «pedir os santorinhos» consoante as regiões. Na região de Coimbra chama-se pedir «bolinhos e bolinhós». Neste caso era tradicional os jovens apresentarem-se com abóboras ocas, recortadas, com uma vela lá dentro, a cantarem a cantilena. Em alternativa utilizavam uma caixa de sapatos, em papelão, em que faziam recortes que semelhavam os olhos, o nariz e a boca, contrastados pela luz da vela. Este costume pagão, que parece ter origens celtas e que foi absorvida pelos romanos, não existe só na Irlanda, mas noutras regiões europeias, como em França.

Lamentavelmente os jovens hoje preferem o Halloween de origem americana às nossas tradições, mesmo quando as origens parecem ser as mesmas e o ritual semelhante.