sexta-feira, 31 de março de 2017

Festival do Medronho em Monchique

O alambique, elemento indispensável para a produção de álcool, deve o seu desenvolvimento aos árabes. Foram eles que o introduziram na Península Ibérica. Em Portugal foi na região sul que se deu a sua instalação e com ela o início da destilação do álcool.
Não é conhecida a data exacta dessa actividade, mas pensa-se que tenha sido uma prática introduzida no Algarve e Baixo Alentejo pelos árabes entre 712/713, onde permaneceram por cinco séculos[i]. Considera-se que a serra de Monchique, local onde existiu uma comunidade árabe, terá sido o berço da destilação e preparação de licores[ii].
O que aí teve lugar e se mantém até aos dias de hoje foi a destilação do medronho (Arbutus unedo L.), fruto que cresce nas serras de Aljezur e Monchique. É a partir de Outubro que tem lugar a apanha do medronho, que se destina à destilaria artesanal; a sua colheita representa o aproveitamento de um fruto produzido pela natureza, e facilita a limpeza dos terrenos, traduzindo-se numa fonte de receitas importante para os habitantes da zona[iii].
Feita a destilação obtém-se a aguardente de medronho e, posteriormente, a melosa, a sua versão doce, que como o nome indica leva mel.
Fechadas as antigas destilações existem agora novos produtores. A dignificação dessa actividade e a divulgação deste produto nacional é o fim destes festivais anuais.
No dia 1 de Abril vou lá estar para fazer parte de um painel intitulado: «O que é português é bom». Para quem estiver perto é uma boa oportunidade para contactar com um dos nossos produtos regionais a valorizar.



[i] Catarino, H. «A chegada dos árabes à península ibérica», in O Algarve da antiguidade aos nossos dias, p. 61-67.
[ii]Telo A., 1988. «Destilados e comércio de aguardente na serra de Monchique - Uma abordagem ecológica» in 5º Congresso do Algarve, Racal Club de Silves, p. 77-93.
[iii] Pereira, Ana Marques. Licores de Portugal (1880-1980).p. 101

segunda-feira, 27 de março de 2017

Fado do Pão de Ló

Um feliz encontro. O fado do Pão de Ló, um dos êxitos musicais de Estevão Amarante, e o grafismo de Stuart de Carvalhais, na ilustração de mais uma partitura. 
Ah! e já agora a presença do Pão de Ló, esse doce tão apreciado pelos portugueses e interpretado de forma tão variável nas diferentes regiões.

segunda-feira, 20 de março de 2017

O mistério do Licor dos Benitinhos: resolvido.

Quando escrevi o livro «Licores de Portugal: 1880-1980» dediquei um capítulo às várias ginjinhas lisboetas e aos seus fabricantes.
Na história da Ginjinha Espinheira conhecida também por “Ginjinha do Rossio” fundada em 1840 pelo pai de Francisco Espiñeira Cousiño (de que se desconhece o nome) surgia um mistério em relação a um dos licores. O fundador foi o primeiro elemento da família a vir da Galiza para Portugal. O seu filho Francisco herdou a pequena loja ainda hoje existente e comprou a primeira fábrica de licores na rua Damasceno Monteiro. Tendo ficado à frente do negócio dos licores naturalizou-se em 1896 português.[1]
Em 1906 fez o primeiro pedido de registo de uma das suas marcas, a «Ginja Bebida Peitoral e Digestiva», bem como do «Licor de Hortelã Pimenta Superior»[2]. Foi também em 1906 que registou a marca «F. Espinheira 1º fabricante», com a foto do mesmo dentro de um círculo, a que se sobrepõe um outro círculo com idêntica imagem do Zé Povinho[3].
Em 1907 registou uma marca chamada «Licor dos Benitinhos»[4] de que nunca vi qualquer garrafa ou rótulo. Apresentava a foto de dois homens risonhos, já de idade avançada. Esta imagem não fazia qualquer sentido dentro da tipologia dos rótulos de licor da época e sobre ela escrevi: «parece só fazer sentido para quem os conhecia e não deixou história».
Há dias ao folhear a revista Branco e Negro de 1890 deparo-me com uma fotografia de A. Bobone com a legenda «Dois moços de recados». A imagem encontrava-se sob o título «Typos de Lisboa» e nada acrescentava.
Não havia dúvida eram os «Benitinhos» que deram lugar ao título do licor e que, a avaliar pelo fisionomia, deviam ser galegos. Ficou esclarecido o mistério. Eu tinha razão quando escrevi que tal imagem só faria sentido dentro de um contexto familiar que neste caso era o de umas figuras que à época deviam ser conhecidos nas ruas de Lisboa.

PS: A expressão «moços» aplicado a homens de idade já avançada não se relaciona com juventude mas com uma função ou ofício:«moço de recados».





[1] ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Carlos I, liv. 11, fl.12v, 02/10/1896, Carta. Naturalização.
[2] BPI, 1906, nº 7, p. 270.
[3] BPI, 1906, nº 12, p.449.
[4] BPI, 1907, nº 11, p. 394.

sexta-feira, 17 de março de 2017

A Alquimia da Cor na Alimentação

Tertúlia gastronómica por Sasha Assis Lima e Cristina Rodrigues Pereira 
que terá lugar no Palácio do Sobralinho, Sábado 25 Março ás 16:00 horas
 Inscrições online até 23 de Março (https://artesnopalacio.com/agenda/workshops/)

sábado, 11 de março de 2017

Uma panacota de nutricionista

Foto tirada do blog Deelightfully Veg
Por razões pessoais tenho-me deslocado frequentemente à Covilhã. O Hotel onde ficamos tem ao jantar um buffet agradável, mas da penúltima vez o que nos surpreendeu foi a excelente qualidade das sobremesas.
Foi portanto com entusiasmo que cheguei à hora do jantar, mais com a expectativa dos doces do que dos salgados, o que para mim era uma novidade. Normalmente evito sobremesas fora de casa porque não compensa o mal que fazem pelo sabor que oferecem, normalmente apenas a açúcar.

Quando comuniquei o meu entusiasmo à pessoa que nos recebeu foi-me dito que eram sempre diferentes, o que era natural. Naquele dia para além das frutas havia um leite-creme bom, um bolo húmido em fatias que não experimentei e panacota de chocolate. Esta apresentava-se dentro de um frasco de vidro decorada com framboesas e nozes. Esta moda do frasco de vidro aceito (até nos cansarmos) mas numa panacota não nos permite ver a sua consistência. Quando a experimentei era uma pasta dura, onde dificilmente a colher entrava, sem gosto e sem açúcar, na realidade incomestível. Decepcionada chamei o empregado da sala e disse-lhe que aquilo não era panacota e que não sabia o que era. Foi saber e quando voltou disse-me que era uma receita da nutricionista no sentido de ter uma sobremesa menos calórica. Era feita com leite de soja e estivia e por lapso não estava identificada como opção saudável.
Imagem do blog  Panning the Globe
Expliquei-lhe, apesar de não ter culpa, que panacota (panna cota) significava natas cozidas e que portanto não podia ser feita com leite e ainda menos com uma coisa que não é leite porque não existe nenhum animal chamado “soja” que dê leite. Por outro lado o que caracteriza esta sobremesa de origem italiana é a sua consistência gelatinosa, isto é, no prato deve tremer. Portanto o melhor era dar outro nome àquela sobremesa, como por exemplo: «sobremesa saudável, sem calorias, sem açúcar e sem sabor» e assim já não enganavam ninguém.
Foto tirada da internet
Este pequeno incidente despertou em mim uma profunda irritação contra esta profusão de nutricionistas que interferem agora também nas receitas em restaurantes. São centenas (ou milhares?) de meninas jovens, com a beleza e elegância natural da idade, que não sabem estrelar um ovo e saem da Faculdade a querer transformar a alimentação dos outros. Tem uma aptidão natural para as câmaras de televisão, ou vice-versa, e entram-nos pela casa adentro quando menos damos por isso.
Quando eu trabalhava como médica no hospital, em serviços de Oncologia, lamentava que não existissem nutricionistas para apoiar os doentes. Falava com as dietistas e acabei por escrever um livro destinado à alimentação dos doentes oncológicos, uma vez que não havia outro. Não sei se nessa altura ainda não tinham saído da Faculdade nutricionistas suficientes ou se estavam todas (não sei porquê mas o predomínio é feminino) na televisão.

Agora é esperar que esta moda passe e que eu possa comer nos restaurantes pratos salgados ou doces feitos e pensados por cozinheiros. Não é pedir muito, pois não?

PS. Não fotografei a sobremesa pelo que as imagens não correspondem.