segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O "British Bar" no Cais do Sodré

Há imenso tempo que eu não ia ao British Bar. Costumava descer a pé do Campo de Santana para o Cais do Sodré com uma amiga minha. Ela ia apanhar o comboio e eu seguia o meu caminho para casa. Quando chegávamos ao Cais do Sodré ao fim da tarde aproveitávamos e íamos ao British Bar beber um “Gin Fizz”.
Depois ela morreu e eu mudei de local de trabalho. Fiquei a prometer a mim mesma lá voltar, o que aconteceu uma vez ou outra, mas a intenção foi sempre maior.
Há poucos dias finalmente decidi-me a lá voltar. Está tudo na mesma. O British é um bar que se caracteriza por nunca ter estado na moda, o que lhe permite ser autentico. Inaugurado em 17 de Fevereiro de 1919, tem agora a idade respeitável de 91 anos. Ao longo deste tempo muitas pessoas por lá passaram. Foi no início o Bar Britânico e ficava mesmo em frente do Bar Americano, que já desapareceu. Era então frequentado preferencialmente por marinheiros.
Hoje a grande maioria dos seus clientes são anónimos que trabalham ali perto, ou que no seu caminho para casa decidem ir beber uma cerveja. Depois há os estrangeiros esporádicos que por lá passam, dão uma olhadela, e entram.
Mas foi também sempre um lugar de preferência de escritores e artistas. José Cardoso Pires foi um dos frequentadores que deixou as suas memórias sobre o British Bar no «Lisboa. Livro de bordo». Antes dele Bernardo Marques e Carlos Botelho também o foram. Tal como Fernando Pessoa que foi cliente do vizinho Americano.
Alain Tanner descobriu-o e usou-o no filme «Cidade Branca», nome que deu a Lisboa por causa da sua luz intensa. Lá estava Teresa Madruga por trás do balcão a fazer de empregada.
O interior do bar mantém-se inalterado com o grande balcão de madeira e as prateleiras com garrafas bem alinhadas. Na parede de trás o célebre relógio, que Alain Tanner também mostrou, com os números do mostrador em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
Meia dúzia de mesas completam o espaço de dimensões limitadas para os padrões de hoje. Mas isso não incomoda ninguém. As pessoas chegam e bebem sobretudo cerveja, de entre as dezenas de variedades que a casa possui. Famosa é a cerveja de gengibre (Ginger Beer), uma especialidade da casa. Há também quem prefira um whisky. Eu confesso que nunca bebi outra coisa que não fosse o Gin Fizz, com muito limão, que é óptimo. Para acompanhar pode comer uma empada, ou outro salgado, para preparar o estômago para o jantar. Ou para um segundo Gin Fizz.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

As "Sopeiras" de Lisboa

A palavra “sopeira” é uma das provas de que a língua não é estática.
Utilizada inicialmente com o sentido de vaso para conter e servir a sopa na mesa, apresentava uma forma circular, de fundo arredondado e tinha sempre tampa. Era usada frequentemente com um prato inferior. Parece ter só surgido no século XVIII. O seu predecessor, a terrina, apresentava uma forma oval ou rectangular e, apesar de anterior, também apenas no século XVIII passou a ser exposta sobre a mesa. Mas voltemos à “sopa” que, no seu sentido inicial, era um prato de legumes fervidos, espessado com pão, e daí o nome. Falta-nos em português o termo que em França, na Idade Média, correspondia à “potage” e que se referia aos alimentos que eram cozidos num pote. Tudo o que diz respeito à sopa pode, nalgumas regiões, em especial em Trás-os-Montes, tomar a expressão de "sopeiro". Por exemplo aplica-se a prato sopeiro, para indicar que serve para a sopa, a colher sopeira ou mesmo a panela sopeira.
Com o tempo passou a aplicar-se às pessoas que faziam a sopa, que passaram a ser designadas por sopeiras. Embora a expressão sopeira se utilizasse sobretudo para as cozinheiras, isto é, as que faziam a sopa, foi também usada para as criadas que exerciam outras funções domésticas.
Esta designação foi muito usada no finais do século XIX e na primeira metade do século XX, passando depois a ser substituída por criadas ou cozinheiras consoante as funções exercidas. A expressão sopeira foi caindo em desuso, em especial após o 25 de Abril, altura em que passou a ser considerada pejorativa. Embora por vezes chamadas carinhosamente «sopeirinhas», passaram a chamar-se “criadas” e posteriormente “empregadas domésticas”. A função era a mesma, embora mais simplificada com a chegada dos electrodomésticos, mas a designação tinha deixado de ser adequada.
A imagem de sopeira surgia sempre associada à do “magala”, com quem frequentemente namorava. É uma dessas fotos que faz a contracapa da revista agora apresentada -
As fotos que utilizei foram publicadas no «Notícias Ilustrado» de 3 de Agosto de 1930 e são atribuídas a Batista. O texto intitulava-se «As sopeiras da Capital». Nele se exaltavam as novas sopeiras, mais modernas e alegres quando comparadas com a figura de Juliana retratada por Eça de Queirós, no «Primo Basílio», publicado em 1878.
São imagens de uma Lisboa mais provinciana, mais calma e simples, que fica apenas a 80 anos de distância de nós.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

«O Sabão Tarzam», o Tarzan português

Foi uma surpresa a descoberta de um sabão Tarzam de que nunca tinha ouvido falar. O sabão Tarzam é uma versão portuguesa linguística de "Tarzan" e, ao mesmo tempo, uma interpretação nacional do “Monkey Brand Soap”.

O sabão «Monkey Brand» foi comercializado em 1899 por Sidney e Henri Gross que venderam a patente à Lever Brothers, que o comercializou nos Estados Unidos e em Inglaterra.
A sua publicidade ficou famosa por várias razões: a primeira porque anunciava o mais maravilhoso produto de limpeza e abrilhantador, a que se seguia sempre a referência «não serve para lavar roupa» e a segunda porque usou na sua publicidade a imagem de um macaco.
O macaco tinha contudo características humanas e apresentava-se quase sempre vestido. Uma das suas funções era evitar, na publicidade, a imagem da mulher no trabalho doméstico numa época, final do século XIX, em que um grande número de mulheres tinham optado pelo trabalho remunerado (ex: fábricas). Começava também a escassear o pessoal doméstico e a utilização do macaco humanizado, que foi já objecto de estudo em publicidade, permitia usar uma figura híbrida que estabelecia uma evolução de um elemento vindo da natureza para um meio cultural. O macaco transformou-se assim num símbolo do progresso industrial.
Em Portugal o mais conhecido produto dentro deste conceito foi o chamado "Sabão Macaco", que penso ser mais tardio que o sabão apresentado, e que não servia para o mesmo fim.
Existiu também um «Sabão Chimpanzé», produzido pelos Produtos Etelva, de E. Gameiro, de que nada consegui saber.

Prospecto da inauguração do filme «King Kong» em França


O sabão Tarzam apresenta um desenho de um animal simiesco que se assemelha ao King Kong. Designa-se a si mesmo o «Às dos sabões domésticos para Polir e Limpar». Numa das faces identifica-se como «limpa metais» e nas instruções para uso diz servir para limpeza de vidros ou dar brilho a metais. Não é referido mas, tal como o “Monkey Brand Soap”, podia acrescentar que não servia para lavar roupa, sendo nesse sentido distinto do conhecido sabão macaco.
Foi à utilização destes sabões no meio doméstico, que constituía também o local de aceitação das novelas, que levou a que estas se passassem a designar por “soap” (sabão).

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Pão de Rala, um doce conventual

Abri o livro “Évora” da autoria de Matos Sequeira publicado pela Empresa Nacional de Publicidade, nos anos 30, e fiquei fascinada pelos desenhos de Alberto de Sousa, que ilustram o texto. São imagens simples e depuradas, feitas a tinta da China, que mostram um Portugal antigo, que já não existe. Todas as imagens são perfeitas, não há objectos estranhos ou figuras indesejadas, porque foram desenhadas de uma forma ideal. Como são diferentes das minhas fotografias de edifícios em que existe sempre um carro a tapar as fachadas. Chamaram-me sobretudo à atenção as imagens da cozinha e refeitório do Convento de Santa Helena do Calvário. Esta foi uma casa religiosa da Ordem de Santa Clara, fundada em 1565, por iniciativa da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I. Era uma ordem pobre em que as freiras tinham por vezes dificuldades alimentares. De tal modo que utilizavam o chamado “Sino da Fome”, que faziam tocar quando os alimentos escasseavam. Alertadas as pessoas caridosas vinham trazer-lhes mantimentos. A doceira do Convento

Apesar destas carências ficou-lhes ligada a criação de um doce conventual chamado Pão de Rala.
Na história da sua origem teria estado uma visita do rei D. Sebastião ao convento. Pouco tendo para oferecer, a madre abadessa apresentou ao rei o que havia: pão ralo, azeitonas e água. Apesar de simples a refeição agradou ao rei que passou a dar uma tença ao convento. As freiras retribuíram com uma doçaria, que chegou até nós, e é agora vendida na Pastelaria Pão de Rala, em Évora. É um pão doce que é vendido acompanhado de azeitonas doces, feitas em massapão escurecido com cacau. Aqui lhes deixo as gravuras da cozinha conventual e a história do Pão de Rala, tal como chegou aos nossos dias.
“Se non è vero, è ben trovato".

domingo, 15 de agosto de 2010

Pessegada, uma salada da região saloia

Almocei há pouco tempo num restaurante da zona de Loures e comi à sobremesa pessegada, que achei muito boa. Resolvi agora fazê-la em casa e como me agradou o resultado, não posso deixar de falar nela.

A pessegada é uma salada fria de pêssego, muito fácil de fazer e extrememente agradável nesta época quente.

Para a fazer cortam-se os pêssegos em quadradinhos, polvillham-se com açúcar e canela e regam-se com vinho branco. Deve fazer-se a salada com antecedência para os pessêgos marinarem no vinho tempo suficente. Pôe-se a salada no frigorífico e serve-se bem fresca. Nada mais fácil e agradável. Se gostar pode pôr um raminho de hortelã, mas não faz parte da receita.
O meu amigo Zé Rosa, que é daquela região, disse-me que a mãe dele fazia esta salada com pêssegos rosa e com vinho tinto. Mas este hábito do vinho tinto perdeu-se e hoje faz-se com vinho branco.
Apesar de ser tradicional naquela região não encontrei referência a esta receita.
Quando se fala em pessegada entende-se o doce feito com pêssego que, à semelhança da marmelada, fica com um aspecto sólido. Corresponde ao que os ingleses chamam “curd”, palavra de tradução exacta difícil (pasta?).
No “Livro de Cozinha” da Infanta D. Maria, neta do rei de D. Manuel I, com receitas do século XV, aparece já a receita da pessegada. É um doce cozinhado, semelhante à marmelada, em que aos pêssegos se adiciona marmelo e assúcar fazendo uma pasta. É portanto uma conserva de fruta.
Os brasileiros têm também essa tradição na sua doçaria. E tal como fazem goiabada, fazem perada, e pessegada, o que penso ser uma herança portuguesa.

O Oleboma no livro «Culinária» tem uma receita semelhante em que usa vinho do Porto, mas isso torna a salada muito semelhante às de outros frutos e faz-lhe perder a frescura transmitida pelo vinho branco.

Esta é, portanto, uma outra «pessegada».
Experimentem. Vão gostar.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

BANACAO. «O melhor alimento vegetal»

O mundo dos suplementos ou reforços alimentares é vasto e, em época de carências foram, durante muito tempo, indispensáveis na alimentação das crianças.

As pessoas da minha geração lembram-se bem do óleo de fígado de bacalhau (ver comentário do post anterior), mas também dos granulados de cálcio e dos reforços vitamínicos com sabor a laranja, de que já não recordo o nome.

Mas a descoberta desta caixa levou-me a umas décadas atrás. Trata-se de uma embalagem de Banacao, um produto distribuído pela Sociedade Nacional de Mercadorias, situada na Rua da Madalena, 46, 2º.
Era produzido pelo SCIPAT, acrónimo de “Sociedade Comercial e Industrial de Produtos Alimentares Tropicais”, cuja fábrica se localizava no Calhariz de Benfica. Esta empresa destinava-se à cultura, indústria e comércio dos produtos das plantações de bananeiras e teve o seu início oficial a 22 de Junho de 1933.
Imagem extraída de «Retalhos de Bem-Fica»

A fábrica, de grandes dimensões, situava-se na encosta de Monsanto e destinava-se sobretudo à produção de farinhas alimentares, com especial relevo para a farinha de banana. Produziam também o LACTO-BANACAO e um outro produto designado LACTO-BANANINA. A estes dois últimos encontrámos publicidade no Jornal de Notícias de Janeiro de 1935, que aqui reproduzimos. Quanto à caixa de Banacao, cuja lata foi fabricada na Viúva Ferrão, Lda ., em Lisboa, transmite-nos várias informações. A primeira surpresa foi a de constatar que o desenho da mesma se encontra assinado «Emmerico». Trata-se de Emmerico Nunes (1888-1968), um dos precursores da banda desenhada em Portugal, com múltiplos trabalhos publicados em que o aspecto humorístico era sempre realçado. Foi responsável pela publicidade da Vaccum Oil, até cerca de 1931. Neste desenho pode ver-se uma menina a beber por uma chávena o produto Banacao, observada de perto por um macaco que come uma banana, enquanto com a outra mão se agarra ao cacho de bananas, colocado sobre a mesa.

Para terminar, na face posterior da caixa encontra-se o «Resumo e Conclusões da Análise da Farinha de Banana» feita pelo Prof. Charles Lepierre. Este engenheiro químico, de origem francesa, foi desde 1911 professor do Instituto Superior Técnico, onde desenvolveu um Laboratório de análises de produtos alimentares e outros. São bem conhecidos os seus estudos em Hidrologia, mas no campo alimentar teve especial importância o estudo do azeite aplicado às conservas, o que lhe valeria ser nomeado director do Laboratório do Instituto Português de Conservas de Peixe, em 1935.
Era um nome reputado pelo que seguramente teriam peso as suas conclusões: «Excelente alimento de elevado poder energético..... recomenda-se pela presença de substâncias insubstituíveis para assegurar o crescimento dos organismos....».
Um elenco de luxo a apoiar o consumo deste produto, aconselhado para beber à chávena ou para utilizar em doces, bolos, cremes ou gelados.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

VIROL, uma alimento à base de tutano

O frasco de Virol apresentado era vendido em farmácias como suplemento alimentar. Esta forma de reforço alimentar foi desde sempre valorizada nos períodos de doença que se acompanham de falta de apetite.
O Virol era uma marca registada, de origem inglesa, que teve grande divulgação no século XIX. Era vendido em frascos de cerâmica vidrada creme, com rótulo preto, em três tamanhos. Durante os anos 20-30 era ainda comercializado, mas a apresentação passou a ser feita em frascos de vidro castanho. Era então publicitado como sendo útil para meninas anémicas.
Era uma bebida feita à base de extracto de malte, havendo mais do que uma variedade. Numa delas realçava-se a prevalência do óleo de fígado de bacalhau, mas a mais divulgada foi a aqui apresentada enriquecida com medula óssea. Para uma Hematologista, como eu, em que a medula óssea só é utilizada para transplantes, esta forma oral de ingestão é fascinante.
A medula óssea não é mais do que o tutano dos ossos. Como local de produção de células hematopoiéticas vai, ao longo dos anos, produzindo cada vez menos células sanguíneas e tornando-se mais adiposa. É por isso que em culinária se usam sobretudo os ossos longos.
Considerada desde sempre um alimento apreciado, foi muito consumida durante a Idade Média e a Renascença.
O Mestre Martino, no “Libro de Arte coquinaria”, do século XV, apresentava uma receita de tarte de marmelos recheados com tutano.
Durante os século XVIII e XIX existiam mesmo colheres próprias para comer tutano. Modernamente a receita mais conhecida é a de “osso buco” em que a carne é apresentada num corte que atinge o tutano do osso. Por vezes é acompanhado de risotto milanês, em que o arroz Carnaroli é enriquecido com tutano.

Lembro-me de em minha casa se comer o tutano dos ossos longos da vaca, que eram cozidos na sopa. Não existiam as tais colheres e a forma prática de se ter acesso ao tutano era segurar no osso e assoprar numa das extremidades. O tutano saia inteiro, para prazer de quem o ia comer, uma imagem que já estava perdida na minha memória.

Foto extraída de Antique Bottles

"THE// IDEAL FOOD// VIROL// A PREPARATION OF // BONE MARROW // AN IDEAL FAT FOOD // FOR CHILDREN // & INVALIDS

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Museu Virtual. Balde para gelo

Nome do Objecto: Balde para gelo

Descrição: Balde cilíndrico com tampa, em material de vidro Pyrex, colocado num suporte metálico. Encontra-se espelhado no interior e pintado de preto exteriormente. A asa metálica está protegida por um revestimento de plástico entrançado.

Material: Vidro, metal e plástico
Época: Anos 50.

Marca: Ernest Sohn Creations
Origem: Nova York, USA .

Grupo a que pertence: Equipamento culinário.

Função Geral: - Utensílio para serviço ou consumo.
- Das bebidas

Função Específica: Guardar e servir cubos de gelo.
Nº inventário: 732

Objectos semelhantes: outro balde de gelo da mesma autoria existente nos USA.
Notas:
Ernest Sohn foi um cidadão alemão que emigrou para os Estados Unidos em 1936.
No início colaborou como free-lancer para a empresa Glidden e para a Red Wing, antes do seu primeiro emprego na Rubel & Cª. , onde esteve entre 1945-1951.
Em 1951 fundou a sua própria empresa com o nome Ernest Sohn Associates e em meados dos anos 50 a Ernest Sohn Creations, Inc,. São desta fase os objectos de design mais facilmente identificáveis. Foi também nesta época que ganhou o prémio Good Design atribuído pelo MOMA.

Os objectos de design de Sohn encontram-se hoje em vários museus. São modelos variados em que usou a cerâmica, o metal e a madeira, frequentemente associando esses elementos
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