segunda-feira, 30 de março de 2009

Quando a cozinha invade a sala

A utilização de objectos de cozinha em salas de refeição, quer seja em restaurantes ou hotéis, parece ter entrado na moda.

As variedades de formas e dimensões desses utensílios, a que se associa o brilho do inox, permitem soluções decorativas interessantes.

Nas fotos mostro a sala de jantar de um hotel em Viena de Áustria, da cadeia Radisson. Trata-se do Courtyard Messe, um hotel moderno, situado numa zona de construções arrojadas, ainda por finalizar, em que predomina o vidro.

A cor verde berrante que cobre as paredes da sala de jantar, contrasta com a nossa ideia desse local, num hotel clássico, habitualmente de cores escuras e ambiente intimista.
A zona do "bufete" apresenta caixilhos em madeira, nas suas três paredes, que confinam um conjunto de objectos de uso comum nas cozinhas, dispostos de forma agradável aos nossos olhos.

Os objectos perderam a sua função ou, dito de forma mais correcta, perderam a utilidade inicial, para passarem apenas a ser belos. A beleza decorativa tornou-se a sua nova utilidade. E no entanto essa utilidade, completamente inútil, promoveu-os, uma vez que passaram de objectos de cozinha a objectos de sala. Esta ambiguidade arrasta consigo uma democratização do espaço sala.

Não é a primeira vez que me deparo com esta situação decorativa. Recordo um restaurante em Nova York, no Soho, em que o mesmo princípio foi utilizado nos candeeiros que descem do tecto. Pendurados em arcos, conchas de sopa alternam com espátulas e outros utensílios de cozinha, em que a luz das lâmpadas faz realçar o brilho do inox.
Voltando ao hotel vienense verificamos que o mesmo princípio foi aplicado numa das paredes do bar, onde um painel luminoso verde, salienta garrafas de vidro vazias, de um verde mais escuro. A imagem, repetitiva, é repousante e agradável.

São também em vidro verde os objectos decorativos, que alternam com utensílios de cozinha e que decoram armários separadores, que subdividem o espaço destinado às refeições.
O resultado final é feliz e o ambiente informal.
Agradável, mas forçosamente datado.
Se eu voltar dentro de alguns anos a este hotel, seguramente que os utensílios de cozinha já terão regressado ao seu local original. É o destino inevitável dos modernismos.
Até lá, só podemos considerar esta invasão da sala por objectos de cozinha como bem vinda.

domingo, 22 de março de 2009

Catálogos de Livros e Gastronomia

Lendo o título de repente pode pensar-se que estou a falar de catálogos de livros de gastronomia. Não é caso.

Falo apenas de catálogos de livros em geral, em que o tema da gastronomia foi usado para os apresentar.

Estive a arrumar os inúmeros catálogos de livros que me preenchem algumas estantes.

São fundamentalmente de dois tipos: os catálogos de livrarias que eu recebo regularmente, temáticos ou não, e os catálogos de editoras livreiras, que ao longo dos anos fui guardando. Dentro destes integram-se também os que são apresentados na Feira do Livro de Lisboa.

Claro que vão pensar que não consigo deixar de pensar em assuntos relacionados com a gastronomia. Mas pelos vistos não sou só eu.

À medida que os ia seleccionando, descobri as seguintes capas que fotografei e pensei que davam uma entrada interessante.

Assim apresento-lhes dois catálogos da feira do Livro, respectivamente de 2000 e 2002, o primeiro sob o tema «O prazer de devorar livros» em que surge uma dentada num dos cantos do livro e o segundo «Refresque a sua Biblioteca», em que se observam livros conservados num frigorífico.


Também de 2000 é o catálogo dos ”Livros do Oriente”, em que o empregado de mesa apresenta ao cliente, com ar guloso, um livro guardado dentro de uma campânula. Dentro do mesmo catálogo está a gravura completa de onde foi tirado o pormenor, assinada mas que eu não consigo identificar, datada de 1999, que apresenta a seguinte legenda «O consumo frequente de (bons) livros não faz mal à saúde».

Achei interessante esta associação.

Provavelmente tenho mais catálogos com esta temática que me escaparam, mas se os encontrar dar-lhes-ei notícias.

terça-feira, 17 de março de 2009

A cozinha de Julia Child

Como prometido, falo hoje na agradável surpresa que foi ver a cozinha de Julia Child (1912-2004), em exposição permanente, no Museu Nacional de História Americana, em Washington.

Esta visão de imagens do quotidiano em espaço museológico agrada-me imenso e integra-se no meu sonho de fazer um museu de objectos de uso comum de cozinha e de mesa. Claro que a evolução do espaço cozinha faz parte desse conceito. Apresentar as cozinhas por períodos ou por características de região inclui-se também nesse projecto.

Foi essa ideia que me fez visitar cozinhas em todo o país e me levou a escrever o livro «Cozinhas. Espaço e Arquitectura». As cozinhas populares e conventuais não foram ainda objecto de publicação, mas espero que o sejam dentro em breve.

Uma das características do Instituto Smithsonian é conservar a memória do quotidiano americano, para nós recente, mas antigo para americanos. Esta preocupação fez com que conservassem objectos que nós estupidamente deitamos fora, porque só apreciamos as antiguidades. No nosso orgulho balofo desperdiçamos todo um conjunto de memórias que vão desaparecendo diariamente. Refiro-me à presença, nalguns dos seus museus, de objectos não usuais para museus convencionais, quer a presença de espaços da vida quotidiana, como mercearias antigas, drogarias, farmácias, sapateiros, etc.

É dentro desta visão que podemos integrar a presença da cozinha de Julia Child, num museu.
O espaço em si é um sucesso. Pude constatar a presença de inúmeras pessoas, famílias completas, que a observavam em pormenor, com entusiasmo.
É este último aspecto que quero salientar. Admiração, espanto, prazer, contemplação, são sentimentos mais frequentemente observados em museus. O que é mais raro é conseguir desencadear entusiasmo. Para isso é preciso haver interactividade. E é isso que se passa naquele local. As pessoas mais velhas recordam-se daquelas imagens e as mais novas descobrem os objectos que conhecem e outros que nunca viram, porque já foram substituídos nas suas casas por outros mais modernos.
"Cozinha anterior de Julia Child"
Esta cozinha foi a nona e última cozinha do casal Child.

Nela predominam as cores azul turquesa e verde alface e foi desenhada pelo seu marido Paul Child em 1961.
Quando o casal se mudou para Cambridge, no Massachusetts, perceberam que era necessário alterar a cozinha inicial aí existente. Depois de várias cozinhas a que tiveram de se adaptar, era altura de terem uma cozinha adaptada às suas necessidades. Tanto ela como o marido sabiam o que queriam agora e o seu planeamento teve em conta as tendências do momento.
Trata-se de uma cozinha contínua, organizada em vários espaços e que durante sete anos entrou, através da televisão, pela casa de milhões de americanos como modelo.

É interessante notar que aquilo que se designa por “cozinha americana” é uma cozinha aberta, em comunicação com a sala e directamente com a zona de refeições. Seria contudo só a partir dos anos 70 que este tipo de cozinha se viria a divulgar nos Estados Unidos. Até essa época a evolução decorreu no sentido de introduzir o espaço para refeições dentro da própria cozinha.
Esta cozinha da Julia Child, que era moderna para a época, é uma prova desta afirmação. Como o são os filmes de então.

Como em tudo há uma excepção. Neste caso a de um arquitecto excepcional , um precursor, como foi Frank Lloyd Wright (1867-1959) que, em 1934, usou esse conceito na Casa Wiley e em 1936 na Casa Jacobs. O problema da ventilação, numa época ainda sem exaustores, resolveu-o construindo tectos altos e aberturas de ventilação no tecto. Mas noutros projectos posteriores a sua solução foi mais convencional.

Na cozinha de Julia Child, embora não muito grande, há espaços reservados para as diferentes funções. Até um espaço para a sua pequena biblioteca culinária.

Esta cozinha não serviu apenas para fins domésticos. Os últimos programas de televisão foram gravados nesse espaço da sua casa em Irving Street. No tecto foram colocados focos de luz que permitiam uma melhor iluminação do espaço. Esses programas, produzidos já nos anos 90, tinham nomes que traduziam essa realidade: In Julia’s Kitchen with Master Chefs, Baking with Julia e Julia and Jacques Cooking at Home.

Quando em 2001 passou a viver num local para idosos, decidiu oferecer a sua cozinha, que os americanos bem conheciam dos seus últimos programas de televisão, ao Museu Nacional de História Americana.
Abandonada à sua sorte teria sido destruída, que é o destino mais frequente das cozinhas na época da modernização. Integrada num espaço museológico ficou preservada, para meu deleite e dos que a visitam.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Julia Child, a apresentadora da cozinha francesa aos americanos

Faltando ao prometido, ainda não é hoje que falo na cozinha de Julia Child.
Porque primeiro se justifica falar na própria, uma vez que para a maioria dos portugueses o seu nome pouco dirá.

Como imagino que não tenham a noção da importância desta personagem para o povo americano, conto um pouco da sua biografia e actividade.
De forma sucinta, pode dizer-se que foi ela a introdutora da cozinha francesa nos Estados Unidos.
De um modo simples, na sua voz esganiçada, que ainda hoje se pode ouvir no Youtube, explicou aos americanos como se podia comer bem em casa, confeccionando a sua própria comida. A gravação em que ensina aos americanos a fazer uma omelete à francesa é de uma ingenuidade que nos surpreende. Mas é necessário reportarmos-nos à época e ao público alvo.

Só para dar uma ideia do interesse que a sua vida suscitou acabou de ser estreado um filme intitulado “Julie and Julia”, que segue o seu trajecto de vida em França, com o seu marido e seu grande impulsionador na área da culinária. Baseia-se no best seller internacional de Julie Powell, vencedor do primeiro Blooker Prize (que premia livros baseados em blogs) e nas memórias escritas pela autora e publicadas no livro “A minha vida em França”. Realizado por Nora Ephron, tem como actriz principal Meryl Streep no papel de Julia. A sua vida foi diversificada e levou-a a percorrer várias actividades, entre as quais se lhe atribui uma bem misteriosa, como o facto de ter sido espia , a favor dos americanos, durante a sua estada na Ásia. Viveu no Ceilão (Sri Lanka) e na China.
Em 1946 casou-se com Paul Child, igualmente americano, mas que vivera em Paris, onde adquiriu o gosto pela gastronomia. Quando em 1948 o casal foi viver para Paris, Julia iniciou o seu enamoramento com a cozinha francesa. Durante este período inscreveu-se na famosa escola de culinária “Cordon Bleu”. Teve a possibilidade de conhecer vários chefes de cozinha ao fazer parte de um clube feminino, o " Cercle des Gourmettes", onde se relacionou com Simone Beck, reputada chefe de cozinha e Louisette Bertholle. Foi esta última quem convidou Julia Child para colaborar com ela num livro de receitas francesas destinado a americanos, “Mastering the Art of French Cooking” ("Dominando a Arte da Cozinha Francesa").
Desta associação sairia também, em 1951, uma escola de culinária itinerante, digamos, chamada L'Ecole des Trois Gourmandes, destinada a americanas.
O grande sucesso de Julia Child deveu-se ao papel de apresentadora de culinária da televisão americana e à autoria de inúmeros livros sobre o tema.
O primeiro programa de televisão teve inicio em 1963 e foi emitido durante 10 anos. Chamava-se “The French Chef”. Foi um programa didáctico em que Julia introduziu o tema da cozinha francesa aos americanos. Foi com base nesses programas que publicou o seu segundo livro, em 1961, “The French Chef Cookbook”, que foi um sucesso. Segui-se, em 1971, o segundo volume de “Mastering the Art of French Cooking”, em colaboração com Simone Beck. O quarto livro seria “From Julia Child's Kitchen”.

Durante os anos 70 e 80 Julia Child manteve um programa de culinária num programa da televisão ABC, chamado Good Morning America.
Os seus livros mais recentes foram In Julia's Kitchen with Master Chefs (1995), Baking with Julia (1996), Julia's Delicious Little Dinners (1998) e Julia's Casual Dinners (1999), que acompanhavam os seus programas de televisão.

O seu sucesso foi enorme e já em 1966 a sua cara apareceria na capa da revista Time Life.

Em 1993 foi a primeira mulher a ser eleita para o Culinary Institute Hall of Fame e em 2000 Julia foi agraciada em França com a Legião de Honra.

Retirando-se da vida activa em 2001, viria a falecer em 2004 com 91 anos e mais de 40 anos dedicados à cozinha francesa e à cruzada de a ensinar aos americanos. Os americanos, como é seu hábito, tornaram-na numa figura lendária.

sábado, 7 de março de 2009

O Museu Nacional de História Americana em Whashington

Estive em Washington durante uns dias. Já conhecia relativamente bem a cidade, uma vez que há alguns anos atrás tivera a possibilidade de aí passar dois períodos de férias em casa de uma amiga.

É uma das cidades americanas mais agradáveis para visitar. Passear a pé em Georgetown é um prazer. Ver as casas antigas de diferentes cores e as lojas sofisticadas, reparar em pequenos pormenores e fazer descobertas interessantes, é um bom programa.
A minha foto do painel de Marc Chagall

Desta vez descobrimos um painel de Marc Chagall numa parede do quintal de uma pequena vivenda. Apesar de chuva e da neve que caía, não desistimos de caminhar a pé na descoberta do painel. Passamos pela casa sem dar por isso. Foi preciso voltar atrás e procurar o número da porta. A razão deve-se à localização do painel de mosaicos, numa parede do jardim, protegido por um muro e parcialmente coberto por magnólias.

Empoleirámo-nos em cima de uma grade de ferro para o ver e fotografar mas, apesar dos esforços, apenas conseguíamos ver algumas porções do mesmo. A beleza do que nos foi dado observar compensou o nosso esforço.
A outra fotografia que apresento foi tirada de uma notícia do jornal “The Washington Post” e nela podemos ver parte do painel onde estão representadas figuras da mitologia grega, Orfeu na sua luta e Pégaso e em baixo refugiados europeus a atravessar o oceano, numa alusão ao próprio trajecto de Chagall, ao fugir do nazismo.
À frente do painel encontra-se a proprietária, que juntamente com o seu marido, com quem casou em 1964, foram amigos pessoais de Chagall, que lhes ofereceu o painel.

Outro dos atractivos de Washington é o conjunto de museus que fazem parte do Smithsonian Institute. São todos de uma qualidade extraordinária e têm o agradável atributo de ser grátis. Além disso, como em todos os museus americanos, é permitido tirar fotos, desde que não se use flash.

De entre eles saliento o National Museum of American History. A primeira vez que o visitei fiquei estupefacta porque era diferente de todos os outros museus. Apesar de ter uma secção destinada à história dos presidentes americanos, na sua globalidade predominava a história do quotidiano. As invenções americanas, os símbolos e as marcas americanas tinham aí um papel importante. Objectos como as garrafas iniciais de Coca Cola, o sofá de Archie Bunker da série “Tudo em família”, um sucesso nos anos 70, os sapatos encarnados de Judy Garland, a cartola de Abraham Lincoln, entre outros, transportavam-nos para uma história do quotidiano que era muito interessante e rara.
Voltei lá para rever o museu e constatei uma mudança radical. O museu foi renovado, o espaço foi modernizado e todo o conceito inicial foi alterado. Em vão procurei na planta o local dos objectos que me haviam fascinado. Julguei ter-me enganado. O novo conceito do museu transporta-nos agora para uma história oficial, politicamente correcta. Lá continuam os presidentes e sua mulheres, mas agora os departamentos estão orientados para as origens da nação, como os escravos e os judeus, para os heróis da guerra (passei essa parte), para os negros etc. Persiste uma secção sobre a origem da electricidade, onde me deliciei com a presença de modelos iniciais de torradeiras, mas os restantes objectos do quotidiano desapareceram. Do impressionante espólio do museu, apenas se podem observar algumas peças apresentadas em vitrinas, de cada um dos lados dos halls de entrada. Têm agora um aspecto mais decorativo do que didáctico.
A nova visão do que deve ser colocado em exposição pode ser muito educacional para jovens americanos, mas é extremamente desinteressante para estrangeiros. Para usar uma expressão inglesa: “boring”. Ou em bom português: chato.
Penso que se deve incluir esta visão no momento de crise que aconselha a fomentação do nacionalismo. Expressões como afro-americano e índio-americano fazem parte dessa necessidade de englobar todos no mesmo espírito.
Mas uma surpresa me aguardava. A exposição da cozinha de Julia Child, que nada tem a ver com o presente espaço e que se integrava muito bem no conceito anterior do museu.
É sobre ela que falarei mais em pormenor.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Objecto Mistério Nº 6. Resposta: Utensílio para fazer ninhos de batata

Por ausência no estrangeiro não pude felicitar antes a anónima Isabel Kiki pela correcta solução do problema.

Trata-se realmente de um utensílio destinado a fazer ninhos de batata. Devo dizer que a tarefa não é nada fácil, como eu própria pude constatar.

Estes ninhos, feitos com batata palha, eram colocados nas travessas e o seu interior preenchido com vários legumes ou ovos. As ervilhas são uma opção, mas pode utilizar-se esparregado, ovos mexidos, cogumelos, etc.

Além de muito decorativos são, como é lógico, também comestíveis .

Infelizmente o meu exemplar não tem caixa, mas encontrei um modelo americano de 1951, com a respectiva embalagem, que mostra o modo de funcionamento.

Pelo que entendo servia também para ninhos de massa, função que eu desconhecia completamente. Sempre a aprender.