terça-feira, 27 de março de 2018

A Quinta-feira da ceia

Ao preparar uma comunicação para um colóquio sobre a noite (“Lembrar-me-ei desta noite, nem que viva mil anos”: Ritmos, Vivências e Percepções da Noite na Época Moderna), que terá lugar nos dias 17 e 18 de Abril de 2018, na FCSH/NOVA, em Lisboa, cruzei-me inexoravelmente com imagens da Última Ceia.
No século XVIII, Bluteau, referia-se à 5ª Feira-Santa como a Quinta-Feira da Ceia, expressão que se perdeu, mas que nos remete para a Última Ceia de Cristo.
Pormenor
Embora os horários das refeições tenham mudado ao longo dos séculos a ceia foi sempre uma refeição noctura. Porque razão então, dos milhares de interpretações desta ceia mais famosa de sempre, apenas algumas nos apresentam um ambiente nocturno?

Fui procurar ceias nocturnas e entre elas sobressai uma das muitas ceias pintadas por Tintoretto. Nessa pintura o uso da luz restringe-se a um candelabro de tecto e ao halo que emana da cabeça de Cristo. É um halo grande, superior ao das cabeças dos apóstolos, mas, no conjunto, estas luzes são suficientes para iluminar a cena, os personagens envolvidos no serviço da ceia e os anjos que voam dentro da sala.
Há uma magia nesta pintura que nos prende e que se afasta das representações mais frequentes da Última Ceia, em especial na pintura da Renascença, e em que a mesa se apresenta paralela aos nossos olhos.
Mas melhor do que eu alguma vez poderia dizer, é ouvir a explicação desta obra pela Khanacademy. Vão ficar maravilhados.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Museu Virtual: Caixa para Chá



Nome do Objecto: caixa para chá (tea caddy)

Descrição: Caixa em madeira com seis gomos e tampa. Lacada em castanho e com desenhos e reservas em dourado. Estas representam seis cenas diferentes com figuras masculinas e femininas sentadas, envolvidas por plantas (de chá?). No interior encontra-se caixa em estanho com tampa dupla, a interior com pequeno botão central em marfim. Assenta em três pés trabalhados e dourados. Apresenta fechadura e chave para evitar furtos.
 
Material: Madeira lacada e dourada e estanho.

Época: Início do século XIX (primeira metade, c. 1840)

Marcas: Não apresenta.

Origem: Mercado português.

 Grupo a que pertence: Recipientes para guardar ou transportar alimentos

Função Geral: Recipiente para serviço e consumo de bebidas.

Função Específica: Preservar as folhas de chá, sem humidade e manter o cheiro.

 Nº inventário: 3300

Objectos semelhantes: Não inventariados.

 

Notas:

Durante o século XVIII foram usadas em Portugal caixas para chá em porcelana da China ou em prata, com o mesmo fim, muitas vezes com as armas dos encomendadores.
 Este tipo de caixa para chá em chinoiserie é extremamente raro, em especial com esta tipologia. Designado em inglês melon tea caddy, devido à sua forma em melão, existem com outras formas de frutas como as caixas com formatos de pêras ou de maçãs. Surgiram no início do século XIX. Depois de 1850 as caixas para chá apresentam-se mais frequentemente em madeira, com cavidades duplas ou triplas.

segunda-feira, 12 de março de 2018

Lançamento do Livro das Pitanças


Vai ser lançado no próximo dia 15 de Março, às 17 horas, no Convento de Mafra um interessante livro denominado «Livro das Pitanças».
Passamos assim a ter acesso a um manuscrito conventual do século XVIII, designado Princípio e Fundação do Real Convento de Mafra, e sua grandeza, e sua sustentação, e luxo, etc. que é um códice pertencente ao Palácio Nacional de Mafra e que se conserva na sua extraordinária biblioteca (Casa da Livraria como era apelidada no livro).
A outra designação mais apelativa e simples, Livro das Pitanças, deve-se ao facto de nele estarem também registados os bens de consumo destinados aos religiosos.
Bluteau descreve os vários sentidos para esta palavra ao longo dos tempos mas a principal é a sua utilização para designar uma ração dada nas comunidades religiosas, em especial a que se consumia nos dias de festa.

Quem puder estar presente pode ter o livro em primeira mão e deleitar-se de imediato. Para os outros interessados ficam a saber que dispõem agora de mais uma valiosa fonte de informação sobre o Convento de Mafra e o quotidiano dos religiosos que o habitaram.

sábado, 3 de março de 2018

O citrino Kumquat


Falei a primeira vez no Kumquat no Dicionário Gastronómico «Do comer e do falar…» que escrevi com a minha amiga Graça Pericão. Cada um dos capítulos, que corresponde a uma letra do alfabeto, tem uma representação de um alimento começado por essa letra. O K esteve para ser o Kumquat mas acabou por ganhar o mais conhecido Kiwi.
Na altura ainda eu não tinha provado este fruto que agora já se cultiva em Portugal. Originária da China, tal como outros citrinos, passou depois para o Japão. Kumquat ou chin can significa em chinês «laranja de ouro», tal como o vocábulo japonês kinkan.
Gravura de 1874 de Hood Fich
O seu nome científico é Citrus japonica que veio substituir a designação antiga Fortunella margarita, nome atribuído a uma das suas variantes trazida da China para Londres em 1846 por Robert Fortune[1], um explorador de plantas pertencente à Royal Horticultural Society. Em 1850 já era conhecido nos Estados Unidos.
Laranja do Algarve, de Setúbal e Kumquat
Na literatura chinesa foi mencionado em 1178. E nós os portugueses, os responsáveis por ter divulgado a laranja a partir da China, também conhecemos precocemente o kimquat como afirmou um escritor europeu, de que desconheço o nome, que em 1646, lhe havia sido referido por um missionário português que se encontrava na China.
Em 1712 este fruto já fazia parte das plantas cultivadas no Japão e daí a sua designação. A planta de pequeno porte foi durante séculos apreciada como planta ornamental. Os japoneses fazem com elas lindíssimos bonsais, porque uma pequena árvore dá imensos frutos.
Nagami. Planta enxertada. Foto tirada da internet.
Existem quatro variedades principais que são: a “Marumi”, de frutos redondos; a “Nagami”, de frutos elipsóides a ovais; a “Fukushu”, de frutos redondos a piriformes e a “Variegada”, de frutos variegados de listas amarelas.
No meu último almoço no restaurante Cotrim, em São João da Talha, um lugar escondido onde se come óptima comida portuguesa, experimentei a variante oval ou Nagami. Come-se com casca e é deliciosa. As que experimentei tinham vindo de Mação mas há já outros locais onde é cultivada.
Para além de muito agradável ao natural (embora haja quem a considere ácida) deve ser muito boa em conserva doce. Guardei as sementes porque pode ser cultivada em vasos mas é preferível comprar a planta já desenvolvida. Fiquei fã.

[1] A quem se atribui também a introdução do chá, trazido da China, na Índia na região de Darjeelling, em 1848.