quinta-feira, 28 de maio de 2009

Caneca da coroação do rei George VI

Brazão da Casa de Windsor

Comprei uma caneca de cerâmica, simples e bastante engordurada. Deu-me trabalho conseguir branqueá-la e o resultado não foi até ao momento satisfatório.
Mas o que me fez ter este trabalho com uma simples caneca?
É que ao olhá-la atentamente me deparei com várias surpresas.
Em primeiro lugar a imagem estampilhada comemora a coroação do rei George VI, que teve lugar a 12 de Maio de 1937. O verdadeiro nome de George VI era Albert, que lhe foi dado em homenagem a seu avô, o marido da rainha Victoria, com o mesmo nome e cujo dia da morte coincidiu com a data do nascimento deste.
Sendo o segundo filho do rei George V, era suposto não ocupar a cadeira real, mas a abdicação do seu irmão Edward, para casar com a americana Wallis Simpson, fê-lo ascender ao trono.
Tendo casado em 1923 com Elizabeth Bowes-Lyon viria a ser pai de duas filhas, a mais velha de nome Elizabeth, actual Rainha do Reino Unido. É a imagem dos dois, com as armas da casa de Windsor, que nos surge na cartela.
A segunda surpresa encontra-se na outra face da caneca: uma inscrição «Lembrança da Figueira da Foz».
Como teria ido aí parar esta associação entre um acontecimento que ocorrera em Londres e uma estadia na Figueira da Foz?. É possível que se destinasse a ser comprada por veraneantes, numa época em que a Figueira era um destino balnear na moda.

A terceira surpresa estava na base. Trata-se da marca Lusitânia, referência à antiga Fábrica Lusitânia de Coimbra, que produzia louças sanitárias, azulejos, mosaicos e louça. Em Maio de 1929 foi inaugurada, no Arco do Cego, em Lisboa, a nova sede da Fábrica de Cerâmica Lusitânia, que aí funcionou até ao final da década de 70. Foi destruída para no local ser edificada a sede da Caixa Geral de Depósitos e dela só restou uma chaminé, ainda visível no local.
Ainda em 1936 a então designada Companhia das Fábricas Cerâmica Lusitânia SARL, de Lisboa, adquiriu a Fábrica de Cerâmica de Massarelos, localizada em Quebrantões Norte, no Porto, com o fim de produzir tubos de saneamento.
Se a fábrica de Lisboa ficou conhecida sobretudo pela produção azulejar graças à obras de alguns autores, em que se destaca Jorge Colaço, a de Coimbra ficou ligada ao fabrico da cerâmica. De um modo geral trata-se de objectos de uso comum. Esta caneca é um desses objectos, curiosa pela sua originalidade.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Quinta-Feira de Espiga

Hoje é Quinta-Feira de Espiga. Descobri no caminho para casa.

Passei de carro por um lugar na Calçada do Combro e vi um raminho de espiga.
Entrei na minha mercearia e lá estava um raminho único. Pertença da dona da loja não estava à venda, mas perante a minha desilusão teve a amabilidade de dividir o seu ramo comigo. É por isso que na foto surge um ramo tão esquálido.
Mas fiquei contente. Cumpria-se uma tradição que tento repetir todos os anos, mas que em Lisboa se torna cada ano mais difícil.

Recorda-me os meus tempos de Liceu na Covilhã.
Naquele tempo era feriado no dia da Espiga. Um grupo de amigos juntava-se e íamos para o campo apanhar a espiga. Tenho mesmo a ideia de ter ido em viagens organizadas pelo Liceu. Após a colheita fazíamos um pic-nic e voltávamos para casa com os raminhos.

A “Quinta-Feira de Espiga” ou “Dia da Espiga”, corresponde à quinta-feira de Ascensão, em que a Igreja comemora a ascensão de Jesus Cristo ao Céu.

Os ramos de espiga, embora tenham uma composição variável deviam incluir espigas de trigo, de cevada ou centeio, malmequeres amarelos ou brancos, papoilas, um raminho de oliveira em flor, um raminho de alecrim ou de rosmaninho. Nalgumas regiões incluíam também ramos de videira, mas não na Beira Baixa.

Os vários elementos que a compõem têm um valor simbólico. A espiga de trigo simboliza o pão, a abundância, o raminho de oliveira representa a paz, a papoila o amor e o malmequer amarelo o ouro ou dinheiro.

Crê-se que esta celebração tenha origem nas antigas tradições pagãs e esteja ligada à tradição das Maias.

Teófilo Braga refere que a Quinta-Feira de Espiga se designa Quinta-Feira da Hora, no Porto, porque havia uma hora, o meio-dia, em que tudo parava.

Manda a tradição que se guarde o raminho durante um ano.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Encontro com a Índia numa rua de Lisboa

Numa manhã de sábado saí com a minha máquina para tirar fotografias em Lisboa. Perto de casa deparei-me com uma loja que, no exterior, apresentava uma caixa de “brinjalas”. Enquanto fotografava as beringelas veio à porta um jovem indiano curioso.

Inicialmente pensei tratar-se de um erro ortográfico mas, como vim a constatar, tratava-se apenas de uma adaptação ao português da palavra “brinjal”, de origem indiana.

A beringela é nativa da Índia, onde foi cultivada desde a pré-história.
A “brinjal”, com múltiplas designações em sânscrito, passou para a Pérsia com o nome bãdnjãn e depois para o Médio Oriente, onde evoluiu para a palavra árabe bãdinjãnâ. Chegou à Espanha pela mão dos árabes tomando o nome (al)-beringena, semelhante ao francês “aubergine” e à palavra portuguesa beringela.

O mercador português Domingo Paes, que visitou a Índia em 1520, espantou-se com a variedade de beringelas aí existentes.
Em Portugal sabe-se que pelo menos no século XV já era utilizada, de acordo com uma citação nos Livros da Falcoaria, onde surge a forma de a consumir: «Toma h ua bringella e abre a en quartos e deita lhe h ua pouco de sal e espreme a duas vezes».
Também Gil Vicente, no ”Auto da Lusitânia”, peça representada em 1532 na corte de D. João III, para comemorar o nascimento de D. Manuel, se referiu a «Berengelas e pepinos/ e cabra curada oo ar».
Tinha chegado à Europa nesta época o vegetal de origem indiana cujo uso se tornaria global

Este reencontro em Lisboa da palavra “brinjalas” escrita por um comerciante indiano, desencadeando no passante apressado a ideia de erro, traduz na realidade um regresso à palavra original.

domingo, 10 de maio de 2009

Objecto Mistério Nº 7- Resposta: Saca-rolhas

Confirma-se: é um saca-rolhas.
Não se trata contudo de um saca-rolhas de ar comprimido manualmente, como o primeiro anónimo quis sugerir. Pertence a esse tipo o saca-rolhas Corkette, representado na primeira foto e que foi produzido em Inglaterra pela empresa «Sponge & Co. Ltd», registada em 1963.

O objecto mistério é da marca «Sparklets Corkmaster» e foi produzido pela «The British Oxygen Company, Ltd», situada em Tottenham, em Londres. Apesar do nome da empresa não é accionado com oxigénio, mas com pequenas botijas de Anidrido Carbónico (CO2). Este tipo de saca-rolhas foi produzido desde 1960 a 1981.

É um saca-rolhas de pressão que funciona introduzindo a agulha na garrafa em posição vertical. Pressionando a alavanca preta, o CO2 da botija entra na garrafa, faz pressão e a rolha sai facilmente, segundo o fabricante, não alterando a qualidade do vinho.
Ganharam fama como objecto letal, quando usado de forma não convencional, isto é, como arma de agressão.
O seu distribuidor nos Estados Unidos foi a empresa Leland Industries de Stirling, em Nova Jersey, que afirmou ter então vendido mais de 5000.000 Corkmasters. O mais interessante é que não se destinavam a uso doméstico mas o maior consumidor foi o Departamento de Defesa. Foram utilizados por grupos militarizados para matar de forma silenciosa o inimigo.

Como? Injectando-lhe na corrente sanguínea CO2, o que provocava uma embolia e uma morte rápida e de difícil detecção.

Essa possibilidade é sugerida no filme de James Bond «Diamonds are forever», de 1971, com Sean Connery ainda jovem no papel principal e que seria a potencial vítima.
Num jantar requintado, oferecido por Tiffany Case (representado por Jill St. John), no papel de criado encontra-se um dos maus da fita, Sr. Wint (Bruce Glover) que após mostrar a garrafa a Bond se prepara para a abrir com um saca-rolhas Corkmaster. Num momento de suspense, à Hitchcock, segura com agressividade no Sparklets Corkmaster, olha pelo canto do olho para Bond e ... espeta-o na garrafa.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Objecto Mistério Nº 7

O objecto mistério apresentado data dos anos 60.

Tem cerca de 18 cm e é em material plástico, como podem ver em duas cores: marfim e preto.

Devo confessar que não sou grande especialista em plásticos e para além da baquelite e da melamina, não sou capaz de identificar os outros tipos.

Para dar uma ajuda, acrescento que foi feito em Inglaterra e exportado para Portugal, apresentando-se as instruções em português.

Uma achega importante: é um objecto mais usado pelos homens.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

As ervilhas de cavaca ou tortas

Ofereceram-me um saquinho com ervilhas de cavaca, também conhecidas nalgumas regiões por ervilhas tortas.
Em Lisboa raramente aparecem, mas na Covilhã são consideradas um prato típico e é nesta altura que elas começam a aparecer. Talvez seja por isso que os ingleses lhe chamam “snow peas” (Pisum sativum var. Macrocarpon), embora o facto de terem pequenas manchas brancas nas folhas possa também ser uma explicação para o nome. Quanto à origem do nome em Portugal, não tenho nenhuma informação.

Isto de ter um blog obriga-me a uma interrogação contínua, para já não falar que nos últimos tempos como sempre a comida fria, por a fotografar primeiro.

A primeira parte da pesquisa foi procurar o nome científico da ervilha, que é Pisum sativum e que pertence à família das Fabáceas. A sua origem situa-se no Médio Oriente e sabe-se que na região da Tailândia já existiam há mais de 12.000 anos.

Embora a maioria da produção se destine à obtenção dos seus grãos, as plantas que produzem a “ervilha cavaca” permitem que toda a vagem seja comida. A cultura destas ervilhas é anual e o desenvolvimento da planta dura cerca de 70 dias. As variedades mais conhecidas de ervilha torta são: Torta, Tsuruga e Torta de Flor Roxa.
Estas devem ser colhidas ainda verdes, quando as sementes ainda se encontram em desenvolvimento, por serem menos fibrosas nessa fase.
Depois de lavadas, deve ser retirada a extremidade da ervilha, bem como o fio que a envolve, à semelhança do que se faz no feijão verde.
Embora haja quem considere que podem ser comidas frias em salada, misturadas com outros legumes, esta não é a maneira de serem comidas em Portugal. Mas porque não tentar? As suas características são serem adocicadas e estaladiças, o que lhes permite um contraste com outros legumes.
Podem ser alouradas em manteiga ou estufadas com cebola, sem ou com tomate. Devo dizer que esta é a forma que mais me agrada. Mas qualquer receita que se utilize para legumes, com arroz, massa ou ovos, por exemplo, pode ser usada. O que é importante é não as cozinhar muito. Se forem frescas não devem ser cozinhadas mais que 3 minutos.

As ervilhas têm uma longa história e 100 anos A.C. já os chineses a tinham introduzido no seu país. Foram também populares na alimentação dos antigos gregos e romanos. Nas mesa europeias contudo a sua introdução foi tardia, apenas no século XVI.
De acordo com a «teoria dos humores» proposta por Galiano e ainda em uso no século XVI, sobretudo por divulgação da obra de Bartolomeo Platina “De Honesta voluptate”, os alimentos deviam ocupar um lugar preciso na refeição. Assim as ervilhas deviam ser comidas no meio da refeição porque, se comidas no fim, levavam à melancolia.

No século XVII na corte francesa tornaram-se uma moda. Consideradas um luxo, eram produzidas nas hortas de Versailles, então a cargo de La Quintanie (1624-1688). Na «Correspondence de Madame de Maitenon», esta descreve, em Maio de 1696, que «o capítulo das ervilhas continua, com a impaciência de as comer, o prazer de as ter comido e a alegria de as tornar a comer». E refere-se a determinadas damas da corte que, depois de bem terem ceado com o rei, ainda as voltam a comer antes de se deitar. E acrescenta «É uma moda, um furor».
Nesta época, histórias de exageros e quadros ridículos do seu consumo foram abundantes. Numa altura em que também se fazia a introdução dos talheres, a associação de ambos, em mãos inexperientes, deram azo a situações embaraçosas. Na realidade estas acabavam sempre por ser comidas à mão. Ervilhas de cavaca estufadas com tomate

Não vou seguir o percurso do consumo das ervilhas mas tenho que referir um ponto alto da ciência com elas relacionado. Foram os estudos baseados nas ervilhas que levaram o monge Gregor Mendel, em 1860, a estudos de hibridização que estiveram na base da compreensão das bases genéticas das características hereditárias. As suas experiências realizadas num convento em Brunn, na Áustria, ficaram esquecidas até ao início do século XX. Recuperadas as noções da forma de transmissão hereditária de características dominantes e recessivas, abria-se a porta ao estudo da genética e Mendel passou a ser considerado o «pai da genética».

Toda a história das ervilhas se aplica às variedades em grão. No entanto existindo mais de 1.000 variedades de ervilhas, a história das chamadas "ervilhas de cavaca ou tortas" ficou perdida. Como perdida estava na minha memória, até hoje, a recordação de um prato que comíamos em minha casa de ervilhas de cavaca estufadas com entrecosto de cabrito de leite cortado aos bocadinhos. Uma delícia.