sábado, 30 de março de 2013

As amêndoas verdes cristalizadas

Nesta época de amêndoas todos temos uma preferência. A minha é por amêndoas verdes cristalizadas.

São difíceis de encontrar e por isso pouco conhecidas. Trata-se de um doce feito com amêndoas verdes, isto é, colhidas quando o fruto ainda não amadureceu e o interior ainda está mole.
São metidas numa calda e depois secas o que as transforma em amêndoas cristalizadas.
Este ano decidi ir à Baixa para as procurar. Costumava comprá-las na Casa Macário e voltei lá depois de ter procurado sem sucesso noutras lojas. Infelizmente este ano não tinham porque não conseguiram arranjá-las, mas apresentaram-me umas amêndoas em calda. Pode-se dizer que é a primeira fase do processo. São muito agradáveis e recomendo-as, mas não tão boas como as cristalizadas.

Apresento-as a quem as não conhece para o caso de terem acesso ao fruto ainda na árvore e no próximo ano poderem confecioná-las. Para que não se perca esta receita tão antiga.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Os ovos da Páscoa

A tradição dos ovos na Páscoa tem origens pagãs, cuja interpretação é variável mas que nos remete para a a ideia de renovação.
Nos séculos XVIII e XIX usavam-se em cartão moldado e em “papier-maché” forrados com papel, renda, veludo e atados com laçinhos. Lá dentro podiam encontrar-se pequenos presentes.
Durante o século XIX, com os avanços nas técnicas de fabricação de chocolate começaram a fazer-se ovos de chocolate. Inicialmente eram compactos mas com os progressos da industria  e o conhecimento da moldagem passaram a ser ocos.
Embora os primeiros tenham tido origem em França e na Alemanha não consegui saber quais as marcas que os produziam. Mais organizados, os ingleses afirmam que os primeiros “Ovos de Chocolates Cadbury” foram feitos em 1875. Os primeiros  eram feitos com chocolate preto cheios de drageias, mas em 1905 começaram a produzir chocolate de leite que muito contribuiu para a divulgação dos dois: do chocolate e dos ovos de Páscoa que desde então são predominantemente fabricados com este tipo de chocolate.
Não sei dizer quando chegaram a Portugal os ovos de chocolate da Páscoa. Posso assegurar a sua existência desde a década de 1950. É possível que tenham existido anteriormente mas ainda não encontrei provas.
Os exemplares aqui apresentados são dessa época. O chocolate da Regina manteve-se intacto até aos dias de hoje e espero nunca saber qual o tipo de chocolate de que é feito. As outras embalagens de feitio de ovos, em diferentes materiais, feitos por várias fábricas como a Aliança e a SIC, deviam conter amêndoas.
Em qualquer das apresentações o que contava era o simbolismo e a alegria com que eram recebidos. O ovo de chocolate intacto prova que não era o paladar do chocolate que era importante mas a ideia.
Para todos uma Páscoa Feliz!.

terça-feira, 26 de março de 2013

A obra de Wolfgang Heimbach


Pensando bem constato que já conhecia o quadro que representa um interior da cozinha pintado por Wolfgang Heimbach (1620-1679). Mas se me perguntassem se o conhecia pelo nome nada me dizia. Descobri-o agora quando procurava elementos para uma comunicação. De repente surgiu aos meus olhos uma grande variedade de pinturas em que há referências à alimentação, apresentada de várias formas, e que foram realizadas por este pintor.
Nascido em Oldenburg, começou a aprendizagem da sua arte na Alemanha e foi depois para os Países Baixos.
Era surdo mudo mas isso não o impediu de aprender várias línguas e de se deslocar pela Europa. Entre 1640 e 1651 esteve na Itália onde a sua pintura sofreu novas influências. Aí trabalhou em casa nobres como nas de Doria Pamphili e dos Medici. 
Transformou-se em pintor da corte quando viveu na Dinamarca entre 1635 a 1662-3. Heimbach pintou várias vezes a princesa Sofia Amália de Brunswick-Lüneburg que se tornou rainha da Dinamarca ao casar com Frederico III, em 1648, bem como o próprio rei. Regressou depois à Alemanha onde esteve ao serviço do Bispo de Münster Christoph von Galen até à sua morte. 
Em muitos dos seus quadros usou jogos de luz como no banquete nocturno ou no interior de uma estalagem, duas das suas obras mais conhecidas. Embora a maioria dos quadros retrate a vida da corte representou também outros estratos sociais como se pode ver no interior de uma cozinha que já referi.
Embora o quadro considerado mais importante seja a homenagem ao rei Frederico III da Dinamarca, o que mais me impressionou foi o de uma criada que espreita atrás de uma porta de vidro para os restos de um refeição abandonados sobre uma mesa.
De forma enganadora o vidro partido parece facilitar o acesso aos alimentos a que não terá direito. Os seus olhos de desejo mostram-nos que não está habituada aquelas iguarias, que apenas vão preencher a sua imaginação. O seu estômago vai continuar vazio.
No conjunto da sua obra, que é extensa e se encontra dispersa pelos vários países onde trabalhou, Wolfgang Heimbach dedicou uma grande parte da sua atenção ao problema da alimentação. Uma boa razão para ser aqui evocado.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Objecto mistério Nº 34. Resposta: Escamador de peixe

O objecto mistério é um engenhoso artigo para descamar peixe.
É feito em alumínio, o que o torna leve, sendo formado por uma pega e uma caixa no fundo da qual se situa uma lâmina dentada.
A tampa em plástico transparente que fecha a caixa permite guardar todas as escamas. Na verdade ao escamar um peixe com escamador de peixe aberto é sabido que estas voam em todas as direcções.
 Este modelo designa-se «Scalex», um nome que diz tudo, e que se fosse português traduzia-se por «escamex». Tem a marca Westmark um linha que começou nos anos 70.
Pertence a uma firma alemã Imo-mono Gmbh & Co. A fábrica situa-se na Alemanha, na cidade de Elspe, que fica a cerca de 100 Km de Colónia e existe há mais de 50 anos.
Hoje continua a produzir uma grande variedade de utensílios para cozinha sendo sobretudo famosos os seus descascadores de legumes.
Escamador de Peixe, Mathias Alten, 1908
Este parece ter sido um desafio fácil um vez que quase todos acertaram. Parabéns.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Objecto Mistério Nº 34


Apresento hoje, para experimentar o conhecimento dos leitores deste blog, um novo objecto mistério.

É novamente um utensílio doméstico de grande utilidade.

Tem um comprimento de 21 cm.

Para que serve?

quarta-feira, 13 de março de 2013

As Bonecas Nestlé da Estevão Nunes

Esta folha de bonecas recortáveis em cartolina era oferecida pela Farinha Láctea Nestlé no início do século XX. Em subtítulo surgia a explicação de que esta era «um alimento completo para crianças de peito e também para crianças em geral e para doentes padecendo do estômago».
Apesar disso as designadas bonecas suíssas Nestlé destinavam-se evidentemente às meninas e eram «a alegria das crianças e o descanso dos pais».

No reverso do cartão eram apresentadas mais informações sobre as vantagens desta farinha e o seu modo de preparação. Não é contudo sobre este produto que quero falar hoje, mas sobre a tipografia onde estas imagens foram impressas.
Ao olharmos para as imagens somos levados a pensar que o cartão podia ter vindo directamente da Suíça, mas na realidade foi feito em Lisboa na Tipografia da Papelaria Estevão Nunes. Este nome já me havia surgido com frequência durante a investigação para o livro «Mesa Real» uma vez que foi nesta tipografia que foram feitos muitos das ementas e cartões para concertos da Casa Real, durante os reinados de D. Luís e D. Carlos. Eram também da sua responsabilidade toda a variedade de cartões para convites assim como de planos de mesa destinados a estudar a posição dos convidados à mesa, antes dos banquetes.
Foi ainda no reinado de D. Luís que foi nomeado Fornecedor da Casa Real (18 de Julho de 1874)[1], título que, embora não incluísse qualquer obrigação de compra pela Casa Real, era um atestado de qualidade e distinção muito almejado pelas empresas na época.

Neste cartão menciona-se um prémio ganho pela Farinha Nestlé na Exposição Internacional de Bruxelas em 1910, pelo que deve ser de data aproximada.

No livro Os Fornecedores da Casa Real (1821-1910)[2] o autor apresenta um cartão desta empresa, da sua colecção, onde se pode ver que Papelaria se situava na Rua do Ouro 56-60 e Rua da Conceição 131-137 em Lisboa, e que tinha a Tipografia na Rua da Assunção, 18-24 e Rua dos Douradores, 101-11. Aliás a forma habilidosa como se apresentam estes endereços levam, numa primeira leitura, a fazer-nos crer na existência de vários locais pertença da firma uma vez que as oficinas e a  tipografia são apresentadas separadamente mas com a mesma morada.
Imagem retirada do livro Os Fornecedores da Casa Real
Para além de serem fornecedores da Câmara Municipal de Lisboa, eram-no também de vários Bancos e companhias, como declaravam nesse mesmo cartão.
Tinham contudo uma outra actividade, a editorial. Das sua tipografia saíram títulos como As Progressões Dolivaes - Demonstração e sua applicações a uma serie de 2.500 numeros[3], da autoria de Sallustio de Souzel, em que o autor apresentava o «mundialmente famoso método Dolivaes para roletas de cassinos, criado por Dolivaes Nunes em Portugal», a Casa com duas portas é má de guardar, uma comédia em verso sobre a mocidade de D. Nuno Álvares[4], ou o relatório da comissão dos festejos na Rua Áurea apresentada aos subscritores no Tricentenário de Camões, feito pelos Thesoureiros da Comissão Estevão Nunes & F.os[5], entre outros.
Fica por aqui a conversa sobre esta empresa, cuja qualidade de trabalho já me havia surpreendido ao constatar que as ementas da sua responsabilidade, impressas no final do século XIX, em nada ficavam a dever às de origem francesa, consideradas paradigma da época.


[1] Mesa Real, p. 223.
[2] Da autoria de Lourenço Correia de Matos, publicado em 2009 pela Dislivro Histórica.
[3] Typographia da Papelaria Estevão Nunes & Filhos, 1909.
[4] Da autoria de Calderón de la Barca, tradução de Francisco Serra. Papelaria Estevão Nunes, Lisboa, 1901.
[5] Lisboa, 1880.

sábado, 9 de março de 2013

O «Queijo Pastor», o antecessor do «Limiano»

Este belo cartaz (antigo calendário?) data de janeiro de 1953 e foi feito pela Lacto Lusa Lda. como publicidade ao queijo Pastor. Esta empresa começou em 1941 e os seus primeiros gerentes foram Francisco da Costa Leite e Américo Tavares da Silva. Contudo o registo do nome Lacto-Lusa Lda só foi publicado em 1948.


A fábrica ficava situada em Vale de Cambra e no início dedicava-se à produção de manteiga, da marca Lusa. Esta produção tinha como base o facto de a região ser rica em pastagens e de nela existir uma importante criação de gado para a produção de leite.
Foi em 1947 que a fábrica começou a produzir os queijos das marcas «Pastor» (tipo flamengo), «Belo Luso» tipo (Bell Paesse) e «Pastorinho». A produção do Queijo Limiano foi mais tardia e deveu-se a Américo Tavares da Silva que foi o responsável pelo início da sua produção em 1959. Uma outra marca de queijo a «Camponesa», não foi registada inicialmente e desconheço a sua data de início de produção.
No final dos anos 50 a Lacto-Lusa de Vale de Cambra extendeu-se a Ponte de Lima, tendo-se juntado a pequenos produtores de queijo locais. Em 1957 criou-se a Lacto-Lima e a Lacto-Açoreana, das quais a Lacto-Lusa era sócia maioritária. A Lacto-Lusa foi transformada em sociedade anónima em 1987, integrando as sociedades Lacto-Lima e Lacto Açoreana.
Em 1994 era criado o Grupo Lacto Ibérica S.A., como resultado da aquisição e fusão de 7 empresas. Com sede social na Ilha de S. Miguel, nos Açores, o grupo ficou distribuído por 8 locais, dos quais 4 são unidades fabris.
A Lacto-Ibérica, foi comprada em Janeiro de 2004, pelo grupo francês Bel, passando a constituir a Bel Portugal. Incorporou diferentes empresas de lacticínios como a Lacto Lusa, S.A, a Lacto Lima, S.A., a Lacto Açoreana, S.A., a Agrolactea, a Produtos Alimentares, Lda e a Lacticínios Loreto.
Funciona em Portugal com três fábricas: uma em Vale de Cambra, e duas nos Açores, na Ribeira Grande e em Covoada. É na unidade fabril da Ribeira Grande que são produzidos os queijos Terra Nostra e a manteiga Loreto. Em Vale de Cambra continuam a ser feitos os seus dois mais importantes queijos: o Limiano e o Pastor.
Como se pode ver no cartaz de 1953 o queijo Pastor era um queijo tipo flamengo, em bola, forrado a cera vermelha, tal como os holandeses faziam para o seu queijo Edam destinado à exportação. No meio deste percurso perdeu as suas “vestes” a favor do queijo Limiano que se tornou o preferido. O queijo Pastor tranformou-se num queijo tipo prato, achatado e de casca amarela, onde no rótulo surge um pastor com as suas vacas, semelhante ao do registo de 1947 mas agora polícromo.
Sem as campanhas publicitárias que sempre acompanharam o seu sucessor o queijo Pastor sugere-nos um pai enjeitado pelo filho, mas na realidade corresponde apenas a uma estratégia comercial da empresa. Representa apenas mais um mistério insondável da publicidade.


terça-feira, 5 de março de 2013

Receitas com Vinho do Porto Ramos Pinto

  A casa de vinhos Ramos Pinto foi fundada em Gaia em 1880 e ao longo da sua história apresentou sempre uma preocupação com a divulgação dos seus produtos, que logo nessa data se destinavam à exportação, com relevo para países da América do Sul, como o Brasil.
 Adriano Ramos Pinto nas suas viagens a França apreendeu a importância da publicidade através dos cartazes. São conhecidos os interessantes cartazes dos finais do século XIX, em estética Arte-Nova, feitos para publicitar os vinhos do Porto da sua firma. Para isso escolheu os melhores desenhadores de cartazes estrangeiros de onde se destaca Matteo Angello Rossotti, Leonetto Capiello e um outro italiano de origem Sérvia, chamado Leopoldo Metlicovitz. Artistas portugueses como António Carneiro, Ernesto Condeixa e Roque Gameiro contribuíram também com a sua arte para a realização de várias imagens.
 Para além dos cartazes houve uma preocupação com o grafismo dos rótulos e com a emissão de postais publicitários, alguns dos quais alusivos aos países a que se destinava a exportação como aqueles que apresentam imagens do Brasil ou publicidade em francês.
 Este folheto que aqui se apresenta é mais tardio e apresenta receitas feitas com vinho do Porto Ramos Pinto. Presumo que se trate de um livrinho da década de 1930-1940, uma vez que no lote de vinhos apresentados se destaca o vinho do Porto «Jubileu» lançado em 1930 para festejar os 50 anos da empresa.
O folheto não tem os desenhos assinados e foi feito pela Litografia Nacional do Porto. Antes das receitas surge uma pequena introdução onde se realçam as qualidades do vinho do Porto e se constate que as preocupações com a exportação para países estrangeiros tinham levado a uma fraca penetração deste produto no mercado nacional.
 Para reparar essa lacuna apresentavam 50 receitas sobre a maneira do utilizar esta bebida que usando as suas palavras iriam «deliciar os paladares mais requintados».
Seguiam-se receitas de cocktails, de sopas, peixes, carnes, molhos e doces em que o vinho do Porto tinha lugar.
Algumas das receitas tomavam o nome do fundador, como o«Souflé Adriano», o «Creme de Vinho do Porto Ramos Pinto» ou o «Bolo Mr. Pinto».
 Um aspecto menos conhecido da actividade publicitária da firma Ramos Pinto que aqui se dá a conhecer.

sexta-feira, 1 de março de 2013

A Lotaria dos Armazéns Cunhas no Porto

Esta lotaria mensal dos Armazéns Cunhas, no Porto, funcionava como uma forma de promoção de vendas. Era atribuída por cada 1000 réis de compras e, para dar mais credibilidade, era sorteada pela Santa Casa da Misericórdia, com direito a todos os prémios.

Embora não tenha conseguido datar o início dos Armazéns Cunhas é provável que tenham começado nos finais do século XIX ou início do século XX. Pertença da firma Cunhas & Cª, Lda, já existia em 1905, data em que o carro alegórico da empresa, que participou no cortejo de Carnaval de 1905  ganhou um 1º prémio. 
Grandes Armazéns do Chiado no Porto
Ficava perto da sucursal no Porto dos Grandes Armazéns do Chiado, que também aparece localizada na então designada Praça dos Voluntários da Rainha.
No Anuário Comercial de 1934 os Armazéns Cunhas surgem situados na Praça da Universidade, 15, e rua do Carmo, 7 que corresponde ao mesmo local, com a nova designação. O facto de ser atribuída a data de 1933 a 1936 para a realização das obras que fizeram surgir a nova fachada Art-Deco leva-nos a crer que a actividade não foi interrompida durante as obras. Estas estiveram a cargo dos arquitectos Manuel Marques, Coelho Freitas e Amoroso Lopes que juntaram três edifícios estreitos, do século XIX, no edifício que hoje podemos observar.
O orgulhoso pavão de penas abertas existente na fachada parece traduzir o orgulho no moderno edifício, numa cidade onde começavam timidamente a surgir edifícios com esta estética.
Passados estes anos a loja centenária persiste, embora nela ninguém saiba dar informações. Um pequeno pedaço de papel transmite-nos mais dados que os humanos, num sinal da desvalorização das memórias de uma cidade.