quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O requeijão e a travia da Beira Baixa

Quando era pequena costumava ir com o meu pai comprar queijo fresco e requeijão à Quinta do Pinheiro. Era uma quinta que ficava numa das saídas da Covilhã e cujo nome se devia a um enorme pinheiro, centenário que, dizia-se, eram preciso vários homens de mãos dadas para o abraçar.
Tinha uma casa grande de pedra com uma cozinha escura. A chaminé enorme, era daquelas em que as pessoas se sentavam lá dentro, de cada lado do fogo, em pequenas cadeiras. Lembro-me de ver no centro da lareira um caldeirão de ferro, suspenso por uma cadeia, onde fervia um líquido branco, mexido com uma grande colher de pau, que era o requeijão. Foi assim que aprendi como se fazia o requeijão.
Um dia um raio atingiu o pinheiro que desapareceu. Mais tarde foi a fúria construtiva, devido ao crescimento da cidade que destruiu a casa e levou á ocupação do terreno com prédios de vários andares, incaracterísticos, que se vêm agora no local.

Fiquei sempre com a memória daquele requeijão, que em minha casa se comia com açúcar e canela. Apesar de se dizer que na Beira Baixa é tradicional comer o requeijão com doce de abóbora, nunca conheci ninguém que o fizesse nessa época.
Continuei sempre a comer o requeijão como me recordava dele. Quando cheguei a Lisboa acontecia-me comprar um requeijão condensado e salgado. Havia mesmo lisboetas que o comiam com sal e pimenta. Quando inadvertidamente comprava um desses, punha-o de molho em água, para tirar o sal e juntava-lhe depois um pouco de leite. Sem saber estava a aproximá-lo da ideia de travia.
Tanto o requeijão como a travia são subprodutos do fabrico do queijo e ambos se obtém pela precipitação ou coagulação, por acção do calor, da lacto-albumina e lacto-globulina existentes no soro que resulta do fabrico dos queijos. O requeijão tem o feitio de um pequeno queijo e era vendido individualmente em pequenos cestos de verga. Estes foram depois substituídos por cestos em plástico, ou vendidos embrulhados em papel vegetal timbrado. Mais modernamente são vendidos em embalagens plastificadas.
A travia é semelhante ao requeijão mas apresenta-se sob a forma líquida, por ter adicionado algum soro. Toma portanto a forma do recipiente que a contém. Vendidas tradicionalmente na região de Alcains ao litro, transportadas em embalagens designadas “ferrados”, é hoje vendida em caixas de plástico. A travia da Beira Baixa é hoje um produto DO, isto é, com denominação de origem, e são lhe exigidas determinadas características.
É difícil de encontrar fora da zona de produção, mas recomendo que a experimentem. O seu sabor láctico adocicado torna-o um prazer. A mim transporta-me à infância.

3 comentários:

Anónimo disse...

O requeijão em cestos de verga, temperado com sal e sem soro,era carateristico da região de Seia. O Requeijão da Beira Baixa nunca foi servido com sal.

Anónimo disse...

Minha sogra(Fundão) ainda hoje adoça o requeijão e julgo que a travia;
não mistura doce de abóbora nem tem
memória de tal.
José

Ana Marques Pereira disse...

Obrigado a ambos os anónimos pelas achegas. A minha ideia é que, a associação com o doce de abóbora, é uma moda muito recente.