domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma venda de livros pop-up

Passei hoje de manhã pela Livraria Trindade para ver a exposição de livros “pop-up” que o Bernardo pôs à venda.
É verdade que estamos mais familiarizados com os pop-up que na internet nos saltam ao caminho, mas na verdade estou a referir-me a livros tridimensionais.
Os livros pop-up têm, para além da história, uma ilustração com elementos de papel que estão colados e, quando folheamos o livro, saltam-nos à vista. Outros, mais complexos, têm também figuras móveis através de uma patilha que se puxa.
São livros principalmente destinados às crianças, mas quando os folheamos percebemos como somos infantis. Invade-nos uma alegria que nos transporta à nossa meninice, misturada com sentimentos menos dignos, de posse, que nos levam a pensar que as crianças não devem ser os seus destinatários priveligiados. Um argumento fino atravessa-nos o cérebro: afinal um adulto sempre conserva melhor estas folhas que devem se manuseadas com delicadeza. 
Não resisti e comprei vários livros de que mostro as cenas alimentares, para justificar o título deste blog.
Começo pela extraordinária adaptação de Robert Sabuda de Alice's Adventures in Wonderland, do original de Lewis Carroll, publicado em 2003, em que as figuras saltam das páginas. Lá está a garrafa com as palavras «Drink me» e o bolo com as palavras «Eat me» feitas com cerejas, que a fizeram ficar pequena. Numa outra cena Alice, sentada à mesa, bebe chá com os seus amigos.
O segundo livro é de uma história intitulada « Um passeio de cavalinho» que se baseia em canções populares russas.
Duas ilustrações do livro mostram: numa um menino, o Bória, sentado à mesa a comer um pãozinho que o gato comprou na padaria e uma outra cena em que a avó prepara no forno bolinhos para os quatro meninos que, muito sossegadamente, aguardam sentados à mesa.
O último livro de que quero falar é o «Principezinho» de Saint-Exupery. É o meu livro preferido e, em pop-up, ganha ainda mais magia. Abrir os cartões para ver os desenhos da ovelha é sem dúvida ainda mais entusiasmante do que a narrativa com ilustrações seriadas.
O principezinho alimentava-se de amizade e não há nesta história imagens de comida. Mesmo quando o seu cantil já só tinha umas gotas de água recusou a compra de comprimidos para tirar a sede. E quando o vendedor lhe explicou que os especialistas tinham feito os cálculos e que, tomando os comprimidos, se poupavam cinquenta e três minutos por semana, pensou: « Se tivesse cinquenta e três minutos para gastar iria calmamente procurar uma fonte».

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O "Almanach das Senhoras" para 1923

Nos finais do século XIX e primeiro quartel do século XX foram publicados vários almanaques. A palavra almanaque vem do árabe al-manakh (1) que significa «lugar onde o camelo ajoelha», querendo portanto referir-se a um ponto de encontro. Um livro com essa designação apresenta um calendário do ano com as festas anuais, informações úteis, informações culturais, actualidades, charadas, etc.
O que este “Almanach das Senhoras” tem de diferente é que se trata de um almanaque feminino, escrito e publicado numa época em que as mulheres tinham ainda muita dificuldade em impôr-se na literatura. Foi um anuário fundado por Guiomar Torrezão (1844-1898), em 1871, e que se publicou até 1928. A sua acção valeu-me muitas críticas sobretudo da parte de escritores mais conservadores. Isso no entanto não impediu a colaboração de outros elementos do sexo masculino, como foi o caso de Rafael Bordalo Pinheiro que desenhou a capa de 1876/1877.
De entre as muitas colaboradores destaco também Maria Amália Vaz de Carvalho.
Quando morreu Guiomar Torrezão, seguiu-lhe a sua irmão Felismina Torrezão, como proprietária e Júlia de Gusmão como directora literária.
A publicação para o ano de 1923, é já da Parceria de António Maria Pereira e tinha como directora literária Maria O’Neill. Esta fazia parte do “Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas” fundado em Março de 1914, sob a direcção da médica ginecologista Adelaide Cabete (1867-1935), que havia já participado na criação da “Liga Republicana das Mulheres Portuguesas”, em 1909, com Ana de Castro Osório.
Este número de 1922/1923 comemora também a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, feita pelos aeronautas portugueses Gago Coutinho e SacaduraCabral, em 1922, aquando das comemorações do Primeiro Centenário daIndependência do Brasil. O mesmo aconteceu com o “Almanaque Ilustrado do Jornal o Século” do mesmo ano, que na sua capa apresentava o avião dos dois heróis nacionais.
Voltamos ao “Almanaque das Senhoras”, que é muito interessante também no que respeita à sua publicidade, e de que apenas apresento dois anúncios. O primeiro de um produto para «emagrecer sem perigo» e um segundo, vanguardista, de um outro medicamento francês para regular os períodos menstruais.
Apesar de feminista este número presta homenagem a vários homens da sociedade portuguesa, com um pequeno texto e fotos. Saliento o dedicado a Felix Bermudes, autor de «João Ratão», do «Conde Barão» e da «Pérola Negra». Após o elogio a autora escreve:«Enfim não há ninguém que não tenha um senão; o de Felix Bermudes é caçar. Desejamos que uma lebre agonizante lhe lance um olhar que o comova e o convença a respeitar a vida dos animais. Estão será perfeito».
Contudo esta opinião não impediu de publicarem uma foto intitulada «Refeição de caçadores», enviada pelo colaborador Francisco Alves Ferreira e que representava o caçador de hipopótamos sr. Leonel de Lemos e os seus companheiros, na lagoa de Ingolome, «restaurando as forças com uma substancial refeição na qual não foi o acepipe menos apreciado uns saborosos bifes de hipopótamo, convenientemente regados, a ajuizar pelo bojudo garrafão que figura junto da improvisada mesa».
(1) Machado, José Pedro, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O meu "fudge" e o dos outros

Apeteceu-me ser pretensiosa e dizer «o meu fudge». De meu só tem ser eu a fazê-lo, porque na verdade aprendi a receita num programa televisivo da Nigella Lawson.
Depois deste post também pode ser vosso porque vou dar-lhes a receita de uma forma simplificada, como eu gosto.
Passei há alguns dias na Baixa e vi na montra da Casa Macário uma embalagem de Fudge da marca Jack Daniel's. Como o Jack Daniel's é um dos meus whiskeys preferidos, resolvi comprar para experimentar. Descobri que era um fudge sem chocolate, muito agradável e com um leve sabor a whiskey. Como só conhecia fudge de chocolate resolvi saber um pouco mais sobre este doce.
O fudge é um doce feito de açúcar, leite e manteiga, a que se adiciona sabor (no caso referido uma bebida) ou chocolate ou frutos secos, como as nozes. O que interessa é que depois de pronto deve ficar com uma consistência macia, amanteigada, o que o distingue dos caramelos que, embora possam ter uma receita semelhante, fervem mais tempo e ficam mais duros.
A origem do fudge é obscura. Os americanos consideram que é um doce seu, por conseguinte recente, datando do final dos anos de 1880. A primeira referência a ele é de 1886, numa carta de uma estudante de um colégio de Nova York.
Há várias receitas iniciais, daquelas muito chatas, feitas com pontos de açúcar com temperaturas exactas e são todas diferentes.

Os escoceses também reclamam a sua paternidade considerando que a receita da “Scots tablet”, que vinha mencionada no livro “Household Book of Lady Grisell Baillie” (1692-1733), estaria na sua origem. Mas na realidade esta era mais parecida com um tipo de caramelo e, além disso, apesar de ter sido escrito no século XVIII, o livro só seria publicado em Edimburgo em 1911.
O que a maioria dos historiadores do fudge (se tal existe) acreditam é que este foi resultado de um engano na receita. Desconhece-se a etimologia da palavra, mas pode ter derivado de «fadge», então com o sentido de mistura mal feita. Outras explicações são ainda mais arrevesadas pelo que as omito.
Gravura retirada de um site de coleccionadores de  Jack Daniel's

Vamos então à receita do «fudge de chocolate»:
Derrete-se em banho-maria ou, mais fácil ainda, no microondas (no descongelar), 300g de um bom chocolate de culinária (cerca de 1 tablete e meia) aos pedaços, com uma embalagem de leite condensado e 30 g de manteiga (1/8 do pacote de manteiga). Depois de derretido mexe-se bem e juntam-se 150 g de pistáchio, esmagado aos pedaços (o mais prático é metê-los num saco de plástico, evidentemente sem casca, e esmagá-los com um maço de madeira).
Estende-se a mistura ainda quente numa prata, deixa-se arrefecer e leva-se ao frigorífico para endurecer. Quando sai do frigorífico retira-se a prata e corta-se aos quadradinhos, que se guardam numa caixa ou frasco.
Já experimentei esta receita com nozes e com pinhões mas nenhuma é tão boa como com pistáchios, que têm uma consistência mais dura que contrasta com a macieza do chocolate.
Aviso: Se experimentarem vão ficar viciados. Não digam que não avisei.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Objecto Mistério Nº 22. Resposta: Tinteiro

Bem, custa a acreditar mas, como podem ver, a caixa de bolachas é um tinteiro. É de origem francesa e tem na base uma marca que não consigo identificar.
Penso que se destinava a ficar bem à frente dos olhos, no intervalo das refeições, para lembrar que, se aparecesse a fome, sempre podiam comer uma bolachinha. Se era esse o efeito, afinal fazia sentido.
Mas às vezes é difícil entrar na cabeça dos publicitários e compreender o que pensaram, ou o que acreditaram que conseguiam desencadear como desejos na cabeça do consumidor.

As reproduções de bolachas foram usadas em vários tipos de publicidade.
Veja-se o exemplo desta bolacha em porcelana da “Fábrica da Pampulha” de Eduardo Costa, que tem escrito “Tapioca”. Fica-se sem saber se a bolacha levava tapioca ou se servia de publicidade à tapioca. Sobre esta fábrica, de que tenho um interessante cartaz publicitário, falarei numa outra vez, porque só por si merece um tratamento à parte.
Por último, mostro um bloco de apontamentos, que comprei há alguns anos, em que as capas, em borracha dura, são reproduções das célebres bolachas da marca “LU” de Nantes. Esta bolacha tipo «Le Petit Beurre» foi inventada por Louis Lefèvre-Utile em 1886. Como não registou a patente da bolacha no imediato da sua criação, muitas cópias surgiram posteriormente. A sua forma característica serviu de base a anúncios publicitários em que se salientava «Petit Beurre, 4 orelhas e 48 dentes» para a distinguir das outras.

Estes são apenas alguns exemplos de objectos “trompe l’oeil”, em que os alimentos foram muito utilizados e que constituem, para mim, um mundo fascinante.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Objecto Mistério Nº 22

O objecto mistério que apresento tem as dimensões idênticas às de uma bolacha Maria.
É um objecto “trompe l’oeil” e não são bolachas comestíveis (para o caso de terem dúvidas).
Tem uma função prática que nada tem a ver com mesa ou cozinha.
Para que servia?
Não é fácil, mas arrisquem.

P.S.
Para ajudar, acrescento que é em porcelana e que a bolacha superior é uma tampa.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Um hotel de Niemeyer em Portugal

Quantos portugueses saberão que é na Ilha da Madeira que se situa a única obra portuguesa da autoria de Oscar Niemeyer? Presumo que poucos. É por isso que quero falar no Hotel Pestana Carlton Park.

Como todas as grandes obras só foi conseguida pela acção conjunta de várias pessoas excepcionais. O início da história teve lugar em Goa quando António Xavier Barreto, nos anos vinte, partiu com a sua mulher rumo a Moçambique. Na Beira, para onde foi viver dedicou-se a várias actividades antes de enveredar pelo negócio das madeiras, com o qual viria a enriquecer.
Quando em 1965 decide investir em Portugal, decide investir na Madeira onde adquiriu um casino falido.
É extraordinário que este homem venha a escolher Oscar Niemeyer para realizar o projecto de um novo casino e de um hotel anexo.

Desenho de Niemeyer no individual do pequeno-almoço
 Niemeyer, após várias tentativas desenha num papel um circulo radiado, o futuro casino, duas curvas paralelas, o futuro hotel e um rectângulo para o cine-teatro, hoje centro de congressos. Estava decidida a planta do complexo a construir numa escarpa da ilha, junto ao porto, que depois se revelaria um grande desafio de engenharia.
Com Niemeyer ausente foi o arquitecto Viana de Lima, os engenheiros José Lampreia e Madeira Costa que desenvolvem e acompanharam toda a consolidação da escarpa e a construção do complexo arquitectónico. Para a decoração interior do hotel colaboraram Eduardo Anahory, que já havia trabalhado no Hotel Ritz, e Daciano Costa.
O resultado desta acção conjunta foi um hotel de oito pisos dividido em dois corpos paralelos, assentes em pilares e um casino circular, que nos faz lembrar uma nave espacial que aterrou na Ilha da Madeira, apresentando semelhanças com a catedral de Brasília. Este liga-se ao hotel por uma rampa aérea, que serpenteia pelo jardim, até se transformar numa plataforma externa que se estende pelas fachadas laterais do hotel.
O casino
Dentro do hotel, no extenso lobby, sentimos-nos rodeados pela natureza, para todos os lados em que olhemos. As vidraças protegem-nos, mas permitem-nos ver o mar e a flora típica da ilha, que o envolve.
Do lobby podemos ver toda a zona aberta do restaurante, igualmente envidraçada e com vista para a piscina, que se encontra no mesmo plano. Descemos por uma rampa larga e sentimos a imensidão da sala.
Fotografar o hotel é um prazer inesgotável em qualquer dos seus ângulos. Descobrimos enquadramentos tão belos que transformam o comum dos mortais num grande fotógrafo.
Sentimos-nos subjugados pelo espaço, pela imensidão e pela modernidade antevista em 1966 por Niemeyer.

Sem necessidade de palavras percebemos de forma clara o que é um grande arquitecto. A estética conforta-nos a alma mas para além disso há ali uma “habitabilidade” do espaço que nem todos os arquitectos conseguem atingir.
Só havia tido uma sensação idêntica quando, há anos, visitei a capela de Santa Maria dos Anjos em Monte Tamaro, perto de Lugano, da autoria de Mario Botta.

Bibliografia: Santos, Carlos Oliveira, O nosso Niemeyer, Lisboa, Campo de Letras, 1991.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O quarto de Leite Vigor

Na minha infância, na Covilhã, o leite era distribuído à porta por um leiteiro que vinha das Cortes. Era o sr. Diamantino que trazia um cântaro de leite em cobre, e o vendia mediando-o com medidas de alumínio de litro e meio litro. A minha mãe fervia-o depois em fervedores, esse utensílio que desapareceu das casas. O leite gordo, formava depois de fervido cerca de um centímetro de nata que se separava e guardava numa taça. Com ele se fazia depois um delicioso bolo de nata. É por isso que nunca consegui beber leite magro, nem tão pouco meio-gordo.
O que hoje se chama leite gordo parece-me ainda magro.
 Foi na minha adolescência, quando vim para Lisboa, que o “quarto de Vigor” passou a fazer parte da minha vida. Depois desapareceu. Agora surge novamente em força impelido por campanhas publicitárias.
As fotos que apresento integram-se nesse esforço e foram tiradas da televisão da SIC  Radical.
O leite Vigor iniciou a sua produção em 1951, embora o registo da marca da fábrica inicial date de 1948. O conhecido Leite Vigor Pasteurizado, era vendido em garrafas de meio litro e de 1/4 de litro, sendo estas as mais famosas. O negócio da sua distribuição tinha como público alvo a comunidade inglesa da linha do Estoril e Cascais e reproduzia o hábito inglês de vender leite ao domicílio em garrafas de vidro.

No ano 2000 a Lacticínios Vigor S.A. foi adquirida pela Lactogal e em 2005 a fábrica inicial de Odrinhas, na região de Sintra, fechou e transferiu-se para Oliveira de Azeméis.
Foi nos anos 80 que desapareceram as garrafas de 1/4 em vidro e o leite passou a ser vendido em embalagens de cartão. Foi nessa altura que se perde a mística do "¼ de Vigor" que se pedia nos cafés. Quando o leite passou a ser servido a copo deixou-se de saber qual o leite que se bebia.
Guardo ainda uma garrafa das antigas, que pensei não fossem reeditadas. Mas surgiram novamente.
Deixo-lhes as imagens que contam uma história que não é de todo clara. Feita ao gosto dos anos 60, mostra uma a criança que chora e a mãe consola-a mostrando-lhe as garrafas de Vigor. No fim surge o leiteiro com as garrafas, o que para mim faria mais sentido no início. Mas talvez a história não interesse. O engraçado é mesmo o grafismo.

 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Farturas a 10 réis

Chamou-me à atenção o cartaz da exposição “Ver a República”, presente até final de Fevereiro no Museu Machado de Castro, em Coimbra. Constitui apenas uma parte da exposição comemorativa do centenário da República, estando os restantes núcleos na Biblioteca Geral da Universidade e no Museu da Ciência.
Este núcleo expositivo tem como subtítulo “Galeria Ripublicana”, numa alusão ao humor usado como comentário político e ao uso da caricatura.
A caricatura política foi durante a República uma arma poderosa, utilizada em inúmeros jornais e revistas tendo levado à associação dos humoristas em grupos, como o Grupo Humorístico de Coimbra e à exposição conjuntas das suas obras. O 1º salão dos Humoristas portugueses realizado em 1912 teve mesmo a presença dos visados, hábito que se viria a perder-se nos anos seguintes.

O cartaz mencionado, intitulado “Farturas a 10 réis”, visa quatro republicanos: Afonso Costa, Bernardino Machado, António José de Almeida e Brito Camacho (1) e é da autoria de Álvaro da Fonseca. Tal como hoje acontece pretendia chamar à atenção para a fartura apregoada pelos políticos que, na realidade, nunca se vem a concretizar. É por isso que este tipo de humor se mantém actual. Portugal não mudou nada.
(1) Informação fornecida por Filipa Heitor do Museu da Ciência de Coimbra.