segunda-feira, 20 de junho de 2016

Os eirantes no rancho

Há fotografias que nos impressionam pela sua qualidade, mas são as que envolvem seres humanos que mais nos tocam.
Ao folhear a obra "A Arte e a Natureza em Portugal", publicada em 8 volumes, (1902-1908), pela Emílio Biel & Cª. Editores, dirigida por Fernando Brutt e Cunha Morais, com fotos deste último, deparei-me com a imagem dos eirantes, na região de Santarém, durante a hora do almoço.
O texto que acompanha a fotografia intitulado «Debulha de trigo no Ribatejo» é da autoria de Zeferino Brandão, mas muitos autores escreveram sobre as imagens fixadas pela câmara, como Joaquim Vasconcelos, Gabriel Pereira, Manuel Monteiro, Brito Rebelo, Ramalho Ortigão, Augusto M. Simões de Castro, Visconde Vilarinho de S. Romão, Júlio de Castilho, etc.
É a leitura do artigo que nos faz compreender melhor a imagem. Os eirantes eram os homens que trabalhavam na eira do trigo, também designados por rancho ou malta de eirantes.
A refeição tinha lugar numa cabana de colmo, que servia de casa da malta e onde guardavam os alforges, que vemos pendurados nos paus. Sentados em toscos bancos de madeira comem a refeição na tampa da caixa de lata onde transportavam a comida, chamada marmita ou caldeira.
Em primeiro plano vem-se os cântaros ou quartas, para vinho, água ou água-pé, de onde a bebida era servida em púcaros de lata.
Os alimentos, forçosamente simples, eram temperados com azeite que saía das almotolias, feitas em folha-de-flandres, ou dos azeiteiros, chamados no Alentejo cornas azeiteiras por serem feitos de cornos de bois e servirem também para transportar azeite ou azeitonas. Estes podem ver-se ao fundo igualmente pendurados junto aos alforges ou sacos onde transportavam as suas pertenças.
Na mão direita veem-se os garfos de cabo longo, em tubo, com uma curvatura que os assemelha a uma colher ou uma pá.
O traje situa estes trabalhadores no Ribatejo como se constata pelo barrete ou carapuça que quase todos têm na cabeça, habitualmente de cor verde, forrado e orlado do mesmo tecido de cor vermelha, que os protegia do sol. Estão em mangas de camisas e usam colete e um lenço ao pescoço, com nó de pontas, para absorver o suor. Quase todos tem uma faixa na cintura e alguns têm polainas até aos joelhos que os protegem dos cereais secos do chão.
A descrição ajuda-nos a compreender a imagem e a focarmo-nos nos pormenores, mas é a naturalidade da fototipia, técnica então recente no nosso país, que nos transporta para uma outra realidade de um Portugal, há pouco mais de cem anos.
O texto bilingue (português e francês) destinava-se a divulgar as belezas nacionais e tinha subjacente também uma intenção turística, numa linha mais refinada do que os guias Baedecker, que haviam surgido na segunda metade do século XIX.
De forma artística mostrava-se o que tínhamos, numa orientação muito diferente da dos dias de hoje em que teimamos em destruir o que existe para mostrar pastiches do que se espera que os turistas queiram ver. 

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