sexta-feira, 23 de maio de 2014

Um serviço para caril do século XVIII


Esta fascinante peça faz parte do espólio do Museu Biblioteca Conde de Castro Guimarães (MBCCG), em Cascais.
Como preparação para o curso sobre «Mesa aristocrática», de que já falei, tive oportunidade de contactar de perto com as peças de mesa aí existentes e posso dizer que esta foi a que mais me fascinou.
Pela sua beleza é claro, mas sobretudo pela sua raridade. Encontrei muito pouca informação sobre este tipo de serviço destinado a levar à mesa o arroz de caril. E digo assim porque o único que encontrei, com algumas semelhanças, foi um «rice curry set», que lhes apresentarei.

O conjunto existente no MBCCG é constituído por um total de sete pratos cobertos em porcelana branca decorada com um friso em vermelho ferro e ouro. Foi feito na China, cerca de 1770, e é uma peça da Dinastia Qing / Reinado de Qianlong. À volta de um prato central circular dispõem-se os restantes pratos em forma trapezoidal, sendo o conjunto apresentado dentro de uma caixa lacada redonda. Na sua tampa estão presentes duas letras que poderão estar relacionados com o seu anterior possuidor, mas é um tema que levanta outras questões que não se justificam agora.
É verdade que se pode confundir com uma caixa de doces chinesa, usada para oferecer doces, embora muitos sejam frutos cristalizados como a raiz de lotus (por ex.). Este tipo de caixas são usadas como ofertas no Ano Novo chinês e também nos casamentos. Têm 6 ou 8 compartimentos que correspondem aos número da sorte chineses e a escolha dos doces não é arbitrária, uma vez que cada fruto ou semente tem um significado, interpretado como uma mensagem por quem recebe.

Interessa realçar a raridade deste serviço de que não encontrei outro semelhante. O mais aproximado foi o serviço de 15 peças independentes, em bronze e prata, em que o conceito é o mesmo, um conjunto de pratos cobertos para o serviço de caril, com um prato central e vários pratos satélites.
Foi feito na Síria e é proveniente do espólio do rei Farouk do Egipto (1920-1965), que o poderá ter herdado do seu Fuad I, ou do avô Ismail Pasha.
Imagem tirada da internet
Os ingleses orgulham-se de ter receitas de caril publicadas no século XVIII. No livro de Hannah Glasse The Art of Cookery made plain and easy, publicado em 1747, pode encontrar-se uma dessas receitas. 
Pouco tempo antes Vincent de La Chapelle, um cozinheiro francês que trabalhou em Inglaterra, na Holanda, na Alemanha, nas Índias Orientais e em Portugal, publicara em inglês, em 1733, o livro The modern cook, que em 1735 seria publicado em francês. 
Na sua obra propõe receitas internacionais como uma espécie de caril à indiana e sobre ele diz«é preciso ter estado nas Índias e em Portugal como eu para conhecer estas variedades de açafrão e pimento».
Mas no que se refere ao caril o nosso conhecimento foi mais precoce e Domingos Rodrigues no livro Arte de Cozinha, publicado em 1680, apresentava já uma receita de caril, o que também nos confirma Vincent la Chapelle que conheceu este prato em Portugal.
Assim se explica a existência deste serviço do século XVIII para caril em Portugal. O que fica por explicar é porque não são conhecidos outros exemplares com esta tipologia.

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