terça-feira, 22 de abril de 2014

Desventuras de um Chocolateiro

A história é contada em três cartões comerciais do final do século XIX. Os cartões comerciais funcionavam como um cartão de visita da empresa e existem desde o século XVII em Inglaterra. Hoje conhecem-se alguns do século XVIII, mas foi no século XIX que mais se divulgaram. Apresentavam-se muitas vezes como colecções que contavam uma história ou tinham fins didácticos. Na realidade eram uma forma de publicidade que ajudava a divulgar o negócio.
 
Não sei se esta colecção está completa mas a história é bem perceptível. Uma menina de ar doce aproxima-se de um menino chocolateiro que com a sua colher de pau mexe uma grande caçarola de cobre onde o chocolate borbulha. A chávena na mão da menina dos lacinhos azuis faz-nos compreender que deseja beber o doce néctar. Mas não chegam a acordo e lutam em cima de um pequeno banco que facilita o acesso à bebida. 
Desequilibrados fazem a chávena voar e o chocolateiro fica todo coberto com a bebida entornada, transformando-se num “chocolateiro de chocolate”, enquanto a menina foge a correr.
Estas histórias costumam ter um final moral que não se adivinha aqui. É apenas distrativa e serve de publicidade à «Pharmacia e Drogaria Félix & Filho», no Porto.
Situada no Largo de S. Domingos 42 a 44 vendia: Pastilhas digestivas de Moura para o sofrimento do estômago, Pastilhas vegetais de Moura para os vermes, cápsulas antiténicas de Moura para a bicha solitária, Peitoral de Moura para a tosse, Balsamo e Licor anódino de Moura para as dores e o Licor de Barreswill de efeito certo no “fluxo diarrheico da hectasia tuberculosa” (1).
Hoje no local desta farmácia situa-se a «Farmácia Moreno» que na sua fachada ostenta a data de início em 1804. Em 1894 no Comercio do Porto Ilustrado surgia a designação comercial «Pharmacia de S. Domingos» e o seu proprietário era o Dr. Moreno, médico e farmacêutico pela Escola Médico Cirúrgica do Porto que terá sido sucessor de Félix & Filho. Tratava-se do Dr. Rodrigo de Sousa Moreno, uma figura conceituada no Porto, que foi lente da Faculdade de Cirurgia do Porto e administrador do Concelho de Gondomar. Era filho de pai espanhol, que casou com uma portuguesa e foi-lhe concedida carta de naturalização em 1886(2).
Fotografia tirada da internet
Nos anos que se seguiram a farmácia teve vários directores técnicos e, a partir de 1961 e até 1974, surgiu nessas funções António Moreno Júnior (3). Presentemente uma nova firma tomou a seu cargo a função de manter esta farmácia que se inclui no roteiro das farmácias históricas do Porto e cuja bela fachada em ferro, em estética Art Nouveau, com o símbolo de Hígia (a taça que representa a cura) e a a serpente (que representa a sabedoria), aqui em duplicado, merece uma visita.
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(1) Charles Louis Barreswil (1817-1870), químico francês, uma figura fascinante que morreu ignorado. Em 1846 criou um reagente cupropotássico para determinar a glicose em soluções, sendo precursor do estudo da glicemia. Trabalhou com Claude Bernard sobre substâncias alimentares e fenómenos químicos da digestão. Foi também precursor de processos químicos para fotografia.
(2) ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, liv. 41, f. 151.
(3) Agradeço ao actual Director Técnico, João Alexandre Almeida, as informações complementares sobre a farmácia.

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