Não são muitos os livros de
receitas anteriores ao século XIX e, pensava eu, que conhecia os mais
importantes. Hoje veio-me parar às mãos um livro italiano chamado «Il cuoco
maceratese» (O cozinheiro de Macerata), publicado em Macerata, um região
do centro de Itália e percebi que a minha ignorância era maior do que pensava.
Trata-se de um fac-simile da 2ª
edição do livro da autoria de Antonio Nebbia, publicado pela primeira vez em
1779.
A obra demonstra a influência
francesa que se fazia sentir em toda a Europa no século XVIII, mas apresentava
as características da cozinha regional italiana, como o próprio título fazia
antever. Tal como outros livros com designações idênticas, que se lhe seguiram
em Itália, destinava-se às grandes casas.
Da influência francesa o autor
refere os molhos (Salze), os coli (que penso correspondem aos coulis
franceses) e o uso da manteiga, como encontrámos na receita da Fritelle di
Pasta.
Alguns estudiosos italianos
consideram Nebbia um precursor da confecção do risotto ao dar receitas
em que demolhava o arroz durante uma hora, como na receita Minestra di riso.
O que mais me interessou no livro
foram os últimos capítulos. No capítulo décimo em que apresenta o modo de bem
apresentar um serviço com 20 ou 25 cobertas, em que explica quais os pratos que
devem ser usados no 1º e 2º serviço, a importância da simetria da mesa, o autor revela-nos as regras do «serviço à francesa». E termina com dois artigos
normativos «As regras do cozinheiro», uma referência ao chefe, a que se segue o
modo como o sotto-cozinheiro (expressão que significa “abaixo” e que em
Portugal se usou para algumas profissões, por ex. soto-cocheiro) e que corresponde ao
ajudante, devia ter no seu ofício e que passavam pela ordem e limpeza na cozinha e o respeito pelo seu chefe.
Pensa-se que Antonio Nebbia terá nascido em Frontillo
Pievebovigliana, de onde era originária a sua família e foi chefe das cozinhas
da família Presuttini de Recanati no século XVIII. A obra foi reeditada em 1781 (2ª edição), em 1783 (3ª edição), em 1786 (4ª edição), em 1787, em 1796, em 1809 e em 1820, pelo menos.
Esta
edição de que aqui falo é uma reedição da obra de 1791 e tem uma história interessante.
Foi dada à estampa por um seu descendente Franco Nebbia (1927-1984) que foi
músico de jazz, critico de cinema e fundador do primeiro cabaret italiano em
Milão. A ele se juntou Davide Scafà, o proprietário do Restaurante Davide. Foi
um dos seus filhos, que com ele trabalhava, quem descobriu um original do livro
na casa da condessa Stelluti Scala ao pesquisar receitas da sua região. Os
exemplares destinavam-se a ofertas a clientes do restaurante e a amigos de
ambos, como o caso deste livro, oferecido a um português por Franco Nebbia.
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