sexta-feira, 29 de novembro de 2013

«Il Cuoco maceratese», um livro de receitas do século XVIII

Não são muitos os livros de receitas anteriores ao século XIX e, pensava eu, que conhecia os mais importantes. Hoje veio-me parar às mãos um livro italiano chamado «Il cuoco maceratese» (O cozinheiro de Macerata), publicado em Macerata, um região do centro de Itália e percebi que a minha ignorância era maior do que pensava.
Trata-se de um fac-simile da 2ª edição do livro da autoria de Antonio Nebbia, publicado pela primeira vez em 1779.
A obra demonstra a influência francesa que se fazia sentir em toda a Europa no século XVIII, mas apresentava as características da cozinha regional italiana, como o próprio título fazia antever. Tal como outros livros com designações idênticas, que se lhe seguiram em Itália, destinava-se às grandes casas.

Da influência francesa o autor refere os molhos (Salze), os coli (que penso correspondem aos coulis franceses) e o uso da manteiga, como encontrámos na receita da Fritelle di Pasta.
Alguns estudiosos italianos consideram Nebbia um precursor da confecção do risotto ao dar receitas em que demolhava o arroz durante uma hora, como na receita Minestra di riso.
O que mais me interessou no livro foram os últimos capítulos. No capítulo décimo em que apresenta o modo de bem apresentar um serviço com 20 ou 25 cobertas, em que explica quais os pratos que devem ser usados no 1º e 2º serviço, a importância da simetria da mesa, o autor revela-nos as regras do «serviço à francesa». E termina com dois artigos normativos «As regras do cozinheiro», uma referência ao chefe, a que se segue o modo como o sotto-cozinheiro (expressão que significa “abaixo” e que em Portugal se usou para algumas profissões, por ex. soto-cocheiro) e que corresponde ao ajudante, devia ter no seu ofício e que passavam pela ordem e limpeza na cozinha e o respeito pelo seu chefe.
Pensa-se que Antonio Nebbia terá nascido em Frontillo Pievebovigliana, de onde era originária a sua família e foi chefe das cozinhas da família Presuttini de Recanati no século XVIII. A obra foi reeditada em 1781 (2ª edição), em 1783 (3ª edição), em 1786 (4ª edição), em 1787, em 1796, em 1809 e em 1820, pelo menos.
Esta edição de que aqui falo é uma reedição da obra de 1791 e tem uma história interessante. Foi dada à estampa por um seu descendente Franco Nebbia (1927-1984) que foi músico de jazz, critico de cinema e fundador do primeiro cabaret italiano em Milão. A ele se juntou Davide Scafà, o proprietário do Restaurante Davide. Foi um dos seus filhos, que com ele trabalhava, quem descobriu um original do livro na casa da condessa Stelluti Scala ao pesquisar receitas da sua região. Os exemplares destinavam-se a ofertas a clientes do restaurante e a amigos de ambos, como o caso deste livro, oferecido a um português por Franco Nebbia.

Confirma-se: nas boas histórias, mesmo internacionais, entra sempre um português.

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