quinta-feira, 11 de abril de 2013

O livro «Doces e Cozinhados» ou o «Isalita»

Quando se designa um livro pelo autor significa que o título do livro se tornou secundário devido à sua divulgação, e que basta essa referência para imediatamente ser reconhecido. Na área da culinária portuguesa isso aconteceu apenas com o “Oleboma”, apesar de este ter escrito dois títulos e com a “Isalita”.
Em qualquer um dos casos nem se trata do nome dos autores mas de pseudónimos que estes utilizaram jogando com as letras dos seus nomes. Ao primeiro voltarei com mais tempo, mas hoje falo da “Isalita” que foi o meu primeiro livro de culinária. Guardei-o religiosamente e ao longo da minha vida ofereci vários às minhas afilhadas e às filhas das minhas amigas que se interessavam por este tema.
Na realidade o título do livro é «Doces e Cozinhados» e mesmo quando a minha biblioteca começou a aumentar continuei a recorrer a ele inúmeras vezes. Vendo agora à distância é bem possível que a forma rápida como eu escrevo as receitas, directa e sem floreados, nem grandes explicações, tenha a ver com o modo como as receitas se apresentam na Isalita.
O "meu" primeiro  Isalita
A primeira edição saiu em 1925 e foi publicada pelo Centro Tipográfico Colonial, a que se seguiu a publicação pelas Livrarias Aillaud e Bertrand, sem data ou número de edição (a 2ª edição deve datar de 1928 ou anterior). A 4ª edição, de 1935, já foi feita pela Livraria Bertrand, que manteve a publicação desta obra até 1951. A partir desta data foi a Livraria Sá da Costa que o passou a editar e vai agora na 28ª edição que saiu em 2006. Foi portanto um livro de sucesso e devo dizer que fiquei surpreendida ao descobrir que há 7 anos que não era publicado.
O livro ficou a dever-se à colaboração de duas amigas, que publicaram os seus conhecimentos culinários: Maria Isabel de Sousa Campos Henriques e Angela Carvajal y Pinto Leite Telles da Silva (Angelita). O nome «Isalita» resultou da abreviação de “Isabel” e “Angelita”.
Angelita, como era conhecida morreu em 1990 com 99 anos e era neta do Duque de Abrantes (Grande de Espanha) e filha de Manuel Carvajal Jimenes de Molina Giron [1] e de uma senhora de apelido Pinto Leite.
Maria Isabel era filha do engenheiro Álvaro de Sousa Rego que foi director geral dos Caminhos de Ferro e que faleceu em 1946[2]. Casou com o Eng. Artur de Campos Henriques que era chefe de divisão da C.P. Apesar da sociedade das duas amigas era Maria Isabel a responsável pela execução das receitas que eram experimentadas anteriormente na sua casa, como confirmou uma sua empregada doméstica Maria Augusta Velhuco em entrevista recentemente dada[3].
Seguindo o índice do livro vemos que começa por Explicações sobre alguns termos de Cozinha, seguem-se as receitas de “Hors d’Oeuvre”, Sopas, Molhos, Ovos, Peixes, Aspics, Entradas, Souflés, Carnes, Galantines e Mousses e vários capítulos dedicados aos legumes.
Na parte dos doces, após explicar os pontos de açúcar, dá várias receitas onde vamos encontrar os Doces de Fim de Jantar e os Doces para Chá, entre outros.
Termina com uma apresentação de Menus Diários com exemplos de sequências para almoço e para o jantar, seguida de Menus Escolhidos, onde nomeia ementas mais completas e sofisticadas para dias especiais.
Tenho uma dívida de gratidão para com “Isalita” que me ajudou a aprender a cozinhar de forma simples, tal como fez com milhares de portuguesas, que seguramente se identificam nas minhas palavras.



[1] A quem D. Carlos concedeu o título de Conde de Jimenez de Molina em 12/01/1893. ANTT, Registo Geral de Mercês de D. Carlos I, liv. 6, fl.56.
[2] Gazeta dos Caminhos de Ferro, nº 1393, 1 Janeiro de 1946.
[3] Luís, Sara Belo, «Recordações de Isalita» in Visão Gourmet, Outono/Inverno 2012.

10 comentários:

Laços e Rendas de Nós disse...


Eu tenho o da minha Avó. O primeiro exemplar nas fotografias. Tem anotações feitas por ela e, muitas vezes, recorro a ele.

Laura

Ana Marques Pereira disse...

Laura,
É um clássico que merece ser revisitado e com anotações da avó é ainda melhor. Descobri que no meu livro verde fiz também anotações dos meus também verdes anos.

Missarte disse...

Embora cá em casa existissem dezenas de livros de culinária, (a minha avó era acima de tudo uma doceira fantástica) Oleboma, Vaqueiro,etc,etc, foi sempre a Isalita que me serviu de inspiração para as incursões culinárias.
A edição que ainda guardo, e mesmo com a facilidade com que acedemos na net ás mais variadas receitas,é a da capa vermelha.
Parabéns pelo seu blog, que passarei a seguir.

Ana Marques Pereira disse...

Missarte,
Obrigada pelos seus comentários. Já vi que é uma "mãos de fada" pelo que lhe desejo sucesso nos seus trabalhos.

José Daniel Ferreira disse...

Acabei de o comprar num alfarrabista por dez euros. E é a edição de 1925. Vai estar bem acompanhado pelo do Bento da Maia. Irei publicar algumas receitas no meu blogue www.asreceitasdaavohelena.blogspot.com.
Apareça por lá.

Ana Marques Pereira disse...

Danies,
Boa compra.
Irei visitá-lo com gosto.

José Daniel Ferreira disse...

Ficarei à espera. Muito obrigado. E parabéns pelo seu blog, que só hoje vi com mais atenção. Vou pôr nos meus links.

Victor Monteiro disse...

Tenho um manual, a 11.ª edição, fotocopiado, dado que o orginal está com a minha irmã. Esse velho livro que sempre acompanhou a minha mãe. falecida em 1986 será para a sua neta, minha filha a quem dei o seu nome: Dinora.
Este site vale ouro.
Obrigada por toda a informação disponibilizada.

Ana Marques Pereira disse...

Vitor Manuel,
Obrigado pelas sua palavras. Faço votas para que a sua filha Dinora aprecie o "Isalita" e lhe dê bom uso. Cumprimentos

Anónimo disse...

José Oliveiros disse:
O livro Isalita, edição de capa verde, era um verdadeiro ícon (como agora se diz) da culinária, e ao mais não se sabia. Mas, de facto, durante muitos nos, lá em casa ele era a Bíblia Sagrada da cozinha quer da minha mãe quer das minhas duas tias que me mimavam com sabores de deixar a salivar um ganapo sempre pronto para dar ao dente, E de vez em quando lá espreitava uma ou outra receita que se transformava num desafio para as artífices culinárias lá de casa sempre com o guião do Isalita à mão. Infelizmente,essa preciosidade desapareceu lá de casa após as mortes das artífices e nunca mais lhe pude pôr a vista em cima, o que é uma pena porque nas livrarias já não se encontra. Em tempos disseram-me que estava um exemplar num alfarrabista, na feira da Vandoma,mas não era verdade. Resta-me a minha coleção de Teleculinárias desse outro grande e já desaparecido ícon da cozinha portuguesa, o mestre António Silva. Tenho-as todinhas, do tempo em que ele era o seu coordenador. E encadernadas. Foi um sacrifício monetário que fiz, ainda solteiro, mas que redundou numa belíssima coleção que eu preservarei até ao fim dos meus dias e que farei questão de passar às minhas duas filhas.