quinta-feira, 26 de agosto de 2010

As "Sopeiras" de Lisboa

A palavra “sopeira” é uma das provas de que a língua não é estática.
Utilizada inicialmente com o sentido de vaso para conter e servir a sopa na mesa, apresentava uma forma circular, de fundo arredondado e tinha sempre tampa. Era usada frequentemente com um prato inferior. Parece ter só surgido no século XVIII. O seu predecessor, a terrina, apresentava uma forma oval ou rectangular e, apesar de anterior, também apenas no século XVIII passou a ser exposta sobre a mesa. Mas voltemos à “sopa” que, no seu sentido inicial, era um prato de legumes fervidos, espessado com pão, e daí o nome. Falta-nos em português o termo que em França, na Idade Média, correspondia à “potage” e que se referia aos alimentos que eram cozidos num pote. Tudo o que diz respeito à sopa pode, nalgumas regiões, em especial em Trás-os-Montes, tomar a expressão de "sopeiro". Por exemplo aplica-se a prato sopeiro, para indicar que serve para a sopa, a colher sopeira ou mesmo a panela sopeira.
Com o tempo passou a aplicar-se às pessoas que faziam a sopa, que passaram a ser designadas por sopeiras. Embora a expressão sopeira se utilizasse sobretudo para as cozinheiras, isto é, as que faziam a sopa, foi também usada para as criadas que exerciam outras funções domésticas.
Esta designação foi muito usada no finais do século XIX e na primeira metade do século XX, passando depois a ser substituída por criadas ou cozinheiras consoante as funções exercidas. A expressão sopeira foi caindo em desuso, em especial após o 25 de Abril, altura em que passou a ser considerada pejorativa. Embora por vezes chamadas carinhosamente «sopeirinhas», passaram a chamar-se “criadas” e posteriormente “empregadas domésticas”. A função era a mesma, embora mais simplificada com a chegada dos electrodomésticos, mas a designação tinha deixado de ser adequada.
A imagem de sopeira surgia sempre associada à do “magala”, com quem frequentemente namorava. É uma dessas fotos que faz a contracapa da revista agora apresentada -
As fotos que utilizei foram publicadas no «Notícias Ilustrado» de 3 de Agosto de 1930 e são atribuídas a Batista. O texto intitulava-se «As sopeiras da Capital». Nele se exaltavam as novas sopeiras, mais modernas e alegres quando comparadas com a figura de Juliana retratada por Eça de Queirós, no «Primo Basílio», publicado em 1878.
São imagens de uma Lisboa mais provinciana, mais calma e simples, que fica apenas a 80 anos de distância de nós.

2 comentários:

Carlos Caria disse...

Ana, o conceito de "criadas" tal como eu o conheço, era de que as raparigas vinham da província para casa de gente com posses, para serem criadas como família, embora lhe fossem atribuidas as tarefas da lide da casa, sendo tratadas, habitualmente com deferimento ao restante pessoal fossem elas empregas de fora ou de dentro como habitualmente se chamavam.
Carlos Caria

Ana Marques Pereira disse...

Carlos Caria,
Era efectivamente assim nos finais do século XIX e primeira metade do século XX. Anteriormente o conceito de "família" incluía os familiares mas também todos os colaboradores da casa, nobres ou não. Assim, D. António Caetano de Sousa, menciona o número de 800 pessoas, como fazendo parte da família da casa de Bragança, no tempo dos Filipes.