sexta-feira, 16 de abril de 2010

O Tratado Completo de Cozinha e de Copa de Bento da Maia

Um dos livros mais interessantes de culinária do início do século XX é o “Tratado Completo de Cozinha e de Copa".
Identificado como sendo da autoria de Carlos Bento da Maia, trata-se na verdade de um pseudónimo de Carlos Bandeira de Melo. A primeira edição data de 1903 e foi feita em fascículos semanais.
Foi precisamente o facto de ter chegado às minhas mãos o folheto publicitário de divulgação prévia da obra que me entusiasmou a escrever sobre ele.
Carlos Bento da Maia é identificado como sendo o autor de “Elementos D’Arte Culinária”, obra que desconheço por completo. Este livro é descrito como um «pequenino e modesto volume que o público acolheu com extraordinário favor, esgotando em curto prazo uma edição de alguns milhares de volumes». Poderá tratar-se da mesma obra que mais tarde foi publicada pela Guimarães & Cª Editores e de que possuo apenas a edição de 1982?.
A primeira edição é normalmente referida como sendo de 1904, mas penso que esta é a primeira edição em forma de livro, após a publicação em fascículos «para que fique ao alcance das bolsas menos abastadas». Cada fascículo semanal de 16 páginas custava 40 réis. Cada um destes fascículos tinha uma capilha com uma gravura de cozinha diferente da que aparece depois no livro. É a representação de uma cozinha mais antiga, com quatro criadas em várias funções, substituída depois por uma gravura em que se observa apenas uma criada jovem frente a uma chaminé e com uma mesa de cozinha central. A estas edições, consideradas como primeiras, segue-se uma segunda edição em 1921, ampliada, e uma nova edição em 1947. Contudo algumas publicações não têm data o que dificulta a identificação. Modernamente surgiram novas edições em 1975, 1982 e em 1995, esta última considerada como 2º edição pela D. Quixote.

Mas quem era Carlos Bandeira de Melo? Os próprios editores referiam que o nome de Carlos Bento da Maia encobria um nome ilustre. Tratava-se do general Bandeira de Melo que esteve à frente do Asilo da Ajuda.
O Asilo da Ajuda era uma «Sociedade protectora dos órfãos desvalidos das vítimas da cholera morbus em 1855 e da febre amarela em 1857» (ANTT, Arquivo Burnay, Correspondência, cx.35, nº18) e esteve sob a protecção da Rainha Maria Pia.
Bandeira de Melo foi um dos seus directores (Alfredo Alves. Asilos femininos. II. Anais..., 1913, 7-8, 246-7).
No final do século XIX e início do século XX existia uma grande preocupação com a necessidade de implementar a educação popular. Foi assim que surgiu a Universidade Popular, cursos de formação variados e também várias publicações educativas.

Em escolas especiais, como foi o caso do Asilo da Ajuda, o ensino das donas de casas foi considerado modelar. Estes conceitos estavam também integrados nas preocupações com a Economia Doméstica que dava os seus primeiros passos em Portugal.
Na pessoa do General Bandeira de Melo concretizou-se a melhor forma de ensino.
Como afirmou Alfredo Alves, tratava-se de «uma alta competência no assunto; os seus livros de cozinha e de corte publicados com o pseudónimo de Carlos Bento da Maia dão-lhe um lugar de destaque entre as pessoas que se têm dedicado ao ensino doméstico». Referia-se aqui a uma outra obra sua, o «Tratado Elementar de risco e corte de roupa. O mais completo, rigoroso e prático publicado em Portugal».
Mas aquilo que mais se evidenciava na sua obra era «a paixão pela vulgarização dos conhecimentos de utilização imediata, tornando-o assim um verdadeiro apóstolo da educação da mulher do povo».
Dito isto, falaremos sobre a obra numa outra oportunidade.

14 comentários:

Anónimo disse...

Tive esse livro de Carlos Bento da Maia(a 1ª edição, creio),que infelizmente se perdeu. Achei muito engraçado ler aqui os seus comentários e ver a imagem do livro que durante tantos anos esteve em minha casa. É um livro completíssimo que ensina a fazer de tudo (inclusivé enchidos, massa folhada, que agora são produzidos industrialmente) e tinha a particularidade de o seu autor pretender dar lições de linguística, adoptando uma grafia especial (fonética). Veja-se por exemplo que escrevia "oras" em vez de "horas".
Tinha também a preocupação de ensinar à dona-de-casa medidas exactas (gramas, centilitros) em vez das habituais colheres de sopa, chávenas, que como se sabe são de diferentes capacidades. Vejo agora que isso estaria provavelmente relacionado com as responsabilidades do autor a nível da educação.
Enfim, um livro com comentários saborosíssimos, tais como os pitéus descritos.

Ana Marques Pereira disse...

Fico sempre feliz por despertar estas recordações.
Descobrir quem está por trás das obras pode ser tão interessante como apresentar as próprias obras. Penso que este é um desses casos.

Pedro de Azevedo Peres disse...

O meu filho comprou num alfarrabista um exemplar em muito mau estado do "Tratado".
Tem a data de 1904 e e uma capa cartonada.
Como apresenta no seu artigo, imagem da folha de rosto do referido tratado e não da capa, fico na dúvida se foi por opção, dado a folha de rosto conter toda a informação pertinente ou por não ter tido acesso à capa.
Se for este o caso, se me enviar o seu email posso enviar-lhe a imagem da capa.
Cumprimentos

Pedro de Azevedo Peres

Ana Marques Pereira disse...

Sr. Pedro de Azevedo Peres,
Por acaso tenho mais do que uma edição mas nenhuma tem uma capa impecável. Apresento uma foto da capa de uma edição menos frequente, cartonada, mas há outra capa mais bonita, em verde, com um cozinheiro, esta em material sintético. Se por acaso tiver uma capa impecável agradeço-lhe o envio de foto da mesma para o e-mail do blog.
Com os melhores cumprimentos

Anónimo disse...

Boa noite, não pude de ver os vossos comentarios, e gostaria de dizer que tambem tenho este livro, e tenho andado a ver se o vendia, mas a desilusao do quanto oferecem por um livro tao completo e tao antigo é enorme! Pensei que tivesse algum valor comercial, mas enganei me!

João Pinheiro disse...

Bom dia!Comprei recentemente, numa feira de velharias, um exemplar da obra de que se vem falando - por 8 €!!!. Sem capa ou, melhor dito, com capa em papel, mas completo, está em bom estado, embora a pedir uma encadernação. A terceira página corresponde à 2ª imagem acima publicada, ou seja, contém, para além dos dizeres, "uma crida jovem frente a uma chaminé...". O livro não tem qualquer data ou referência cronológica. Poderá fazer o obséquio de me esclarecer se a mencionada página é exclusiva da 2ª edição (aceitando que a 1ª é a que foi publicada em fascículos?

João Pinheiro

Ana Marques Pereira disse...

João Pinheiro,
Foram publicadas várias edições sem data. O que as diferencia é a capa do livro que pode ser cartonado ou em sintético verde, azul e outras. No resto são iguais. Penso que comprou o seu livro completo, só sem capa e muito barato. Parabéns.

José Daniel Ferreira disse...

Antes de mais, muitos parabéns pelo seu blog. é muito bem feito. E o modo como aborda, com perspectiva histórica, os assuntos gastronómicos é do maior interesse.

O Bento da Maia faz parte, entre aspas, da minha vida. A minha avó tinha-o e passou-o para mim. Assim como o Manual do Pasteleiro e Confeiteiro, da mesma altura.

Com a morte das minhas avós - uma eximia cozinheira, outra esforçada mas apenas isso - herdei esses livros mais uma série deles manuscritos, com receitas que vão desde as minhas bisavós às próprias avós.

As memórias gastrónomicas - cheiro e sabores - são, para mim, as mais fortes e aquelas que guardo com mais carinho.

Por isso mesmo, lancei há mais de um ano um blog onde homenageio as minhas Avós nessa vertente de "mesa". Não tão "apurado" quanto o seu, acho que poderá encontrar coisas bem engraçadas. Fica o convite.

Um bem-haja pelas "horas" que me fez ganhar ao ler o seu.

Daniel Ferreira

www.asreceitasdaavohelena.blogspot.com

Ana Marques Pereira disse...

Danies,
Obrigado pelas suas palavras.
Já fui espreitar o seu blog e tem realmente uma abordagem diferente dos blogs de culinária. Antevejo um grande trabalho seu pela frente atendendo ao número de receitas que herdou.
O seu blog traz-me também memórias da minha infância. Desejo-lhe as maiores felicidades.

Unknown disse...

Encontrei um da primeira ediçao em muito mau estado e sem capa principal, mandei encadernar...

Anónimo disse...

Boa tarde encontrei um livro destes ainda.com capa vermelha ligeiramemte com marcas de antiguidade sera que me o poderia avaliar?

Unknown disse...

Tenho um exemplar que herdei da minha madrinha e que está comigo há mais de sessenta anos. Mandei-o encadernar pois a capa estava em mau estado. No seu interior há algumas folhas um pouco danificadas. Gosto muito deste livro e já cozinhei alguns pratos com as receitas que são fantásticas, não só para a época, como na actualidade.

Hermínia Paiva Auxilia

Unknown disse...

Tenho o "Tratado completo de cozinha" de Carlos Bento da Maia datado de 30 de Setembro de 1903
Com capa castanha matizada e lombada com letras e desenhos a dourado, dizendo na lombada para além do "tratado..." o nome "Maia".
No prefácio diz que a ideia de escrever este livro foi como uma obra de estudo para os asilos aproveitarem para educação das "creadas" (criadas).
Esta ideia foi posteriormente desenvolvida num editorial do Diário de Notícias de 4 de Outubro de 1903, que agradou ao autor.

Ana Dias

tecas disse...

Talvez por ter esgotado, em 1924 a minha tia-avó transcreveu pelo seu próprio punho todo o livro de Carlos Bento da Maia. São cerca de 200 páginas manuscritas e notei alguns capítulos sendo o primeiro IGUARIAS DIVERSAS. Depois, tem DOCES - CONSERVAS e DICIONÁRIO. Visto por alto tem algumas receitas que foram adoptadas pela minha família até aos dias de hoje. Também reparei que ensina a fazer enchidos conforme já foi acima mencionado num dos comentários. Adoro publicações antigas!