sexta-feira, 19 de julho de 2019

Regresso à infância


Por três dias regressei à minha terra para investigar um tema para o meu próximo livro. Instalei-me em casa da minha amiga Cilinha que me deu todo o apoio logístico.
Durante três dias fomos recordando as nossas histórias, algumas já meio esquecidas, muitas com graça, outras não tanto, dependendo de quem as ouve. De uma recordação comum, que eu gosto de contar, a Cilinha dizia-me: «Outra vez essa história!», com um tom de quem já não a quer ouvir e eu tinha que abreviar. 

Passeávamos pelas ruas da Covilhã e identificávamos casas e dizíamos: «Lembraste? Aqui vivia fulana tal, nossa amiga». Lembrávamos o primeiro nome e o apelido já nos ia esquecendo. Na época em que estudávamos no Liceu, o nosso era um mundo feminino. Nos primeiros anos as turmas não eram mistas e o recreio das meninas era separado dos rapazes. À hora de entrada, no velho Liceu Heitor Pinto, os rapazes encostavam-se às paredes, ou à porta do café e ficavam a conversar e a ver a entrada das meninas.
Tínhamos os nossos percursos e as nossas pastelarias de eleição, e claro, os nossos bolos preferidos, alguns dos quais nunca mais souberam ao mesmo. Lembro-me de ir com a Cilinha a casa de uma senhora que vivia ao fundo das Escadas do Quebra Costas comprar pequenos biscoitos caseiros que ela fazia. Tentamos lembra-nos dos nomes, mas já desapareceram da nossa memória e da memória dos covilhanenses.
Recordei alguns dos antigos comeres: os pastéis de molho, pois claro, que a minha amiga já tinha comprado e as deliciosas cerejas da Cova da Beira. Trouxe comigo os Biscoitos de Azeite, diferentes dos do Fundão, onde também os fazem. Ainda tão suavemente deliciosos que rapidamente chegaram ao fim e as saudades fazem-me querer repetir a receita aqui em casa. Vamos ver se não sou preguiçosa e se saem tão bem.
Biscoitos de Azeite da Covilhã
À medida que envelhecemos os amigos de infância vão sendo cada vez menos. E aqueles com que continuamos a identificar-nos menos ainda. Por isso são uma pérola preciosa. Alguém que apesar das rabugices inevitáveis nos transmite um prazer imenso, uma sensação de calor agradável trazida pelas recordações da nossa meninice. Quando em comum existe um gosto pela estética infantil, que soubemos manter e que rodeia o nosso dia-a-dia, tudo fica mais fácil.
Obrigada Cilinha por continuares a ser a menina que conheci no início da minha adolescência.
Relógio de cozinha, obra da Cilinha e um santinho da açúcar das feiras


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