quinta-feira, 21 de março de 2019

Mensagens de amor

Não há uma única palavra amorosa no texto destes postais. No entanto, no espírito de Abel, que no dia 22 de Maio de 1904 foi passear para os arredores de Lisboa, está constantemente a lembrança da sua amada, Mademoiselle Zinia Andrade que se encontrava em Vila do Conde.
Nesse dia escreve-lhe quatro postais. No primeiro relata que são 9 horas da manhã, que havia tomado um almoço ligeiro, e que ia partir acompanhado (as frases estão no plural) para Mafra onde lanchariam (lunchariam, no texto). Informa que tencionam jantar em Sintra e que viriam dormir a Lisboa.
No segundo postal relata: «São três horas. Escrevo-te da Biblioteca de mafra voltado para D. João V. Estamos bem.».
O terceiro postal é já escrito da Ericeira, às quatro horas, e a informação é sucinta: apenas local e hora. 
Por fim no quarto postal, que tem atrás o carimbo do «Hotel Nunes. Cintra», o autor das mensagens relata: «São 6 horas. Estamos em Cintra no Hotel Nunes. Vamos jantar. Fizemos bela digressão desde a praia da Ericeira. Depois de jantar vamos para Lisboa».
Os postais foram entregues nas próprias localidades e apresentam os carimbos de Mafra e da Ericeira e dois deles são elegíveis, mas é de crer que o último terá sido enviado de Sintra. A apaixonada recebeu as mensagens em Vila do Conde nos dias 24 e 25 de Maio, certamente com imenso prazer porque percebeu o que não estava dito: a sua presença constante mesmo estando ausente.
Os postais são de extrema beleza, em estética Art Nouveau, em cores violeta e cinzenta, pontilhados por dourados, presentes também nos filetes circundantes, dificilmente visíveis nestas imagens. Para além do que sugerem esclarecem-nos também sobre o horário e designação das refeições no início do século XX. Percebe-se que antes das nove horas já haviam tomado o almoço, designação então dada ao pequeno-almoço. Em Mafra teve lugar o almoço então designado lunch, que às três horas já havia terminado uma vez que foi a essa que teve lugar a visita à Biblioteca. Por fim o jantar teve lugar em Sintra no Hotel Nunes[1] às 6 horas da tarde, a que se seguiu o regresso a Lisboa.
Hotel Nunes
Ao constatar esta sequência de informações não pude deixar de me lembrar dos novos meios de comunicação (telefones portáteis, mensagens escritas, etc.) e das redes sociais que, estou certa, Abel ia adorar.
Muitas informações tiradas apenas de postais. É o que dá estar a organizar os postais que se foram acumulando. Já cá estão há muito tempo mas descobri-os agora e devo dizer que depois destes me apetece falar noutros. Espero que gostem destas descobertas simples.


[1] O Hotel Nunes, um dos mais conhecidos da então vila de Sintra, na segunda metade do século XIX, situava-se junto ao Palácio da Vila e foi destruído para dar lugar ao incaracterístico Hotel Tivoli Sintra.

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