sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Água fresca e capilé

Há precisamente 110 anos (3 de Agosto de 1908) a revista Illustração Portugueza publicava na sua capa uma fotografia de Benoliel. Duas figuras masculinas, humildemente vestidas, dedicavam a sua atenção a estas refrescantes bebidas, num dia quente de Verão. A imagem, à época comum, não mereceu desenvolvimento no interior da revista pelo que podemos apenas descrevê-la, ou diria melhor interpretá-la.
À esquerda o vendedor retira, com um canivete, a casca de um limão para tornar mais agradável a bebida. Transporta consigo uma bilha de barro com água e uma pequena mesa com três pés e asa metálica para mais fácil deslocação. Sobre esta, duas garrafas com a bebida de capilé, um açucareiro e um copo de vidro.
O cliente é um jovem ardina que transporta o saco dos jornais e tem um exemplar para venda na mão. Descalço, naquele dia de calor, aguarda ansiosamente a preparação da bebida, seguramente uma excentricidade para o seu fraco rendimento (ou uma encenação pedida pelo fotógrafo?).
A cor branca da fotografia faz-nos adivinhar um dia de calor intenso mas o local onde tem lugar a cena não é distinguível. Será provavelmente Lisboa onde esta bebida era também vendida em quiosques e em pequenas lojas de bebidas.
Outra fotografia da época mostra-nos uma loja no Largo do Camões onde ela era consumida, mas os locais de vendas de licores faziam desta uma das bebidas de grande consumo de Verão, comercializada por várias empresas.
Jornal O Século 1929
Quando a propósito do meu livro «Licores de Portugal» entrevistei o sr. Alípio Ramos, actual proprietário da Frutaria Bristol, na Rua das Portas de Santo Antão em Lisboa, contou-me que tinha trabalhado na Ginjinha Popular e que tanto a groselha como o capilé feitos com soda tinham grande saída[1]. Nessa época vários fabricantes produziam esta apreciada bebida, como o comprovam múltiplos rótulos chegados até hoje.
Alguns dos rótulos de capilé da minha colecção.
O quiosque de S. Paulo ostenta ainda hoje nos seus cartazes de vidro pintados a palavra capilé prova de que esta era também aí vendida, tal como acontecia noutros locais semelhantes.
Quiosque do Largo de S. Paulo em Lisboa
A bebida que toma o nome do xarope «capilé» é feita com uma calda com suco de avenca ou capilária (Adiantum capillus-veneris L.). 
A minha avenca, uma planta muito tradicional nos lares portugueses
No século XVIII Lucas Rigaud no livro «Cozinheiro Moderno» dá a receita de Capiler ou Xarope de Avenca[2]. Quanto às donas de casa era frequente confeccionarem elas próprias este xarope.
Rótulo de Capilé para uso doméstico.
Não vou dar a receita, embora isso sempre me prejudique[3] mas remeto-os para um blogue de grande qualidade chamado Outras Comidas, onde podem seguir o modo de confecção ao pormenor, com rigor como é apanágio do autor.



[1] Licores de Portugal (1880-1980). pp 141 e 279.
[2]Cozinheiro moderno ou nova arte de cozinhar, onde se ensina pelo methodo mais facil... / dado á luz por Lucas Rigaud. p. 427.
[3] Há dias num local de venda dos meus livros uma senhora perguntou-me se o livro Ginjinha Portuguesa tinha receitas. Quando respondi que era apenas história pousou rapidamente o livro sobre a mesa e afastou-se.

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