quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Ler em voz alta

Harald Hoffding a ler em voz alta para os seus amigos em sua casa. Viggo Johansen, 1899.
Ontem foi o dia da escrita à mão, uma "inventona" dos tempos da escrita em computador. Um dia destes criam o dia da leitura, uma vez que se lê cada vez menos. Estas ideias surgiram-me ao folhear um livro dinamarquês em que a história do país era contada com imagens, através de quadros de vários pintores. 
Spren Kierkegaard a ler nas ruas de Copenhaga. Valdemar Neiiendam, 1936.
Surpreendeu-me a quantidade de pinturas, num livro de cerca de 100 páginas, em que a leitura era visível. Leitura a solo, a mais frequente, mas sobretudo a partilhada. Isto é a leitura em alto para os outros ouvirem.
Leonora Cristina, filha de Carlos IV da Dinamarca na Torre Azul. Kr. Zarhtann, 1891.
Ainda hoje os pais lêem histórias aos filhos, mas entre os adultos esse hábito perdeu-se. 
Hans Andersen a ler para uma criança doente. Elisabeth Jerichau-Baumann, 1865.
Durante os séculos XVIII e XIX eram frequentes os salões literários, em que as pessoas se juntavam para ouvir alguém ler. As senhoras idosas, que já viam mal, pediam às suas damas de companhia para lhes lerem passagens dos seus livros preferidos.
J.P. Jacobson a ler em voz alta um dos seus contos na Sociedade Alfabética. Erik Henningsen, Séc. XIX.
No século XX ser «diseur» tornou-se uma profissão. O nosso mais famoso diseur foi João Villaret que transformava os textos como ninguém. Mais recentemente Mário Viegas, falecido em 1996, tornava um prazer ouvi-lo «dizer», ou declamar como é mais frequente dizer-se.
Fru Gyllembourg a ler uma das suas histórias ao filho e mulher com quem vivia. Wilhelm Marstrand, 1870.
Um texto declamado por uma pessoa pode valorizá-lo tornando o seu sentido mais forte ou belo, ou pode ser assassinado, tirando-lhe a força. É uma arte difícil para a qual cada vez menos pessoas têm propensão. No lançamento do último livro da minha amiga Sofia Loureiro dos Santos, «Prosa Bíblicas», a atriz Natália Luíza leu muito bem os poemas presentes no livro. Tal como Pedro Lamares no programa Literaturaqui na RTP2, que ainda ontem vi.
O livro entreaberto mostra que na doença é boa companhia. Wilhelm Marstand, 1864.
Mas estas referências são de momentos públicos, profissionais. As imagens que me fizeram acordar para outra realidade, já perdida, são de momentos privados, no seio da família ou dos amigos, em que uma das pessoas assume o papel de leitor. Era uma forma de passar o tempo agora substituída pelas imagens da televisão.

Mostro aqui algumas dessas imagens seleccionadas do referido livro, mais frequentes num país em que se vivia mais no interior da habitação, mas seguramente também mais culto.

3 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

E Germana Tânger partiu. Nunca a ouvi dizer o Álvaro de Campos, mas ouvi o João Grosso de quem ela gostava, dizer a Ode Marítima de um folgo. E lembro isso até hoje.
Ouvi de quem foi a Cuba que alguns enroladores de charutos pagam do seu bolso a leitor que para eles leia e os acompanhe assim na mestria da sua artesanal monotonia. Talvez isso contribua para que os charutos cubanos continuem a ser os melhores do mundo para quem fuma.
Ouve um tempo em que a telefonia tinha leitores. Hoje a rádio tem sobretudo umas aves patetas que cacarejam, grasnam e gritam mas sem bebedeiras de azul.
Hoje, apesar dos milhares de livros novos por ano, não é tempo de ler livros, a não ser que sejam condensados e digeridos numa aplicação do visor do computador que cabe na palma da nossa mão.

Ana Marques Pereira disse...

Luís Filipe Gomes,
Por coincidência escrevi este poste na data da morte de Germana Tanger, embora desconhecesse esse facto.
Gostei muito da história dos enroladores de tabaco cubanos. Obrigada.

jose disse...

Houve também um tempo em que se editavam discos,em vinil,com leituras de poemas pelos seus autores, Eugénio de Andrade ou Jorge de Sena por exemplo.Ou em cd como David Mourão Ferreira.
Se Germana Tânger foi referência para dizer Pessoa também Villaret não fica mal no LP dedicado
ao autor de Tabacaria, sem resfolegar.Mais pra cá Luís Miguel Cintra leu Ruy Belo numa bela edição de Livro mais cd.
Há,graças,muito para ouvir ler,sabendo ler e ouvir.
Mas foi bom aqui relembrarem esse esquecido hábito.
Desejo o melhor.
jose