sábado, 16 de dezembro de 2017

Objecto Mistério Nº 55. Resposta: Couronne d'office

Pode dizer-se que houve um consenso e que as respostas de que se tratava de um objecto destinado a pendurar carnes ou enchidos estavam correctas. O facto de esta apresentar uma decoração com pássaros ajudou também muito, porque a maioria eram mais simples. Infelizmente ninguém arriscou uma designação porque seria muito útil saber se alguma vez em Portugal se utilizou este tipo de utensílio em ferro e qual o seu nome em português, que eu ignoro.
Claro que se usaram ganchos de carniceiro ou de açougue para o mesmo fim. Recordo-me de ver num dos anexos das cozinhas do Palácio Ducal de Vila Viçosa ganchos deste tipo numa das paredes. Já não falo nos fumeiros porque esses eram normalmente feito com tiras ou barras de madeira.
Há alguns anos atrás, quando corri o país a visitar cozinhas para o meu livro (Cozinhas. Espaço e arquitectura) que só parcialmente foi publicado, encontrei em Soajo uma objecto semelhante em madeira, com vários braços, feito a partir de um tronco único de árvore e seus rebentos, colocado ao contrário e em que cada um dos quais tinha um cancho. Passados estes anos não encontro a foto e esqueci o nome (galheiro?).
Por todas estas razões vi-me forçada a publicar o nome em francês. Conhecem-se este tipo de utensílios, feitos em ferro forjado, pelo menos desde o século XVI. Nos ganchos eram suspensas as carnes salgadas ou fumadas para as conservar, mas também os animais de caça para amadurecerem. 
No livro Opera dell'arte del cucinare de Bartolomeu Scappi, publicado pela primeira vez em 1570, podemos ver representações deste tipo de objecto tanto na cozinha como na copa.
Os ingleses chamam-lhe Dutch crown, mas a designação é considerada incorrecta porque a sua origem não é holandesa. Mesmo os ingleses usam a expressão francesa couronne d'office que podia traduzir-se por circlet of pantry em inglês. O mais interessante é que estas coroas não eram usadas nas copas (office), mas nas cozinhas das grandes casas. 
Na Casa Real inglesa eram colocadas na Pantry ou no Larder. Lembro-me de ter visto uma num dos anexos das cozinhas de Hampton Court, magnificamente reconstituídas, de onde pendiam aves, supostamente para faisander.
Em várias pinturas encontramo-las representadas nas cozinhas, o que faz sentido uma vez que aproveitavam o calor e o fumo que saía da lareira para secagem das carnes. Nos quadros de David Teniers, o jovem (1610-1690) encontram-se frequentemente representações destes objectos, discretamente colocadas a um canto, de onde se suspendem peças de fumeiro, como no Banquete dos Macacos, por exemplo. Eram descidas por meio de uma corda presa ao arco superior ou às correntes que as suportam.
Recentemente foram feitas versões modernas destas couronne d’offfice para colocação de alguns utensílios de cozinha, embora a sua função seja mais decorativa. 
PS: Agradeço à minha amiga Graça Pericão a oferta deste belo objecto, provavelmente francês e do século XIX, que veio enriquecer a minha colecção.

4 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

No museu Abade de Baçal em Bragança existe uma peça denominada trasfogueiro ou trasfugueiro de Miranda do douro que me parece uma súmula de um certo "mobiliário" de lareira. Nessa peça existem ganchos e decoração com aves semelhantes a uma certa "iconografia pastoril" de objectos de pedido de namoro, esculpidos em madeira ou bordados em panos.

http://outras27.rssing.com/chan-6141174/all_p387.html

O Objecto Mistério nº 55 recordou-me isto.

Ana Marques Pereira disse...

Luis Filipe Gomes,
Já vi o transfogueiro de que fala e que é fantástico. São contudo peças diferentes porque os transfogueiros encontram-se no chão na zona das lareiras, enquanto que estas peças são suspensas com cordas ao tecto. Tem funções diferentes mas por serem ambas em ferro forjado podem assiociar-se mentalmente. Cumprimentos

alvaro silva disse...

Cá pelo Alto Minho o nome de tal peça é mesmo "galheiro", pode ser de ferro ou de madeira com ou sem arames. É assim chamado por nele serem pendurados os chouriços e os salpicões a "curar ao fumo" e entre estar peças de fumeiro a separá-las para não se "magoarem" usam-se ramos de loureiro. No arame que o suspendia da trave mestra,entrelaçavam-se uns galhos de tojo arnal,famoso pela rijeza dos seus espinhos e que impediam o acesso dos ratos ao chouriço. (nanja aos de vinte unhas). Depois dos ditos estarem no ponto óptimo de secagem eram metidos num saco de serapilheira e eram sepultados na salgadeira, para se conservarem frescos e bons. Era assim nos meus tempos de menino. Votos de feliz e santo Natal,
Álvaro (OM 16897)

Ana Marques Pereira disse...

Álvaro Silva,
Que bom conhecer e ter confirmado a palavra "galheiro". Pelos vistos ficou no meu subconsciente. Espero um dia encontrar a foto para publicar. Obrigada pelas preciosas informações. Feliz Natal.
Ana MP (OM 14398)