domingo, 23 de abril de 2017

Hildagonda Duckitt a Mrs. Beeton's da África do Sul

De um lote de livros que pertenceram a uma escola de culinária na África do Sul, a que esteve ligada uma família portuguesa que os trouxe para o nosso país, chamou-me à atenção um em especial. Intitulado «Hilda’s Where is it?» tanto o título como a autora eram-me totalmente desconhecidos.
A sua autora foi Hildagonda Johanna Duckitt, nascida a 21 Fevereiro de 1839 em Darling, na África do Sul e falecida a 5 Janeiro de 1905 em Cape Town. Apesar de nascida na África do Sul era descente de ingleses e manteve sempre uma estreita relação com a colónia inglesa. Foi por volta de 1820 que os ingleses começaram a chegar ao Cabo depois que este passou do poder holandês para o britânico. 
Groote Post. Imagem tirada da internet
O avô de Hildegonda, William Duckitt de Esher foi enviado para o Cabo em 1800 pelo rei Jorge III para organizar quintas modelo e melhorar os métodos agrícolas. Foi um dos seus filhos, o pai da autora, que adquiriu em 1839, no Cabo, a quinta designada Groote Post que tinha uma casa ao estilo colonial, datada de 1808, num estilo misto holandês e oriental, segundo descrição da própria. Em breve a quinta se tornou auto-suficiente.
Hildagonda Duckitt
Hildagonda publicou em vida apenas dois livros: o já referido Where is it? em 1891 e Diary of a Cape Housekeeper, em 1902.
O primeiro teve um sucesso imediato e nenhuma jovem em idade casadoura durante anos passava sem este livro. De tal modo que a minha edição corresponde ao 27º milhar, sem data, mas provavelmente de 1915.
O segundo, embora tenha também receitas e conselhos sobre flores e plantas, de que a autora era profunda conhecedora, tornou-se um clássico da literatura sul-africana. Nele Hildagonda conta a história dos eventos passados na sua propriedade onde recebiam os principais representantes da colónia inglesa, como o governador, a cuja filha, Catarina, a autora dedica o primeiro livro ou a princesa Mary de Inglaterra, posteriormente rainha Mary, mulher do rei Jorge V, a quem dedicou a sua segunda obra.
Depois da sua morte foram publicados mais dois livros coligidos pela sua sobrinha Mary Kutell: Quadrilles and konfyt: the life and journal of Hildagonda Duckitt, em 1954 e Hildegonda Duckitt’s Book of Recipes, editado em 1966.
Apesar da escassa produção literária a sua obra foi considerada de referência, tendo sido apelidada a “Mrs. Beeton” da África do Sul, tornando-se num nome incontornável para o estudo da vida colonial da época, para além de ter construído as bases de uma cozinha tradicional do Cabo, usando produtos locais. 
Hildegonda teve uma vida amorosa infeliz e nunca casou. Dedicou a sua vida ao estudo dos produtos locais como plantas e flores que chegou a exportar para Inglaterra. Ela própria fazia o seus vestidos com tecidos de que desenhava o padrão e mandava imprimir em Inglaterra.

Adicionar legenda
O livro Hilda’s “Wheres is it?” é uma recolha de receitas do Cabo, algumas antigas de família, mas também indianas, malaias e francesas que traduzem costumes das famílias locais de origem holandesa. Tem, como seria de esperar numa zona de quinta, muitas receitas de conservas e de doces, muitos bolos para chá indispensáveis para uma sociedade em que se recebia muito e até receitas destinadas a inválidos, conceito que devia ser associado a doença. 
Nemesia Strumosa ou Jóia do Cabo, planta originária da África do Sul, uma das flores apreciadas por Hildagonda de que enviava sementes para Inglaterra
Outra curiosidade do livro é conter folhas em branco, onde podiam ser acrescentadas receitas da própria pessoa que adquiria o livro, e que permitia assim ir completando a obra. Por sorte minha, este exemplar que chegou às minhas mãos está todo escrito e as receitas encontram-se tão alinhadas que pensei a princípio tratar-se de um fac-simile. Sorte minha. E este é ainda o primeiro livro deste lote que analisei.