domingo, 26 de abril de 2009

Visions d'Orient

Fascina-me a história que os objectos têm para nos contar, se a procurarmos. Mesmo os mais simples têm uma razão para terem sido criados, um motivo para estarem ali. Tiveram um função que entretanto ficou esquecida, como se tivessem sido reformados. Descobrir este percurso de um objecto é um prazer e uma forma de os trazer de volta à vida.

Este raciocínio vem a propósito de um conjunto de ementas que comprei. São 12 menus de folha dupla dentro de um envelope que, no exterior, tem escrito “Visions d’ Orient”. A fechá-lo um selo circular com os dizeres «Champagne Charles Heidsieck Reims».
Cada um deles tem dois desenhos que ocupam toda a folha e que ilustram uma cena de um país. No verso existe um pequena descrição do país ou de um monumento importante. Quando se abre o desdobrável podemos ver o espaço destinado ao Menu, em branco. Aí seria escrita a ementa do dia. No fundo da página encontramos a referência ao “Champagne Charles Heidsieck”, a empresa que terá seguramente publicitado a sua bebida desta forma. Encontramos esta forma de publicidade com outras bebidas, mas o que nos surpreende nesta, é a qualidade dos desenhos, que não se encontram assinados.

Comecei por procurar uma relação com o Champagne e descobri uma das principais casas desta bebida, que embora com taxas de exportação inferiores a outras, que reconhecemos imediatamente, é considerada pelos analistas de champagne como uma das melhores.
A casa Charles Heidsieck foi fundada em 1851, por Charles Camille Heidsieck (1820-1871). Durante o século XIX visitou os Estados Unidos para aí introduzir o seu champagne que se tornou conhecido por "Champagne Charlie". Por suspeita de ser espião foi preso durante a guerra civil americana.
Em 1836, depois do seu regresso a França, foi abordado pelo irmão do seu agente nos Estados Unidos que, descontente com a actuação deste, resolveu compensá-lo com a oferta de terrenos no Colorado. Localizados no que viria a ser a cidade de Denver, possibilitaram ao seu novo possuidor uma venda rentável que lhe permitiu relançar a sua casa de Champagne, entre as primeiras de França.
A sua vida foi escrita em livro que, em 1989, passaria para o cinema. O filme, com o nome de «Champagne Charlie», foi dirigido por Allan Eastmane e tem como actor principal Hugh Grant.
Até agora a história era interessante mas o mistério não estava ainda completamente elucidado. Era preciso descobrir o que eram as “Visions d’Orient”. A imagem de um paquete na capa viria a conformar que se tratava de cruzeiros pelo Oriente, que ainda hoje se realizam com o mesmo nome. Os monumentos e países referidos eram uma menção aos locais eventualmente visitados, embora não possamos confirmar que a cada menu correspondesse exactamente o local visitado.

Este gosto pelo Oriente integrava-se no gosto pelas viagens e pelo seu relato, prática que se expandiu no século XIX. A literatura de viagens, com a publicação de obras como a “Voyage en Orient” por Gérárd de Nerval (1808–55), um dos primeiros simbolistas da literatura francesa, ou as obras de Gustave Flaubert, como «Carnets de voyage» e «Correspondence» escritos durante a sua viagem ao Oriente em 1849-50, abriram caminho ao Orientalismo.
O orientalismo manifestou-se também na pintura como foi o caso de Eugène Delacroix, com o seu quadro «Mulheres de Algéria» pintado em 1834, ou «No banho turco» de J. A. D. Ingres, de 1862.
A arquitectura também não escapou a este movimento e temos em Portugal alguns exemplos de arquitectura neo-árabe como o salão da Associação Comercial do Porto, de 1862, ou a Casa Ribeiro da Cunha, no Príncipe Real em Lisboa, construída entre 1871 e 79 ou a Praça de Touros do Campo Pequeno, para apenas mencionar os mais conhecidos. Fecha-se aqui o círculo. As ementas que comprei contam-me uma história de viagens pelo Oriente, a bordo de um barco, em busca de locais exóticos, romanceados na cabeça dos viajantes, tal como aconteceu com todos os seguidores do “Orientalismo”. Desta história fazem parte os belos menus, onde seriam escritos, à mão, pratos deliciosos, acompanhados por um bom Champagne Charles Heidieck. E o mistério fica desvendado.

2 comentários:

magda disse...

Olá! soube do blog pela Isabel Almasqué. Fomos colegas de turma. Fomos ambas colegas no Charles Lepièrre, ambas somos médicas, eu da pedo do HDE, pelo que também nós somos colegas. Vou pôr esta morada nos meus favoritos e vou fazer umas visitas. Sou "acusada" de ser ou ter a mania que sou gourmet. Mas provo, comparo, algumas coisas tento e sou exigente. Por isso devo estar bem aqui. Cá me terá.

Ana Marques Pereira disse...

Bem vinda Magda. Se é amiga da Isabel é minha amiga, mesmo sem a conhecer. Vá dando a sua opinião. Não prometo receitas mas à volta da comida estaremos seguramente.